O STF e os precatórios

Compensação tributária pode acabar com calote do poder público

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15 de setembro de 2007, 13h37

*Ao assegurar a uma pequena indústria de móveis gaúcha o direito de utilizar precatórios alimentares vencidos para pagar o ICMS devido, o ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal (STF), tomou uma decisão que pode acabar com o sistemático calote que o poder público costuma aplicar aos seus credores. Os precatórios são dívidas dos Estados e municípios que a Justiça manda pagar. Na maioria das vezes, os credores são pessoas pobres ou remediadas, que perderam a única poupança de uma vida quando tiveram seu imóvel desapropriado. Os precatórios alimentares são devidos a servidores e dizem respeito a litígios sobre índices aplicados no reajuste de salários e aposentadorias.

Alegando não dispor de recursos suficientes para cumprir o que os tribunais determinam, prefeitos e governadores procrastinam o cumprimento da ordem judicial, o que abala a confiança da sociedade no Judiciário. Algumas vezes, Estados e municípios têm, de fato, problemas de caixa que impedem o pagamento. Na maioria dos casos, porém, prefeitos e governadores, preocupados em privilegiar no orçamento obras que lhes dêem visibilidade política, recusam-se a arcar com as dívidas contraídas por seus antecessores.

Diante do descumprimento sistemático de suas decisões, muitos tribunais passam então a deferir pedidos de seqüestro da receita tributária de Estados e municípios para o pagamento dos débitos judiciais vencidos, o que não resolve o problema e obriga as autoridades a suspender serviços públicos essenciais. Além disso, como a Constituição permite a intervenção da União nos Estados e municípios que não pagam suas dívidas, muitas ações têm sido protocoladas com esse objetivo, o que deixa o STF numa posição delicada. Se acolher esses pedidos, a corte pode arruinar as finanças estaduais e municipais. Se rejeitá-los, como tem ocorrido, perde credibilidade.

O volume de dívidas judiciais estaduais e municipais é superior a R$ 62 bilhões. Os maiores devedores são o Estado de São Paulo, com um débito de R$ 12,9 bilhões, e a Prefeitura de São Paulo, com um débito de R$ 10,8 bilhões. Estão na fila de credores desses dois entes governamentais mais de 485 mil pessoas, das quais 85% têm direito a valores inferiores a R$ 15 mil.

Algumas propostas foram apresentadas nos últimos anos para evitar o agravamento do problema. Uma proposta de emenda constitucional, feita pelo ministro Nelson Jobim quando integrava o STF, permitiria ao poder público dar prioridade, no pagamento dos precatórios vencidos, aos credores que aceitassem reduzir os valores a que tinham direito. Essa medida daria a governadores e prefeitos imunidade para retardar o pagamento das dívidas judiciais, sem risco de novos processos, de confisco de receita ou de intervenção, desde que seguissem determinados limites de pagamento, diluídos ao longo de décadas.

Outra medida foi instituída pela Emenda Constitucional 30, de 2000, que autorizou uma moratória no pagamento das dívidas. O texto parcelou os precatórios não alimentares em dez anos e sujeitou Estados e municípios ao seqüestro de renda e compensação tributária, caso não quitassem as parcelas. Como o texto foi omisso com relação aos precatórios alimentares, Estados e municípios mantiveram em dia o pagamento dos precatórios não alimentares, deixando de fazer o depósito dos precatórios alimentares.

É neste aspecto que incide a decisão tomada pelo ministro Eros Grau. Ela abre caminho para que os devedores do poder público possam usar precatórios alimentares vencidos para reduzir ou compensar suas dívidas com Estados e municípios. Se quiserem, os credores podem vender seus precatórios alimentares a empresas e estas, por sua vez, podem usá-los para abater suas dívidas com o Fisco.

A decisão fecha uma brecha que permitia a prefeitos e governadores desprezar os direitos dos credores mais pobres e remediados. Vamos esperar que o plenário do STF referende a decisão do ministro Eros Grau que “abole” o direito que Estados e municípios se arvoravam de impor calote a milhares de cidadãos.

*Editorial de O Estado de S. Paulo, publicado na edição de sábado (15/9)..

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