Direito fundamental

Rincón pode aguardar extradição em liberdade, decide Supremo

Autor

13 de setembro de 2007, 16h12

A necessidade de prisão preventiva para extradição começa a ser revista pelo Supremo Tribunal Federal. Os ministros decidiram que o ex-jogador de futebol colombiano, Freddy Eusébio Rincón Valencia, pode aguardar em liberdade a extradição requisitada pelo governo do Panamá. Rincón é acusado de crimes contra a economia nacional, lavagem de dinheiro e associação ao tráfico de drogas.

A liberdade foi concedida amparada em três condições que devem ser cumpridas pelo jogador. Ele não pode deixar a cidade onde mora, São Paulo, sem autorização judicial; deve deixar seu passaporte em poder do Supremo e está obrigado a comparecer perante à Justiça sempre que requisitado.

O pedido de Habeas Corpus, concedido por cinco votos a três, pretendia reverter a prisão preventiva decretada pelo ministro Ricardo Lewandowski, em maio deste ano. O advogado de Rincón alega que a prisão seria ilegal. Motivo: não há mandado de prisão contra seu cliente no Panamá, além de outras possíveis irregularidades no processo de extradição.

O relator do Habeas Corpus, ministro Gilmar Mendes, concedeu o pedido entendendo que a liberdade do extraditando não atrapalharia as investigações no Panamá. O ministro já vinha defendendo a necessidade da Corte rever seu posicionamento sobre a prisão preventiva para fins de extradição. “Liberdade provisória é direito fundamental”, afirmou o ministro. Ele afirmou que por se tratar de uma pessoa pública e conhecida, comparecerá às solicitações judiciais. Segundo o ministro, não há compatibilidade da custódia com o princípio da proporcionalidade.

Os ministros Cezar Peluso, Carlos Ayres Britto, Joaquim Barbosa e Celso de Mello acompanharam o voto do relator. O decano da Corte, ministro Celso de Mello, lembrou que em vários casos o Supremo vem reconhecendo a liberdade provisória a extraditando. De acordo com o ministro, dois valores estão em jogo: de um lado a pretensão de liberdade do jogador e, de outro, o dever do Brasil de cooperação internacional no combate a criminalidade política. “Isso não exime o STF de zelar pelos direitos fundamentais do extraditando”, afirma.

Os ministros que concederam a ordem manifestaram preocupação com o prolongamento excessivo de prisão preventiva devido ao sempre demorado processo de extradição.

HC 91.657

Veja o voto do ministro Gilmar Mendes

13/09/2007 TRIBUNAL PLENO

HABEAS CORPUS 91.657-1 SÃO PAULO

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

PACIENTE(S): FREDDY EUSÉBIO RINCON VALENCIA

IMPETRANTE(S): EDUARDO NUNES DE SOUZA

COATOR(A/S)(ES): RELATOR DA PPE Nº 588 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – (Relator): Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado por EDUARDO NUNES DE SOUZA, em favor de FREDDY EUSÉBIO RINCON VALENCIA. Nestes autos, a defesa aponta como autoridade coatora o Ministro Ricardo Lewandowski, Relator da Prisão Preventiva para Extradição no 588/PANAMÁ (Ext. no 1091/Panamá).

Os presentes autos foram a mim distribuídos em 13 de junho de 2007 (fl. 26).

Em 28 de junho de 2007 (fl. 27), proferi o seguinte despacho:

“Solicitem-se informações à autoridade apontada como coatora, o Relator da PPE nº 588/PANAMÁ, Min. Ricardo Lewandowski, acerca da atual fase de tramitação do feito.

Após, apreciarei o pedido de medida liminar” – (fl. 27).

Na Petição no 107.705, de 9 de julho de 2007, o Ministro Ricardo Lewandowski prestou as seguintes informações:

“ Em 4 de maio de 2005, o Excelentíssimo Ministro da Justiça, por meio do Aviso 854/MJ encaminhou pedido de prisão preventiva, para fins de extradição, formulado pelo Governo do Panamá contra o nacional colombiano FREDDY EUSÉBIO RINCÓN VALENCIA.

Ao apreciar o pedido, em 7 de maio de 2007, consignei que:

(…)

`Assim, mediante Providência de 17 de maio de 2006, dispôs a Detenção Preventiva de FREDDY RINCON, entre Outros, por presunto infrator das disposições contidas no Capítulo VI, nomeada BRANQUEO DE CAPITAIS, do Título XII, nomeado DELITOS CONTRA A ECONOMIA NACIONAL, do Livro Segundo do Código Penal e do art. 1 do Texto Único de Drogas de 29 de agosto de 1994, que contém a Lei 23 de 30 de dezembro de 1986, reformada pela Lei 13 de 27 de julho de 1994, que sanciona o delito de ASSOCIAÇÃO ILÍCITA PARA DELINQUIR EM MATÉRIA DE DROGAS.´

Em face do exposto, decretei a prisão preventiva para fins de extradição do nacional colombiano FREDDY EUSÉBIO RINCÓN VALENCIA.

A decisão foi comunicada aos Senhores Coordenadores-Gerais da Política Criminal Internacional (INTERPOL) e da Polícia de Imigração por meio de telegrama eletrônico (fl. 34 e 37, respectivamente).

Também o Excelentíssimo Ministro da Justiça foi cientificado do quanto decidido, a quem solicitei informasse a esta Corte, para efeito do prazo aludido no art. 82 da Lei 6.815/80, sobre a data em que a Missão Diplomática do Estado requerente tomar ciência, formalmente, da efetivação da custódia (fl.40).


