Defesa particular

Empresa devedora deve pagar os honorários advocatícios

Autor

  • Marcelo Luis de Souza Ferreira

    é juiz do Trabalho Substituto do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (Espírito Santo). Já foi juiz do Trabalho no Amapá (2002-2006) e advogado em São Paulo (1998-2002). Também foi professor do Centro de Ensino Superior do Amapá e da Escola Superior de Advocacia do Amapá.

26 de setembro de 2007, 18h01

A jurisprudência trabalhista há muito tempo vem negando a incidência de honorários advocatícios na Justiça do Trabalho para os casos em que o trabalhador não esteja assistido por sindicato, utilizando-se para tanto do disposto na Lei 5.584/70 e em homenagem ao jus postulandi conferido às partes no processo trabalhista.

Em que pese tratar-se de posicionamento jurisprudencial majoritário, a experiência e a reflexão acerca das normas e princípios que regem a matéria nos levam a seguir caminho diverso como forma de estabelecer uma aplicação mais justa da lei e corrigir as distorções cotidianamente verificadas.

Inobstante a lei conferir ao próprio trabalhador o jus postulandi, dando-lhe a oportunidade de comparecer sozinho perante o Juízo e assim defender seus interesses, tanto o direito material quanto o direito processual do trabalho tornaram-se sobremaneira complexos ao longo dos anos, de modo que impor à própria parte a defesa judicial de seus interesses é instituir um ônus por demais pesado e dar as costas ao princípio de proteção ao hipossuficiente, que fundamenta tanto o direito material quanto o direito processual do trabalho.

Acresça-se a isso o fato notório de a estrutura sindical do País revelar-se deficitária, incapaz de atender aos anseios e às necessidades dos trabalhadores, o que, aliás, tem justificado a permanência em nosso ordenamento jurídico de institutos como o poder normativo da Justiça do Trabalho e a impossibilidade de negociação coletiva que infrinja as garantias mínimas instituídas por lei.

Portanto, a realidade demonstra que a assistência do trabalhador por advogado particular na defesa judicial de seus interesses deixa de ser uma mera opção e se torna cada vez mais necessária, e o trabalho deste profissional – que tem o mesmo valor que o trabalho do próprio demandante, cuja defesa foi praticada no processo – merece ser igualmente respeitado e pago, o que, aliás, resta assegurado no artigo 22 da Lei 8.906/94.

Neste panorama, quando a Justiça simplesmente afasta a pretensão referente aos honorários advocatícios, como tem feito, termina por impor exclusivamente ao trabalhador a obrigação de diminuir o seu próprio patrimônio para poder se utilizar de seu direito constitucional de ação e garantir seus legítimos interesses. E é justamente aí que reside a injustiça e a violação aos princípios basilares do direito do trabalho.

Não podemos esquecer que ao conferir ao trabalhador a faculdade de agir pessoalmente perante a Justiça do Trabalho ou ser assistido pelo seu sindicato, a lei não o obriga expressamente a tanto nem traz implícita esta intenção. Na verdade, o que se pretendia já nos idos de 1970 era apenas permitir o amplo e gratuito acesso à justiça para os trabalhadores, propósito que ganhou ainda mais força com a Constituição Federal de 1988 e ainda nos servirá ao longo deste estudo.

Também não há na lei expressa vedação à concessão de honorários advocatícios para os casos de assistência por advogado particular nem tampouco dispositivo que afaste do Direito do Trabalho o princípio da plena reparação de danos, que será discutido mais adiante.

Desta forma, a se entender que o artigo 16 da Lei 5584/70 restringe a concessão de honorários advocatícios na Justiça do Trabalho às hipóteses de assistência judiciária (artigos 14 e seguintes da mencionada lei) estamos diante de uma interpretação ampliativa – haja vista que em nenhum momento esta mesma lei diz expressamente que apenas na assistência judiciária são devidos honorários advocatícios, de modo que há uma lacuna no que tange aos processos em que tal assistência não se verifica -, porém uma interpretação ampliativa contrária aos princípios de direito material e processual do trabalho, pois vem em flagrante prejuízo do trabalhador, impondo-lhe o ônus de suportar sozinho os custos da assistência profissional necessária.

