Por trás da inundação de ações na Justiça contra obras do governo há um forte componente cultural que deve ser combatido, diz o ministro-chefe da Advocacia-Geral da União, José Antônio Toffoli. Trata-se da “cultura do litígio”, que não envolve só obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), mas todos os aspectos do dia-a-dia do cidadão. Para ele, há estímulos para que as discussões convirjam para o Judiciário, esvaziando o papel da administração pública e das agências reguladoras. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estado, feita pela jornalista Lu Aiko Otta.
Por que tantas ações contra obras do PAC?
Há ações que se referem a divergências em relação a liberações ambientais, empresas que são desclassificadas em uma concorrência e vão à Justiça. São várias as razões para essa multiplicidade de processos. Existe uma cultura da litigiosidade. Tudo tem de parar no Judiciário para dizer o que é certo e errado. Essa situação tem de ser mudada. O Executivo ainda não é respeitado como deveria.
Como assim?
Quando o Ibama dá uma decisão sobre determinada questão ambiental, as pessoas deveriam reconhecer ali um trabalho sério. É preciso compreender que o Executivo está aparelhado para fazer essas análises. Você teria condições de dizer se um medicamento pode ou não ser liberado? Você acha que um juiz federal teria condições de fazê-lo? O Estado tem de ser respeitado ou não adianta criar agências reguladoras, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), se tudo vai parar no Judiciário. Então, entrega a gestão do País para o Judiciário.
Essa é, como o senhor diz, uma questão cultural ou há outros fatores que fazem com que caiba ao Judiciário a última palavra sobre tudo?
O Brasil, corretamente, tem como princípio constitucional a universalidade de acesso ao Judiciário. Qualquer ameaça de lesão ao direito pode ser levada ao Judiciário, sem esgotar a instância administrativa. O que eu falo é que há uma cultura do conflito. Vou dar um exemplo. No mundo inteiro, tirando o Brasil, existem 2 milhões de estudantes de Direito. Só no Brasil, existe 1,8 milhão. Essas escolas ensinam o quê? Ensinam processo, disputa judicial, aquela coisa de filme americano que um tem de derrotar o outro.
A maior parte das ações tem origem no Ministério Público. Como o senhor avalia a atuação dessa instituição?
O papel institucional dele é esse mesmo: fazer a análise da legalidade e regularidade dos atos da administração pública federal. O que não pode é o abuso. Às vezes, recebemos o mesmo pedido de informação de um procurador de lugar tal e de outro procurador de lugar tal. Ou seja, o Ministério Público foi organizado de uma maneira a que cada procurador da República, cada promotor público seja uma instituição. Essa organização do Ministério Público leva a uma esquizofrenia, porque todos eles se acham investidos desse papel.
[Entrevista publicada no jornal O Estado de S. Paulo em 23/09/2007]