Em 10 de maio de 2007, tanto a Polícia Federal como a INTERPOL comunicaram a prisão, declinando como local da custódia a Superintendência Regional de Polícia Federal de São Paulo (…)

A defesa de FREDDY EUSÉBIO RINCÓN VALENCIA requereu, em 17 de maio de 2007, a revogação da prisão preventiva.

(…)

`Isso posto, indefiro o pedido de revogação da prisão preventiva.´

Em 21 de maio de 2007, o Ministério da Justiça informou que a prisão foi comunicada ao Ministério das Relações Exteriores, a fim de que o país requerente formalizasse o pedido de extradição, no prazo legal. (…)

O Consulado Geral da Colômbia, por meio do No C.298, apresentou argumentos que entendia abonadores da conduta de FREDDY EUSÉBIO RINCÓN VALENCIA.

(…)

O Excelentíssimo Ministro da Justiça, por meio do Aviso 1129/MJ, encaminhou “com base na promessa de reciprocidade de tratamento para casos análogos, a teor do art. 76 da Lei no 6.815, de 19 de agosto de 1980, alterada pela Lei no 6.964, de 9 de dezembro de 1982, os anexos documentos justificativos e formalizadores do pedido de extradição do nacional colombiano FREDDY EUSÉBIO RINCÓN VALENCIA, formulado pelo Governo do Panamá” (fl. 02 da Extradição 1091, a que foi apensada o Pedido de Prisão Preventiva para fins de extradição 588).

Em face da robustez de documentos ofertados e em consonância com a previsão legal, expedi Carta de Ordem, em 29 de junho de 2007(fl.198), para um dos juízes da Seção Judiciária de São Paulo, após livre distribuição, para interrogatório e recebimento de defesa do extraditando (arts.85 da Lei 6.815/80 e 211 do RISTF).

(…).” (fl.32-37)

Em 11 de julho de 2007, a Ministra Presidente, Ellen Gracie, indeferiu a medida liminar pleiteada (fls. 39-41 – DJ 2.8.2007).

Neste habeas corpus, as alegações da defesa são as seguintes:

a) ilegalidade da prisão preventiva do paciente em face da instrução insuficiente do pedido de extradição;

b) nulidade da decisão que decretou a prisão do paciente por falta de manifestação prévia da Procuradoria-Geral da República; e

c) desnecessidade da prisão preventiva, considerando que a liberdade do paciente não ensejaria perigo para a instrução criminal desenvolvida pelo Governo do Panamá.

Com relação à alegação de ilegalidade da prisão preventiva do paciente em face da instrução insuficiente do pedido de extradição (item “a” acima), a defesa considerou:

“[…] Ao se verificar atentamente os documentos que foram acostados ao pleito do Governo do Panamá, e encontram-se acostados às fls. 04/15 dos autos originais (ora reproduzido em sua íntegra nas cópias que acompanham o presente), com tradução às fls. 16/28, também daqueles autos, verifica-se que em nenhum momento, foram trazidos ao pedido, documentos – sequer cópias simples, autenticadas ou mesmo certidões – que comprovassem a existência ou de sentença condenatória, ou de auto de prisão em flagrante delito, ou de tentativa de fuga do ora paciente, e nem mesmo a existência de um mandado de prisão cautelar (preventiva, temporária, etc.) contra o mesmo” – (fl. 5).

Com relação à alegação de nulidade da decisão que decretou a prisão do paciente por falta de manifestação prévia da Procuradoria-Geral da República (item “b” acima), a impetração asseverou:

“[…] Não bastasse a falta de documento obrigatório e apto a comprovar a existência da alegada ordem de prisão preventiva em desfavor do ora paciente, conforme mencionado no item acima, é de se ressaltar também, I. Ministros, que, diferentemente do que entendeu a D. Autoridade Coatora em seu r. despacho que indeferiu a revogação da prisão preventiva para extradição, o feito que originou a interposição do presente ‘mandamus’, s.m.j., não tramitou de forma correta e como determina nossa legislação e principalmente a nossa Constituição Federal, uma vez que mesmo antes da decretação inicial da prisão preventiva do ora paciente, não fora aberta vista dos autos ao D. Procurador-Geral da República, que deve sempre atuar em todos os processos de competência dessa C. Corte (artigo 103, § 1º, da Constituição Federal), e especificamente também nos casos de pedido de extradição (artigo 212, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal), seja como parte, ou no caso em análise, como ‘custus legis’.

[…]

E como também não foram observados pela D. Autoridade Coatora tais dispositivos legais – principalmente o Constitucional -, que determinam a participação do Representante-Maior do Ministério Público Federal como fiscal da lei a ser aplicada, em todos os atos de competência dessa Corte, claro é que a r. decisão que determinou a prisão preventiva do ora paciente para fins de extradição e que indeferiu sua revogação, não pode produzir seus efeitos, visto que eivada de nulidade insanável, devendo, dessa forma, imediatamente ser expedido o competente alvará de soltura a favor do ora paciente.


Assim, claro fica que sua prisão preventiva para fins de extradição jamais poderia ter sido decretada e até mesmo cumprida, tratando-se de prisão cautelar totalmente nula, e que por tal motivo, deve ser liminarmente revogada por meio do presente writ, colocando-se o ora paciente em liberdade” – (fls. 9/10).