Assim, a melhor exegese da lei, neste particular, e única capaz de atender aos propósitos de todo o sistema jurídico trabalhista está em se entender que o artigo 16 da sobredita lei não extrapola os seus limites, ou seja, disciplina apenas uma situação na qual são cabíveis honorários advocatícios sem vedar a concessão de tal parcela em situações diversas da assistência judiciária prevista nos seus artigos 14 e seguintes.

Além disso, o entendimento jurisprudencial que ora rechaçamos impede a plena satisfação do direito material violado, o que contraria não apenas os princípios próprios desse ramo especializado do direito como os princípios gerais do direito.

Note-se que quando cuidamos de reclamação trabalhista discutimos verbas e valores que são essenciais à própria subsistência do ser humano, daí o acentuado caráter alimentar das prestações que discutimos e o privilégio especial que essas obrigações gozam em nosso sistema jurídico. Ou seja, criamos todo um ordenamento que pugna pelo respeito ao direito do trabalhador, como forma de assegurar a sua dignidade e a realização dos direitos da personalidade humana, cuja intangibilidade é tamanha a ponto de impedir que o próprio trabalhador possa praticar atos de mera renúncia aos seus interesses. Dentro desse sistema não podemos fugir, portanto, do compromisso de garantir a esse mesmo trabalhador a fruição integral de seus direitos, admitidas apenas as restrições expressamente previstas em lei (como é o caso da prescrição, da conciliação e dos descontos instituídos legalmente).

Se de um lado temos verbas que devem percebidas em sua integralidade pelo trabalhador, do outro observamos que a necessidade de contratar um profissional para conseguir a satisfação integral de tão sagrado interesse apenas surge em função do descumprimento, pelo empregador, das obrigações que legalmente assumiu. Se o empregador tivesse agido no estrito cumprimento da lei o trabalhador teria percebido as verbas reclamadas sem outras deduções além das previstas em lei, revertendo-as para o seu sustento e para a melhoria de suas condições sociais.

Nesse aspecto, vê-se que até mesmo o novo Código Civil, instituído pela Lei 10.406/2002, imbuído no ideal de justiça social, altera um ramo do direito que era marcado pelo dogma da igualdade formal e nos permite uma solução mais consentânea com a realidade.

Neste novo código se observa claramente a adoção do princípio da plena reparação de danos, com mecanismos que obrigam o devedor a restituir integralmente o bem da vida lesado e reparar todos os danos causados pelo seu ato ilícito ou pelo descumprimento de suas obrigações, garantindo, ao mesmo tempo, o pleno ressarcimento do patrimônio jurídico afetado.

Quanto ao inadimplemento das obrigações contratuais, o artigo 389 do Código Civil agora prevê expressamente a responsabilidade do devedor pelas “perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado” (grifos nossos), e o artigo 404 do mesmo diploma legal destaca que “as perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional” (grifos nossos).

Se com essas disposições restam assegurados ao credor em geral o amplo acesso à Justiça e o regular exercício do direito de ação sem ônus que diminuam ainda mais o seu patrimônio, com maior razão ainda, em função da natureza alimentar das verbas trabalhistas e da intangibilidade que isso lhes confere, tais disposições devem ser aplicadas no âmbito da relação de trabalho.

Não se pode olvidar que o direito comum é fonte subsidiária do Direito do Trabalho, como se extrai do artigo 8º da CLT, e deve incidir nos contratos de trabalho na falta de disposições contratuais ou legais específicas, como é o caso. Assim, o princípio da plena reparação de danos, agora convertido em lei, coaduna-se com o princípio maior de proteção ao trabalhador, que inspira e orienta o Direito do Trabalho, o que autoriza a aplicação dos artigos 389 e 404 do Código Civil às relações de emprego cujas obrigações venham a ser reconhecidas em decisão judicial.

