Mini-reforma eleitoral

TSE precisa assentar visão sobre lei da investigação judicial

Autor

  • Admar Gonzaga Neto

    é advogado ex-ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Membro Consultor da Comissão Especial de Direito Eleitoral do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral.

19 de setembro de 2007, 0h00

A Mini-reforma eleitoral – assim chamada a edição da Lei 11.300, de 2006 — inseriu no texto da Lei das Eleições (9.504/97) alguns dispositivos importantes, dentre os quais o artigo 30-A, que prevê o ajuizamento de representação para a apuração de irregularidades na arrecadação e gastos dos recursos eleitorais.

Com ele, o legislador dotou o ordenamento eleitoral de poderoso instrumento para apuração e punição de transgressões às regras de captação e gastos de recursos financeiros de campanha. Transgressões tais como deixar de abrir conta bancária para o trânsito de todo movimento financeiro, ultrapassar o limite de gastos determinado pelo partido ou coligação, aceitar doação de fontes não autorizadas, deixar de emitir o recibo eleitoral, efetuar gastos ilícitos e com recursos de origem não identificada ou não contabilizados (caixa-dois), dentre outras irregularidades.

Numa visão literal, a propositura da ação estaria limitada aos partidos políticos e coligações. Todavia, cabe considerar como também legitimados os candidatos e o Ministério Público Eleitoral, haja vista que o dispositivo em exame atrai o rito previsto no artigo 22 da Lei Complementar 64/90, que disciplina a ação de investigação judicial eleitoral para a apuração de abuso do poder econômico, de autoridade ou uso ilegal dos meios de comunicação. Nele estão legitimados todos os acima citados, em texto muito semelhante ao do artigo 30-A.

Ademais, considerada a consolidada jurisprudência[1] do egrégio Tribunal Superior Eleitoral, é de se deduzir que também a representação prevista no artigo 30-A pode ser ajuizada desde o pedido de registro de candidatura até a data da diplomação, que é marco para a contagem de prazo para outras vias processuais eleitorais, a exemplo do recurso contra a expedição de diploma do artigo 262 do Código Eleitoral e a ação de impugnação de mandato eletivo, prevista no artigo 14, parágrafos 10 e 11 da Constituição Federal.

Já se tem notícia do ajuizamento de representação com amparo no artigo 30-A em face da realização de despesas antes da abertura de conta bancária e da constituição de comitê financeiro, condições estabelecidas na lei de regência (arts. 19 e 23 da Lei 9.504/97) para o início da arrecadação de doações e para a realização de despesas de campanha.

Trata-se de ilícito de real gravidade, posto que a legislação impõe a abertura de conta bancária específica em nome do candidato e do comitê vinculadas ao CNPJ de cada um (Instrução Normativa Conjunta SRF/TSE 609/2006), pela qual deve passar todo o movimento financeiro da campanha. Determina, ainda, que a movimentação bancária deve ser feita por meio de cheque nominal ou transferência identificada, sob pena de desaprovação da prestação de contas.

Assim, ainda que a respectiva instância[2] aprove a prestação de contas quando constatadas as irregularidades descritas na lei, cabe o ajuizamento da representação prevista no artigo 30-A. Ou seja, a aprovação das contas não é argumento válido para a contestação de representação formulada com base no dispositivo. Nos casos de desaprovação, cumpre ao Ministério Público e aos demais legitimados o ajuizamento da representação.

É ela uma das via próprias para se pedir a apuração de irregularidades na captação e gastos de campanha, pois o TSE tem reiteradamente assentado[3] que o processo de prestação de contas é de índole substancialmente administrativa, sobre o qual não cabe a jurisdicionalização do debate por meio da interposição de recurso especial.

Com efeito, o ordenamento eleitoral não prevê a aplicação de penalidade aos candidatos nas hipóteses de desaprovação das contas, ou seja, não há sucumbência a ser suportada. Trata-se, na verdade, de procedimento de jurisdição voluntária, em que não há litígio. A lei prevê apenas que os eleitos não sejam diplomados enquanto não apresentadas as respectivas contas de campanha (art. 29, § 2º da Lei 9.504/97). Já em relação ao partido, há uma penalidade a ser suportada nos casos de rejeição das contas de campanha, eis que a lei (art. 25 da Lei 9.504/97) prevê a perda do direito aos recursos do Fundo Partidário no ano seguinte às eleições.

Assim, a representação prevista no artigo 30-A é a medida própria para os legitimados provocarem a apuração de suspeitas na arrecadação e gastos de recursos financeiros de campanha, ainda que anteriores ao registro da candidatura. Após a diplomação dos eleitos, no entanto, aqueles que se sentirem prejudicados podem optar pelas demais vias processuais previstas, quais sejam, o recurso contra expedição de diploma e a ação de impugnação de mandato eletivo.

Quanto ao efeito, espera-se que o TSE assente o mesmo entendimento posto em relação ao artigo 41-A da Lei 9.504/97 – que prescreve a cassação do registro ou do diploma quando apurada a compra de votos -, de reconhecer ser imediata à execução das decisões lançadas com base no artigo 30-A, que prevê a não concessão do diploma, ou a sua cassação quando já outorgado.

Por fim, aguarda-se que aquela egrégia Corte assente que desnecessária a aferição de potencialidade quando comprovada a captação ou gastos ilícitos de recursos eleitorais, posto que tais expedientes são os mais contagiosos contra o equilíbrio da disputa eleitoral. Mais que isto, um acinte contra o processo democrático, a demonstrar, desde o início, total falta de apego às leis e aos princípios que devem ser reconhecidos na conduta daqueles a quem caberá cuidar dos temas públicos.


[1] Ação de investigação judicial eleitoral. Prazo para propositura. – RESPE nº 25935, Acórdão nº 25.935, de 20/06/2006, Rel.: Min. José Augusto Delgado; RP nº 628, Acórdão nº 628, de 17/12/2002, Rel.: Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira; RESPE nº 12531, Acórdão nº 12531, de 18/05/2005, Rel.: Min. Ilmar Nascimento Galvão.

[2] As contas dos candidatos aos cargos de vereador e prefeito devem prestadas ao juíz da respectiva Zona Eleitoral; as contas dos candidatos a deputado estadual, deputado federal, senador e governador devem ser prestadas ao respectivo Tribunal Regional Eleitoral; e, as contas dos candidatos a presidente da república devem ser prestadas ao Tribunal Superior Eleitoral.

[3] Prestação de contas. Matéria administrativa. Jurisdicionalização. – MS nº 3566, Acórdão nº 3566, de 14/08/2007, Rel.: Min. José Gerardo Grossi; AG nº 7413, Acórdão nº 7413, de 21/06/2007, Rel.: Min. Carlos Eduardo Caputo Bastos; ERESPE nº 26115, Acórdão nº 26115, de 24/10/2006, Rel.: Min. José Augusto Delgado.

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