Com relação à alegação de desnecessidade da prisão preventiva, considerando que a liberdade do paciente não ensejaria perigo para a instrução criminal desenvolvida pelo Governo do Panamá (item “c” acima), a defesa do paciente afirmou:

“[…] o ora paciente foi detido pelos agentes policiais federais da Interpol em São Paulo, por volta das 6:30 horas da manhã, em sua residência, e no endereço que o mesmo sempre forneceu às autoridades policiais e judiciárias no Brasil, onde fora anteriormente cumprido o r. mandado de busca e apreensão e onde na ocasião estava dormindo, não tendo oferecido qualquer tipo de resistência, tendo, ainda, mesmo sem pedido da D. Autoridade Policial Federal da Interpol, espontaneamente, colocado seu passaporte à disposição daquela autoridade – que acabou por lavrar o respectivo auto de exibição/arrecadação e apreensão – demonstrando, assim, mais uma vez sua intenção de não fugir ou de se ausentar do Brasil, para responder aos chamados das autoridades nacionais ou estrangeiras.

Logo, pelos fatos acima narrados, e acontecidos nesse último ano, claro fica que o ora paciente nunca apresentou nenhum tipo de perigo para a instrução criminal desenvolvida pelo Governo do Panamá, de forma que não haveria motivo para que fosse decretada sua prisão preventiva para fins de extradição, como in casu acabou por ocorrer” – (fl. 12).

Por fim, a defesa pleiteou:

“[…] diante da coação ilegal a que está sendo sujeito o ora Paciente, outro não pode ser o entendimento de Vs. Exas., senão o de, após a concessão da liminar pleiteada, ao final, conceder definitivamente a ordem de habeas corpus a favor do mesmo, a fim de que seja revogada integralmente a indevida prisão preventiva para extradição imposta ao ora paciente, colocando-se o mesmo em liberdade e dessa forma fazendo com que ele possa, se o caso, responder ao processo em liberdade, bem como não tenha seu direito de defesa cerceado, até sua decisão final, tendo em vista as ilegalidades que foram cometidas contra o ora Paciente pelas Autoridades Panamenhas e s.m.j., equivocadamente, corroboradas pela D. Autoridade Coatora, fazendo com que ele retorne ao seu ‘status libertatis’ anterior e que lhe é constitucionalmente assegurado e consagrado ” – (fl. 12).

O parecer do Ministério Público Federal (fls. 43-45), da lavra da Subprocuradora-Geral da República, Dra Cláudia Sampaio Marques, é pela denegação da ordem.

É o relatório.

HABEAS CORPUS 91.657-1 SÃO PAULO

V O T O

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – (Relator):

O argumento principal do presente habeas corpus é o constrangimento ilegal pelo qual estaria passando o paciente, em virtude da decretação de sua prisão preventiva para fins de extradição.

A defesa alega ilegalidade da prisão preventiva do paciente pelo fato de o pedido extradicional não estar suficientemente instruído. Requer seja declarada a nulidade da decisão que decretou a referida prisão do paciente, por não ter havido manifestação prévia por parte da Procuradoria-Geral da República. Aduz, ainda, a desnecessidade da prisão preventiva, considerando que a liberdade do paciente não ensejaria perigo para a instrução criminal promovida pelo Governo do Panamá.

O Governo do Panamá, nos autos da Extradição no 1091, requereu a extradição instrutória do ora paciente, que foi acusado, pela “Fiscalía Primera Especializada en Delitos Relacionados com Drogas”, Ministério Público do Panamá, pela suposta prática de crime contra a economia nacional e outros (lavagem de dinheiro e associação ilícita para delinqüir em matéria de drogas).

Verifico, ainda, que o Governo do Panamá também encaminhou pedido de Cooperação Internacional do Ministério Público do Panamá para que o ora paciente fosse interrogado no Brasil, por estar sendo investigado, naquele País, por suposta prática de lavagem de dinheiro e associação para o tráfico internacional de entorpecentes. Referido pedido foi feito com amparo no art. 18 da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo – Decreto 5.015/2004), pelo artigo 35 da Convenção Única sobre Entorpecentes – Nova York (Decreto 54.216/64) e pelo artigo 21 da Convenção de Viena sobre Substâncias Psicotrópicas (Decreto 79.388/77) e refere-se ao mesmo inquérito que foi objeto do pedido de extradição.

A solicitação de cooperação internacional foi distribuída à 2a Vara Criminal Federal do Estado de São Paulo em 24.04.2007. (Apenso, cópia dos autos no 2007.61.81.004267-4, fl. 90-199)


No que se refere ao item “a”, a saber, a suposta ilegalidade da prisão preventiva do paciente em face da instrução insuficiente do pedido de extradição, considero não assistir razão ao ora paciente, por entender, a partir das informações prestadas pelo relator da Extradição no 1091/Colômbia, o Ministro Ricardo Lewandowski, apontado como coator nestes autos de habeas corpus, que a instrução da extradição está sendo processada regularmente, de acordo com os ditames da Lei no 6.815/80.

Sobre a questão, assim se manifestou a Subprocuradoria-Geral da República, em parecer de lavra da Dra. Cláudia Sampaio Marques:

“ (…) 7. Segundo a jurisprudência pacífica desse Tribunal e consoante os termos do art. 84, da Lei nº 6.815/80, a prisão preventiva é pressuposto indispensável para o regular processamento do pedido de extradição, verbis:

“HABEAS CORPUS. PRISÃO PRE¬VENTIVA PARA EXTRADIÇÃO. CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE DO PLEITO EXTRADICIONAL. IM¬PROCEDÊNCIA DA ALEGAÇÃO DE QUE A ORDEM DE PRISÃO TERIA SIDO CASSADA PELO PAÍS RE QUERENTE. VÍCIOS DE FORMA NO MANDADO DE PRISÃO. IN SUBSISTÊNCIA, ANTE A FORMA¬LIZAÇÃO DO PLEITO EXTRADICIONAL. 1. A prisão pre¬ventiva para extradição constitui re¬quisito de procedibilidade do processo extradicional, que só terá seu cur¬so regular se o extraditando estiver preso à disposição do Supremo Tri¬bunal Federal. (…)” (HC 90070, Rel.: Min. Eros Grau, DJ 30/03/2007)

(grifados)

8. Outrossim, quanto ao argumento de que não teriam sido trazidos aos autos documentos que comprovassem a existência ou de sentença condenatória ou de auto de prisão em flagrante ou de tentativa de fuga do paciente ou de mandado de prisão cautelar, conforme exige os arts. 80 e 82 da Lei nº 6.815/80, não assiste razão ao impetrante.