Diante do exposto, observado o regramento vigente, tem-se como cabível o pagamento de honorários advocatícios pelo devedor também para a assistência particular no Processo do Trabalho, como forma de garantir a reparação integral dos danos causados ao credor.

Oportuno ressaltar, porém, que a compatibilização do instituto em discussão com o direito material e processual do trabalho, tendo em vista o princípio específico da proteção ao trabalhador, o ideal do acesso gratuito à Justiça do Trabalho já destacado desde 1970 e o princípio geral de direito da plena reparação dos danos, conforme a nova diretriz conferida ao direito civil pela Lei 10.406/02, apenas se torna possível mediante a transferência do ônus referente aos honorários advocatícios, ou seja, deslocando o prejuízo para a esfera patrimonial de seu causador e permitindo que o trabalhador possa, então, usufruir a integralidade de seu direito. É esse, no nosso entender, o sentido que o novo Código Civil deu à obrigação referente aos honorários advocatícios, no que derrogou qualquer disposição em sentido contrário existente na Lei 8.906/94.

Ao isentar o trabalhador do pagamento dos honorários advocatícios e impor tal obrigação ao empregador vemos preservados o respeito ao trabalho humano em sua plenitude (atingindo com igualdade de tratamento tanto o trabalhador reclamante quanto o trabalhador que o assistiu judicialmente, patrocinando a causa) e as repercussões da responsabilidade civil do empregador, aqui também em sua plenitude. Ou seja, tal solução preserva os direitos e deveres de cada envolvido, acomodando-os com justiça e justeza dentro do ordenamento jurídico vigente.

Ainda, na consecução deste raciocínio incide o disposto no § 2º do artigo 22 da Lei 8.906/94, segundo o qual “na falta de estipulação ou de acordo, os honorários serão fixados por arbitramento judicial, em remuneração compatível com o trabalho e o valor econômico da questão, não podendo ser inferiores aos estabelecidos na tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB”.

Desta forma, ao julgar a reclamação trabalhista em que se postulem honorários advocatícios sobre o resultado da demanda e não havendo na mesma prova do percentual ajustado entre as partes, surge a possibilidade de o julgador proceder ao seu arbitramento com base no que entender como justo para a retribuição do trabalho prestado pelo profissional do direito, e ressalvar, em respeito à autonomia de vontade das partes, o direito de o advogado exigir de seu próprio cliente eventual diferença existente por força do contrato firmado entre ambos.

Em suma, o direito do trabalho atual, compreendido em sua completude, já não mais se realiza, no que tange aos honorários advocatícios, através do entendimento jurisprudencial do C.TST (Súmulas 219 e 329 e Orientação Jurisprudencial 27 da SDI-II). Em verdade, a manutenção de tal entendimento tem trazido prejuízos consideráveis à grande massa de trabalhadores que procura o Poder Judiciário, o qual, com sua postura, deixa de realizar o ideal do amplo e gratuito acesso à Justiça ao mesmo tempo em que impede a plena aplicação do sistema de responsabilidade civil legalmente instituído.

A Justiça do Trabalho dispõe de mecanismos para reverter este quadro e deve condenar o devedor também ao pagamento de honorários advocatícios para os casos de assistência judiciária particular, ressalvando a obrigação de tal valor ser deduzido daqueles ajustados diretamente entre o trabalhador e seu advogado, com o que, além de restabelecer o equilíbrio de todas as relações jurídicas envolvidas, atuará de modo a coibir novos ilícitos trabalhistas e contribuir para a redução dos exagerados índices de litigiosidade que atualmente impedem o combate à propalada morosidade do Poder Judiciário.

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    é juiz do Trabalho Substituto do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (Espírito Santo). Já foi juiz do Trabalho no Amapá (2002-2006) e advogado em São Paulo (1998-2002). Também foi professor do Centro de Ensino Superior do Amapá e da Escola Superior de Advocacia do Amapá.

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