Cidadão engolido

Repercussão Geral não é solução digna para salvar STF

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20 de setembro de 2007, 0h00

Muito se tem discutido ao longo dos anos a respeito do papel do STF em nosso sistema jurídico, ou seja, até onde deve a Corte Suprema intervir no tocante aos feitos judiciais, julgando tais causas em sede de Recurso Extraordinário.

Os doutrinadores de plantão costumam preceituar que a Corte Suprema deve se preocupar somente com as causas de grande vulto, o que o legislador preferiu denominar de “repercussão geral”, prevista na Constituição Federal, no artigo 102, paragrafo 3º, assim, somente aquelas causas que repercutam no seio da sociedade é que podem ser julgadas em Recurso Extraordinário.

Mas será que deve ser assim?

Esclareço que a tese que aqui vou defender não encontra óbice no citado artigo 102, parágrafo 3 º da Carta da República, até por que, um dispositivo inserto na Constituição Federal por meio de Emenda Constitucional pode ser tido como Inconstitucional se desrespeitar as denominadas cláusulas pétreas, previstas no artigo 60, parágrafo 4º da Constituição Federal.

Vou tecer meus argumentos sobre o tema para após justificá-los à luz do regramento constitucional em vigor.

A meu ver o Supremo Tribunal Federal deve desempenhar seu papel de julgador exatamente da forma como posta na Constituição Federal quando esta entrou em vigor em outubro de 1988, ou seja, analisando as situações enquadradas no artigo 102 da Lei maior, sem a preocupação de saber da tal “repercussão geral”.

O seu papel é o de ser o guardião da Constituição Federal, sem distinguir dos efeitos de sua decisão para a sociedade como um todo, mas sim se preocupando com a preservação da Lei maior face a cada caso concreto, por mais humilde que seja.

Na verdade, o cidadão, o jurisdicionado está sendo engolido pelo que resolveram chamar de “repercussão geral”, esquecendo-se que a tal repercussão é voltada para um todo abstrato, o tal interesse da sociedade, esquecendo-se o legislador e os doutrinadores que o cidadão é originariamente o detentor de direitos e obrigações, e para ele principalmente é voltada a Constituição Federal.

Em bom português, o Supremo Tribunal Federal deve analisar qualquer situação que diga respeito à Constituição Federal, seja um caso mais simples, seja aquele caso que tem a tal da repercussão geral, se é que juridicamente faz sentido existir o conceito de “repercussão geral”.

O direito ao julgamento no STF, nas hipóteses do artigo 102 da Constituição Federal é um direito de cada cidadão preservado a luz do artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV da Constituição Federal, ou seja, a Constituição Federal em sua origem disse que qualquer matéria que se enquadrasse nas hipóteses do artigo 102 deveria ser analisada pelo Supremo Tribunal Federal.

A repercussão geral vem de encontro ao argumento daqueles que defendem que o Supremo Tribunal Federal deve ser um órgão julgador à semelhança da Corte Suprema Americana, julgando poucos casos, de grande repercussão, anualmente.

Entendo que havendo uma Constituição Federal detalhista como a nossa, embora contenha matérias que sim dizem respeito à federação e outras que poderiam estar relegadas a norma infra — constitucional, é natural que muitos processos deságüem na Corte Suprema, pois, esta foi uma escolha do Poder Constituinte Originário e assim deve ser.

Agora, inventar a “repercussão geral” para desafogar o Supremo Tribunal Federal é afrontar cláusula pétrea prevista no artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV da Constituição Federal.

Quero dizer que a Constituição Federal ao entrar em vigor em outubro de 1988 assegurou a todo e qualquer cidadão que o Supremo Tribunal Federal teria aquela competência prevista no artigo 102 da Constituição Federal, não podendo tal regra ser alterada para restringir o acesso à Corte Maior, na vigência da mesma ordem Constitucional, mesmo tendo em vista casos futuros.

Cada Tribunal tem o seu papel em nosso ordenamento jurídico, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça dá a última palavra em termos de Lei Federal e o Supremo Tribunal Federal em termos de Constituição Federal, devendo ser assim, em qualquer caso concreto (sem a repercussão geral) e nas ações de preservação da autoridade da Lei maior.

Entendo que o artigo 102, parágrafo 3º da Constituição Federal é uma tentativa de “globalizar” o Ordenamento Jurídico, afastando o cidadão de obter uma tutela da Corte Suprema, sob o argumento de que no Supremo Tribunal deve reinar a “repercussão geral”, sem a qual o recurso extraordinário não pode vingar.

Meu artigo deve contrariar o pensamento daqueles que pretendem ver o STF desafogado, mas digo que a criação desse novo pressuposto recursal não é a solução mais digna e adequada para salvar a Corte Suprema da avalanche de feitos judiciais.

Na verdade, a solução não reside na criação da “repercussão geral” mas sim na reestruturação do Poder Judiciário Brasileiro, inclusive, com a digitalização do processo, agilizando-se o trâmite do feito, bem como, na conscientização de certos setores da sociedade quanto a se evitar recorrer em temas já pacificados na jurisprudência dos Tribunais.

Ao invés de uma solução adequada, buscou-se uma maneira de desumanizar o Supremo Tribunal Federal, pois, a repercussão geral é a vitória do abstrato sobre a sensibilidade estampada em casa capa de processo.

Assim, vejo como inconstitucional o artigo 102, parágrafo 3º da Constituição Federal por afronta ao artigo 60, parágrafo 4, inciso IV da Constituição Federal, terminando por citar o ilustre advogado Luis Roberto Barroso quando este disse certa vez que “o tempo não está para improvisos”.

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