9. É reiterado o entendimento dessa Corte que o ordenamento jurídico brasileiro, no que concerne aos processos de extradição, não exige que a ordem de prisão tenha sido emanada, necessariamente, de autoridade estrangeira integrante do Poder Judiciário, bastando que se cuide de autoridade investida, nos termos da legislação do próprio Estado requerente, de atribuição para decretar a prisão (EXT 744, Rel. Min. Celso de Mello. DJ 18.2.2000; EXT 746, Rel. Min. Maurício Corrêa. DJ 6.8.1999; EXT 633, Rel. Min. Celso de Mello. DJ 6.4.2001).

10. Ademais, o pedido de prisão preventiva para extradição foi encaminhado pelo meio diplomático, o que confere autenticidade e veracidade à toda documentação sob análise (art. 80, § 1º do Estatuto do Estrangeiro), constando, dentre os documentos, a solicitação de detenção feita pelo Ministério Público panamenho à sua representação diplomática no Brasil (fls. 16/28 do Apenso).

11. Pertinente esclarecer que não é suscetível de análise nesta via estreita do Habeas Corpus a existência ou não de legislação que outorgue competência ao Ministério Público panamenho para requerer a prisão preventiva, matéria esta que vem a se confundir com o próprio mérito da extradição. (Ext. 837, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 30.4.2004).” (fl.44-45)

O item “b” refere-se à alegada nulidade da decisão que decretou a prisão preventiva do paciente, por falta de prévia manifestação da Procuradoria-Geral da República. Aqui também não vislumbro quaisquer irregularidades, como também afirmou o Ministro Lewandowski quando, em despacho de 22 de maio de 2007 indeferiu o pedido de revogação da prisão preventiva:

“ (…) Melhor sorte não lhe assiste quanto ao argumento de que a ausência de manifestação da Procuradoria-Geral representa nulidade. É que o mencionado artigo do RISTF se refere ao prazo que é aberto à PGR, após o interrogatório do extraditando e ajuntada de sua defesa. Como se vê, trata-se de providência totalmente estranha ao procedimento de prisão preventiva.” (fl.35)

Sobre o tema, opinou o parquet:

“ (…) 12. Por fim, ao contrário do que afirma o impetrante, não há a exigência da manifestação prévia do Procurador-Geral da República para a expedição do mandado de prisão, isto porque, além de tratar-se de medida de caráter urgente, como dispõe a própria Lei nº 6.815/80, é consabido que, antes do cumprimento do mandado de prisão preventiva, sequer há que se falar em processo de extradição, sendo aquela prisão premissa da extradição (HC 82.261-QO, Rel. Min. Nelson Jobim. DJ 27.2.2004; EXT 579-QO, Rel. Min. Celso de Mello. DJ 10.9.1993), segundo estabelece o art. 208 do RISTF (Art. 208. Não terá andamento o pedido de extradição sem que o extraditando seja preso e colocado à disposição do Tribunal).” (fl.45)

No que concerne ao item “c”, entretanto, na parte em que a defesa do paciente alega a desnecessidade da prisão preventiva, sob o fundamento de que a liberdade do paciente não ensejaria perigo para a instrução criminal em curso pelo Governo do Panamá e para o processo de extradição, gostaria de tecer alguns comentários.


Há algum tempo venho expressando meu desejo, nesse Plenário, de que o tema da prisão preventiva para fins de extradição seja revisitado.

Vimos discutindo, por exemplo, a questão da demora no processo de extradição, por razões diversas (deficiência da instrução, realização de diligências) e a dificuldade de lidar – no atual Estado Democrático de Direito em que vivemos e a necessidade de que sejam respeitados os princípios fundamentais emanados da Carta de 1988 -, com o disposto no § único do art. 84 da Lei no 6.815/80 (“A prisão perdurará até o julgamento final do Supremo Tribunal Federal, não sendo admitidas a liberdade vigiada, a prisão domiciliar, nem a prisão-albergue.”) e a reiterada jurisprudência desta Casa, no sentido de que a prisão “deve perdurar até o julgamento final da causa, sendo sua razão a garantia da entrega do extraditando ao Estado requerente (Ext. 845, Rel. Min. Celso de Mello, em decisão monocrática, DJ 5/4/2006; Ext. 987, Rel. Min. Carlos Britto, em decisão monocrática, DJ 31/8/2005; HC 85.381/SC, Rel. Min. Carlos Britto, DJ 5/5/2006; HC 81.709/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 31/5/2002, dentre outras).” (fl.34-35)

Em assentada no Plenário desta Corte sugeri que fizéssemos uma reflexão de lege ferenda, por entender injustificável o alargamento indefinido da custódia do extraditando (aparte no julgamento do HC no 83.326, Red. para o acórdão Min. Sepúlveda Pertence, DJ 1.10.2004).

