Carga pesada

Especialistas se reúnem para debater discriminação no trabalho

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18 de setembro de 2007, 14h07

A discriminação no trabalho é uma prática antiga que assume novas roupagens dependendo da época. Nem sempre é reconhecida pela vítima que, quando a percebe, tem dificuldades de provar ter sofrido a discriminação. Essas são algumas das conclusões do seminário Formas de Discriminação no Mundo do Trabalho, promovido pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) e pela Associação dos Magistrados do Trabalho da 1ª Região (Amatra 1), no Rio de Janeiro.

A intenção do evento, segundo a presidente da Amatra 1, juíza Nélie Perbeils, foi abordar o assunto não apenas pelo aspecto jurídico, mas pelo sociológico. A diversidade da abordagem foi constatada pelos palestrantes convidados. O professor Cláudio Pereira de Souza Neto, da Universidade Federal Fluminense (UFF), fez uma ligação entre as relações de trabalho e a Constituição Federal.

A reserva de vagas assegurada pela carta constitucional às pessoas com deficiência foi tema da palestra da subprocuradora-geral do Trabalho, Maria Aparecida Gurgel. O tema também foi discutido por Hélcio Rizzi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos.

O seminário contou, ainda, com a diretora da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, Laís Abramo, que fez um balanço global sobre discriminação no trabalho. O desembargador Alexandre Teixeira de Freitas, do Tribunal Regional do Trabalho da 1a Região, e o professor de Antropologia do Direito da UFF, Ronaldo Lobão, fecharam o seminário discutindo o assédio moral.

Restrição adequada

Segundo o professor da UFF, Cláudio de Souza Neto, as restrições para exercer certas profissões só são válidas se a limitação for coerente com a atividade profissional. O professor cita como exemplo um edital de concurso público para preencher vagas em um presídio feminino. No caso, o requisito que exclui os homens da seleção é pertinente, pois visa resguardar as prisioneiras.

Outro exemplo é um hotel que recebe muitos estrangeiros e exige que uma funcionária se vista de baiana. Entretanto, a funcionária, evangélica, não aceita e entra com pedido de indenização devido à exigência. Para o professor, não há nada de discriminatório na atitude do hotel.

A situação muda quando um professor de matemática deixa de ser contratado em uma escola católica por ser ateu ou já ter defendido em um congresso o aborto ou pesquisa com célula-tronco. Nesse caso, haveria uma discriminação de caráter ideológico. De acordo com Cláudio de Souza Neto, é importante que a Justiça consiga distinguir as peculiaridades de cada caso.

Imagem a zelar

O presidente da Anamatra, juiz Cláudio Montesso, afirmou à Consultor Jurídico que nem todos os casos de discriminação chegam à Justiça. Por exemplo, pessoas que estão acima do peso e que podem não ser contratadas em função disso. “A discriminação no trabalho pode se dar em momento anterior ao da contratação”, afirmou.

Além disso, grandes empresas se preocupam com a repercussão na imprensa de um caso de discriminação no trabalho prejudicar suas imagens. Elas evitam um confronto na Justiça e preferem se ajustar por meio de um acordo com o Ministério Público do Trabalho.

Ao ser questionado sobre como o Judiciário tem atendido às demandas envolvendo discriminação, Montesso afirmou que, em ações individuais, os juízes tendem a ser progressistas. Já nas ações coletivas, há uma tendência mais conservadora, pois a repercussão é maior.

Limite superado

Para a subprocuradora-geral do Trabalho, Maria Aparecida Gurgel, as reservas de vagas para pessoas com deficiência em cargos públicos são necessárias, pois a sociedade brasileira não chegou ao ponto de tratar seus cidadãos de forma igualitária.

Segundo ela, as pessoas com deficiência poderiam ocupar qualquer cargo, desde que estivessem habilitadas para isso. “Nada pode ser restringido para pessoas com deficiência”, afirma. Ela citou o exemplo de uma pessoa que deseje ocupar uma função de vigilância. De acordo com a subprocuradora, a vigilância não é só armada, pode ser visual. O problema estaria na falta de possibilidade de capacitação. Se os cursos fossem adaptados a pessoas com deficiência, estas estariam habilitadas para exercer o cargo.

Para Hélcio Rizzi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, uma política para ampliar o acesso de deficientes em qualquer ambiente beneficia a sociedade como um todo. “Você passa a ver quem não via antes”, constata. Segundo ele, é preciso focar nas potencialidades das pessoas e não nas suas limitações. Além disso, antes de pensar no custo, deve-se pensar no benefício.

Perseguição no trabalho

Às vezes, o assédio moral é mais prejudicial que o abuso de poder. A conclusão é do desembargador Alexandre Teixeira de Freitas. Enquanto o abuso de poder é mais desmascarado e pode gerar uma reação contrária da vítima, o assédio moral se caracteriza por perseguição e humilhação repetitivas por parte do agressor, que torna o ato quase “normal”.

Segundo o desembargador, o assédio moral afronta o direito à dignidade e o estresse a que a vítima é submetida pode prejudicar sua vida. A solução ao assédio moral passa pelos princípios constitucionais, mas esbarra na dificuldade de se provar o dano. De acordo com ele, a necessidade de um laudo médico que comprove uma lesão na vítima de dano moral é controversa e não há jurisprudência firmada a respeito. A intenção deveria ser preservar o trabalhador antes que este fique doente.

Para o professor Ronaldo Lobão, a sociedade tem interesse para que não ocorra o tipo de conduta que caracteriza o dano moral. A intenção é que as condições de trabalho sejam harmônicas, mas o julgamento deve levar em conta as diferenças entre as regiões.

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