Na ocasião do julgamento do HC no 83.326 discutíamos justamente a realização de diligências e a conseqüente prorrogação da custódia do extraditando. O fato de a jurisprudência desta Casa considerar que a prisão preventiva para fins de extradição não guarda relação com a prisão preventiva do Código de Processo Penal e, por conseqüência, haveria a desnecessidade de observância dos requisitos do art. 312 do CPP, acaba por expor o extraditando, por muitas vezes, a situação de clara desigualdade em relação aos nacionais que respondem a processos criminais no Brasil, regidos pelos códigos pátrios.

Sobre essa questão da demora no atendimento das diligências assim manifestou-se o Ministro Sepúlveda Pertence em aparte no julgamento do referido HC no 83.326:

“ (…)Esta forma de comunicação no processo de extradição é absolutamente medieval. Numa diligência desta é remetido um ofício ao Ministério da Justiça; do Ministério da Justiça ao Ministério das Relações Exteriores; o Ministério das Relações Exteriores, então, notifica a embaixada. Neste período, podem-se gastar 40 dias.” (HC no 83.326, Red. para o acórdão Min. Sepúlveda Pertence, DJ 1.10.2004).

Ao indeferir o pedido de revogação da prisão preventiva do ora paciente, o Ministro Lewandowski o fez a partir da jurisprudência reiterada desta Corte:

“ (…)Bem examinados os argumentos, entendo que o decreto de prisão preventiva deve ser mantido. Os arts. 78 e 80 do Estatuto dos Estrangeiros estabelecem as condições para a concessão da extradição, ao passo que o art. 82 do mesmo diploma legal versa sobre a prisão preventiva, não sendo razoável concluir que, para a medida cautelar, devam ser observados os requisitos da extradição propriamente dita.

(…)

Esta Corte, ademais, fixou entendimento de que a prisão preventiva para fins de extradição constitui requisito de procedibilidade do processo extradicional (HC 90.070/GO, Rel. Min. Eros Grau, DJ 30/3/2007; Ext. 1059, Rel. Min. Carlos Britto, DJ 9/4/2007), não se fundamentando nos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal (Ext. 820, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ 3/5/2002; HC 82.920/BA, Rel. Carlos Velloso, DJ 18/6/2003, dentre outros).

A custódia cautelar para fins extradicionais, como se sabe, deve perdurar até o julgamento final da causa, sendo sua razão a garantia da entrega do extraditando ao Estado requerente (Ext. 845, Rel. Min. Celso de Mello, em decisão monocrática, DJ 5/4/2006; Ext. 987, Rel. Min. Carlos Britto, em decisão monocrática, DJ 31/8/2005; HC 85.381/SC, Rel. Min. Carlos Britto, DJ 5/5/2006; HC 81.709/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 31/5/2002, dentre outras).” (fl.34-35) [g.n]

Diante o significado ímpar atribuído pela Constituição Federal de 1988 aos direitos individuais penso que se impõe a revisão deste entendimento.

Já a colocação do catálogo dos direitos fundamentais no início do texto constitucional denota a intenção do constituinte de emprestar-lhes significado especial. A amplitude conferida ao texto, que se desdobra em setenta e oito incisos e quatro parágrafos (CF, art. 5o), reforça a impressão sobre a posição de destaque que o constituinte quis outorgar a esses direitos. A idéia de que os direitos individuais devem ter eficácia imediata ressalta, portanto, a vinculação direta dos órgãos estatais a esses direitos e o seu dever de guardar-lhes estrita observância.


O constituinte reconheceu ainda que os direitos fundamentais são elementos integrantes da identidade e da continuidade da Constituição, considerando, por isso, ilegítima qualquer reforma constitucional tendente a suprimi-los (art. 60, § 4º). A complexidade do sistema de direitos fundamentais recomenda, por conseguinte, que se envidem esforços no sentido de precisar os elementos essenciais dessa categoria de direitos, em especial no que concerne à identificação dos âmbitos de proteção e à imposição de restrições ou limitações legais.

E no que se refere aos direitos de caráter penal, processual e processual-penal, talvez não haja qualquer exagero na constatação de que esses direitos cumprem um papel fundamental na concretização do moderno Estado democrático de direito.

Como observa Martin Kriele, o Estado territorial moderno arrosta um dilema quase insolúvel: de um lado, há de ser mais poderoso que todas as demais forças sociais do país – por exemplo, empresas e sindicatos –, por outro, deve outorgar proteção segura ao mais fraco: à oposição, aos artistas, aos intelectuais, às minorias étnicas (Cf. KRIELE, Martín. Introducción a la Teoría del Estado – Fundamentos Históricos de la Legitimidad del Estado Constitucional Democrático. Trad. de Eugênio Bulygin. Buenos Aires: Depalma, 1980, p. 149-150).

O estado absolutista e os modelos construídos segundo esse sistema (ditaduras militares, estados fascistas, os sistemas do chamado “centralismo democrático”) não se mostram aptos a resolver essa questão.

Segundo ressalta Kriele:

“(…) A Inglaterra garantiu os direitos humanos sem necessidade de uma constituição escrita. Por outro lado, um catálogo constitucional de direitos fundamentais é perfeitamente compatível com o absolutismo, com a ditadura e com o totalitarismo. Assim, por exemplo, o art. 127 da Constituição soviética de 1936 garante a `inviolabilidade da pessoa´. Isso não impediu que o terror stalinista tivesse alcançado em 1937 seu ponto culminante. A constituição não pode impedir o terror, quando está subordinada ao princípio de soberania, em vez de garantir as condições institucionais da rule of law. O mencionado artigo da Constituição da União Soviética diz, mas adiante, que `a detenção requer o consentimento do fiscal do Estado´. Esta fórmula não é uma cláusula de defesa, mas tão-somente uma autorização ao fiscal do Estado para proceder à detenção. Os fiscais foram nomeados conforme o critério político e realizaram ajustes ao princípio da oportunidade política, e, para maior legitimidade, estavam obrigados a respeitar as instruções. Todos os aspectos do princípio de habeas corpus ficaram de lado, tais como as condições legais estritas para a procedência da detenção, a competência decisória de juízes legais independentes, o direito ao interrogatório por parte do juiz dentro de prazo razoável, etc. Nestas condições, a proclamação da `inviolabilidade da pessoa´ não tinha nenhuma importância prática. Os direitos humanos aparentes não constituem uma defesa contra o Arquipélago Gulag; ao contrário, servem para uma legitimação velada do princípio da soberania: o Estado tem o total poder de disposição sobre os homens, mas isto em nome dos direitos humanos. (Kriele, Martín. Introducción a la Teoría del Estado. cit., p. 160-161)

A solução do dilema – diz Kriele – consiste no fato de que o Estado incorpora, em certo sentido, a defesa dos direitos humanos em seu próprio poder, ao definir-se o poder do Estado como o poder defensor dos direitos humanos. Todavia, adverte Kriele, “sem divisão de poderes e em especial sem independência judicial isto não passará de uma declaração de intenções”. É que, explicita Kriele, “os direitos humanos somente podem ser realizados quando limitam o poder do Estado, quando o poder estatal está baseado na entrada em uma ordem jurídica que inclui a defesa dos direitos humanos”. (KRIELE, Martín. Introducción a la Teoría del Estado, cit. p.150)

Nessa linha ainda expressiva a conclusão de Kriele:

“Os direitos humanos estabelecem condições e limites àqueles que têm competência de criar e modificar o direito e negam o poder de violar o direito. Certamente, todos os direitos não podem fazer nada contra um poder fático, a potestas desnuda, como tampouco nada pode fazer a moral face ao cinismo. Os direitos somente têm efeito frente a outros direitos, os direitos humanos somente em face a um poder jurídico, isto é, em face a competências cuja origem jurídica e cujo status jurídico seja respeitado pelo titular da competência.

Esta é a razão profunda por que os direitos humanos somente podem funcionar em um Estado constitucional. Para a eficácia dos direitos humanos a independência judicial é mais importante do que o catálogo de direitos fundamentais contidos na Constituição (g.n)”. KRIELE, Martín. Introducción a la Teoría del Estado/I>, cit. p. 159-160.

Tem-se, assim, em rápidas linhas, o significado que os direitos fundamentais e, especialmente os direitos fundamentais de caráter processual, assumem para a ordem constitucional como um todo.

Acentue-se que é a boa aplicação dos direitos fundamentais de caráter processual – aqui merece destaque a proteção judicial efetiva – que permite distinguir o Estado de Direito de outros modelos.

Não se pode perder de vista que a boa aplicação dessas garantias configura elemento essencial de realização do princípio da dignidade humana na ordem jurídica. Como amplamente reconhecido, o princípio da dignidade da pessoa humana impede que o homem seja convertido em objeto dos processos estatais. (Cf. MAUNZ-DÜRIG. Grundgesetz Kommentar. Band I. München: Verlag C. H. Beck , 1990, 1I 18)

Na mesma linha, entende Norberto Bobbio que a proteção dos cidadãos no âmbito dos processos estatais é justamente o que diferencia um regime democrático daquele de índole totalitária:

“A diferença fundamental entre as duas formas antitéticas de regime político, entre a democracia e a ditadura, está no fato de que somente num regime democrático as relações de mera força que subsistem, e não podem deixar de subsistir onde não existe Estado ou existe um Estado despótico fundado sobre o direito do mais forte, são transformadas em relações de direito, ou seja, em relações reguladas por normas gerais, certas e constantes, e, o que mais conta, preestabelecidas, de tal forma que não podem valer nunca retroativamente. A conseqüência principal dessa transformação é que nas relações entre cidadãos e Estado, ou entre cidadãos entre si, o direito de guerra fundado sobre a autotutela e sobre a máxima ‘Tem razão quem vence’ é substituído pelo direito de paz fundado sobre a heterotutela e sobre a máxima ‘Vence quem tem razão’; e o direito público externo, que se rege pela supremacia da força, é substituído pelo direito público interno, inspirado no princípio da ‘supremacia da lei’ (rule of law).” (BOBBIO, Norberto. As Ideologias e o Poder em Crise, p.p. 97-98)

Em verdade, tal como ensina o notável mestre italiano, a aplicação escorreita ou não dessas garantias é que permite avaliar a real observância dos elementos materiais do Estado de Direito e distinguir civilização de barbárie.

Nesse sentido, forte nas lições de Claus Roxin, também compreendo que a diferença entre um Estado totalitário e um Estado (Democrático) de Direito reside na forma de regulação da ordem jurídica interna e na ênfase dada à eficácia do instrumento processual penal da prisão preventiva. Registrem-se as palavras do professor Roxin:

“Entre as medidas que asseguram o procedimento penal, a prisão preventiva é a ingerência mais grave na liberdade individual; por outra parte, ela é indispensável em alguns casos para uma administração da justiça penal eficiente. A ordem interna de um Estado se revela no modo em que está regulada essa situação de conflito; os Estados totalitários, sob a antítese errônea Estado-cidadão, exagerarão facilmente a importância do interesse estatal na realização, o mais eficaz possível, do procedimento penal. Num Estado de Direito, por outro lado, a regulação dessa situação de conflito não é determinada através da antítese Estado-cidadão; o Estado mesmo está obrigado por ambos os fins: assegurar a ordem por meio da persecução penal e proteção da esfera de liberdade do cidadão.Com isso, o princípio constitucional da proporcionalidade exige restringir a medida e os limites da prisão preventiva ao estritamente necessário.” (ROXIN, Claus. Derecho Procesal Penal. Buenos Aires: Editores del Puerto; 2000, p. 258)

Nessa linha, sustenta Roxin que o direito processual penal é o sismógrafo da Constituição, uma vez que nele reside a atualidade política da Carta Fundamental. (Cf.ROXIN, Claus. Derecho Procesal Penal, cit., p.10)

A idéia do Estado de Direito imputa, portanto, ao Poder Judiciário, o papel de garante dos direitos fundamentais. Por conseqüência, é necessário ter muita cautela para que esse instrumento excepcional de constrição da liberdade não seja utilizado como pretexto para a massificação de prisões preventivas.

Em nosso Estado de Direito, a prisão é uma medida excepcional e, por essa razão, não pode ser utilizada como meio generalizado de limitação das liberdades dos cidadãos.

E não vejo razão, tanto com base em nossa Carta Magna, quanto nos tratados internacionais com relação ao respeito aos direitos humanos e dignidade da pessoa humana, de que somos signatários, para que não apliquemos tal entendimento no que concerne àquelas prisões preventivas para fins de extradição.

O Pacto de San José da Costa Rica, celebrado com a finalidade de evitar a perpetuação da cultura da impunidade quanto à violação de direitos e garantias fundamentais nos âmbitos nacionais, e ratificado pelo Governo Brasileiro, proclama a liberdade provisória como direito fundamental da pessoa humana, e, como tal, tem caráter de universalidade e transnacionalidade.

Em sessão plenária de 22 de novembro de 2006, o Supremo Tribunal Federal deu um grande passo jurisprudencial quanto à questão da incorporação dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos.

No julgamento do RE no 466.343/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, e do RE n° 349.703, Rel. orig. Min. Ilmar Galvão, sete Ministros (Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Carlos Britto e Marco Aurélio) votaram no sentido de se declarar a inconstitucionalidade da prisão civil do depositário infiel nos casos de alienação fiduciária em garantia. Entendeu-se que, tendo em vista o caráter supralegal dos tratados sobre direitos humanos, desde a adesão do Brasil, no ano de 1992, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica (art. 7º, 7), não há base legal para aplicação da parte final do art. 5º, inciso LXVII, da Constituição, ou seja, para a prisão civil do depositário infiel.

Naquela assentada, ressaltei meu entendimento no sentido de que a prisão civil do depositário infiel não mais se compatibiliza com os valores supremos assegurados pelo Estado Constitucional, que não está mais voltado apenas para si mesmo, mas compartilha com as demais entidades soberanas, em contextos internacionais e supranacionais, o dever de efetiva proteção dos direitos humanos.

Disse, ainda, que era preciso ponderar, no entanto, se, no contexto atual, em que se pode observar a abertura cada vez maior do Estado constitucional a ordens jurídicas supranacionais de proteção de direitos humanos, essa jurisprudência não teria se tornado completamente defasada.

Não se pode perder de vista que hoje vivemos em um “Estado Constitucional Cooperativo”, identificado pelo Professor Peter Häberle como aquele que não mais se apresenta como um Estado Constitucional voltado para si mesmo, mas que se disponibiliza como referência para os outros Estados Constitucionais membros de uma comunidade, e no qual ganha relevo o papel dos direitos humanos e fundamentais (HÄBERLE, Peter. El estado constitucional. Trad. de Hector Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2003, p. 75-77).

Em outros termos, os tratados sobre direitos humanos,embora não possam afrontar a supremacia da Constituição, têm lugar especial reservado no ordenamento jurídico. Equipará-los à legislação ordinária seria subestimar o seu valor especial no contexto do sistema de proteção dos direitos da pessoa humana.

Apesar da especificidade das referidas custódias para fins extradicionais e a evidente necessidade das devidas cautelas em caso de relaxamento das referidas prisões ou de concessão de liberdade provisória, considero desproporcional o tratamento que vem sendo dado ao instituto da prisão preventiva para extradição.

No julgamento da Ext. 1008/Colômbia, flexibilizei o entendimento da obrigatoriedade da prisão preventiva para fins de extradição, ao deferir prisão domiciliar em favor do extraditando, diante a notícia de que a condição de refugiado lhe fora atribuída pelo CONARE.

Na Ext no 791/PORTUGAL, o Rel. Ministro Celso de Mello, em decisão de 18.10.2000 (DJ de 23.10.2000), deferiu-se monocraticamente pedido de prisão domiciliar em favor do extraditando, sob o fundamento da excepcionalidade do caso. Tratava-se de pessoa em grave estado de saúde em situação que demandava tratamento que não poderia ser adequadamente fornecido pelo Poder Executivo, conforme reconhecido nos autos.

No mesmo sentido a Questão de Ordem na Ação Cautelar no 70/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence (DJ de 12.03.2004), quando o Plenário deste Tribunal reconheceu a possibilidade de deferimento de prisão domiciliar a extraditando em circunstâncias nas quais se afigurava densa a probabilidade de homologação da opção pela nacionalidade brasileira.

Em julgamento de Questão de Ordem na Ext. no 1054, da relatoria do Min. Marco Aurélio, em 29 de agosto de 2007, o Plenário desta Corte decidiu, por maioria, relaxar a prisão preventiva decretada contra o extraditando, ao considerar a demora, por parte do país requerente, no atendimento de diligências pleiteadas pelo relator da referida Extradição.

Ademais, no caso, considerou-se o fato de o extraditando estar preventivamente preso há mais de um ano, tempo que estaria exorbitando a razoabilidade da medida prevista na Lei no 6.815/1980, bem como a proporcionalidade da pena, tendo em vista que o extraditando sequer havia sido condenado.

Ressaltou o Ministro Marco Aurélio em seu voto:

“ (…) Esses dados devem ser considerados para sopesar-se a razoabilidade, a proporcionalidade da prisão preventiva, presente a circunstância de o processo não ter desaguado ainda em julgamento em razão da deficiência da apresentação de documentos pelo Governo requerente. Não se pode levar às últimas conseqüências o preceito da Lei no 6.815/80 que dispõe sobre a permanência da prisão até a apreciação final do pedido. Há de merecer interpretação consentânea com o arcabouço normativo constitucional, com a premissa inafastável de, sendo a prisão preventiva exceção, ela deve ter limite temporal, tal como ocorre quando envolvido processo em curso na jurisdição brasileira. O excesso de prazo resultante está a merecer a glosa.” (Ext. no 1054/EUA, Rel. Min. Marco Aurélio, julgada em Sessão Plenária de 29.8.2007).

Portanto, creio que a prisão preventiva para fins de extradição há de ser analisada caso a caso e, ainda, que se lhe seja atribuído limite temporal, compatível com o princípio da proporcionalidade, quando seriam avaliadas a sua necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito.

Na espécie, o pedido de extradição foi formulado com base na Convenção Interamericana sobre Extradição, na Convenção das Nações Unidas contra o tráfico ilícito de substâncias estupefacientes e psicotrópicas e na promessa de reciprocidade, por inexistir Tratado de Extradição entre o Brasil e o Panamá.

Dos documentos acostados aos autos pela defesa, observo que o ora Paciente é pessoa pública, há muito conhecida no Brasil nos meios desportivos e, quando da decretação de sua prisão preventiva, exercia as atividades de técnico de futebol junto ao Esporte Clube São Bento de Sorocaba, onde disputou vários jogos do campeonato paulista.

Aduz a defesa que o ora paciente foi detido por policiais da Interpol em sua residência, “não tendo oferecido qualquer tipo de resistência, tendo, ainda, mesmo sem pedido da D. Autoridade Policial Federal da Interpol, espontaneamente, colocado seu passaporte à disposição daquela autoridade – que acabou por lavrar o respectivo auto de exibição/arrecadação e apreensão – demonstrando, assim, mais uma vez sua intenção de não fugir ou de se ausentar do Brasil, para responder aos chamados das autoridades nacionais ou estrangeiras.” (fl.12)

Em documento de fls.16-17 o Cônsul-Geral da Colômbia, Mauricio Acero Montejo, declara que o ora paciente é pessoa “honrável, reta, cumpridora dos seus deveres tanto legais como profissionais e, com a sua atuação pessoal jamais tem representado um perigo à sociedade, nem pretendeu se evadir da justiça da República Federativa do Brasil nem da República do Panamá. Há mais de 13 anos o Senhor Freddy Rincón reside na cidade de São Paulo, Brasil, onde é uma figura pública, amplamente conhecida nos meios esportivos e sociais. O que me leva a afirmar que Freddy Rincón comparecerá as solicitações judiciais cada vez que assim manifestarem tanto as autoridades brasileiras como panamenhas.”

Leio, ainda, na inicial desta impetração que, dois dias antes da decretação da prisão para fins de extradição, o ora paciente havia sido citado e intimado dos termos do Pedido de Cooperação Internacional promovido pelo Governo do Panamá (processo no 2007.61.81.004267-4, da 2a Vara Criminal Federal da Subseção de São Paulo), e que compareceu espontaneamente àquela Vara, de onde saíra intimado para a audiência de interrogatório.

A prisão preventiva para a extradição do Paciente subsiste há quase quatro meses (o paciente foi preso no dia 10 de maio de 2007) e inexiste contra ele sentença de condenação nos autos do processo instaurado no Panamá.

Ante o exposto, considerando os bons antecedentes do ora paciente e a necessidade de que seja verificada a compatibilidade desta custódia com o princípio da proporcionalidade, a fim de que esta seja limitada ao estritamente necessário, verifico, neste caso, a presença dos requisitos autorizadores da concessão do habeas corpus pleiteado.

Nestes termos, defiro o pedido de habeas corpus para que o ora paciente aguarde solto o julgamento da Extradição no 1091/Panamá.

Determino a expedição de alvará de soltura, que deverá constar as seguintes cautelas: a) o depósito do passaporte do extraditando no Supremo Tribunal Federal; b) a advertência ao extraditando sobre a impossibilidade de, sem autorização do relator da Extradição no STF, deixar a cidade de seu domicílio no Estado de São Paulo; e c) a obrigação de atender a todos os chamados judiciais e comparecer quinzenalmente à 2a Vara Criminal Federal da Subseção de São Paulo,para informar sobre suas atividades.

O extraditando, antes de ser solto pela Superintendência Regional do DPF/SP, deverá assinar termo (a ser lavrado pela mencionada Superintendência e, posteriormente, encaminhado ao Supremo Tribunal Federal), de que tem conhecimento formal das condições estipuladas neste acórdão e cuja transgressão implicará imediata revogação da medida deferida.

Transmitam-se cópias desta decisão ao Ministro de Estado da Justiça, ao Senhor Diretor-Geral do DPF, ao Superintendente Regional do DPF/SP, e à 2a Vara Criminal Federal do Estado de São Paulo, solicitando-lhes a adoção de imediatas providências, junto à Divisão de Polícia Marítima, Aérea e de Fronteiras, em ordem a impedir que o extraditando deixe o território nacional sem autorização desta Suprema Corte.

É como voto.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!