Morosidade mórbida

Como protelar o desfecho de uma ação até a prescrição

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8 de setembro de 2007, 0h00

Faz 12 anos que a viúva de Gilmar Luiz Meneguzzi, morto com um tiro disparado pelo amigo, Gelso Luiz Pilatti, tenta colocar o suposto autor do crime atrás das grades. De 1995 até hoje, o réu ficou cinco meses preso preventivamente, mas ninguém pagou um dia de pena, sequer, pelo crime. Na tentativa de colocar um ponto final nesta história de impunidade, Gelso será levado pela segunda vez a júri popular, na quinta-feira (13/9).

A longa história do julgamento do homem que atirou e matou Gilmar Luiz Meneguzzi conta com um julgamento anulado, uma jurada indiscreta, dois laudos oficiais, apelações de lado a lado e a conclusão inevitável: mesmo quando movido pelas melhores intenções, a tendência do processo na Justiça brasileira é para a protelação e a morosidade. Como neste caso.

Tiro de brincadeira

Gilmar (a vítima) e Gelso (o réu) eram amigos, quase irmãos. Juntos, estudavam abrir uma choperia. No dia em que Gelso morreu, 8 de março de 1995, os dois amigos estiveram juntos de manhã, à tarde e à noite. Às 2 horas, foram até a Churrascaria Pompéia Grill, na zona oeste de São Paulo, onde estava estacionado o carro de Gilmar.

A partir daí, constam dos autos duas versões para o crime. A defesa diz que no estacionamento da churrascaria, Gelso pegou um revólver que estava no banco de trás de seu carro e fez um disparo em direção ao veículo do amigo. A bala acabou atingindo a cabeça de Gilmar.

Gelso, que tinha porte de arma, garante que não atirou com intenção de matar. Pretendia apenas dar um susto no amigo. Uma brincadeira de mau gosto, mas, enfim, uma brincadeira. Gelso conta que depois de atirar, sem se dar conta da tragédia, entrou no próprio carro, deu um sinal de farol e tocou a buzina. Como percebeu que Gilmar não respondia aos sinais, desceu do carro e foi averiguar o que tinha acontecido. Ao perceber que tinha ferido Gilmar, pediu ajuda a dois funcionários da churrascaria e levou o amigo para o pronto-socorro. Gilmar morreu quatro dias depois.

Gelso se apresentou espontaneamente à Polícia e confessou a autoria do disparo. Sua defesa, representada pelo advogado Tales Castelo Branco, alega que houve homicídio culposo, sem intenção de causar a morte.

Já o Ministério Público sustenta a tese de homicídio doloso. Diz que os dois amigos brigaram porque Gilmar planejava dar a sociedade na choperia a outra pessoa e deixar Gelso de fora. Sentindo-se traído, Gelso matou o amigo.

Laudo da discórdia

O primeiro júri, marcado para 10 de novembro de 1997, foi cancelado depois que a viúva de Gilmar distribuiu uma carta em nome de uma associação denominada União de Mulheres de São Paulo, para, segundo a defesa de Gelso, instigar a opinião pública contra o réu.

Remarcado para o dia 27 de novembro do mesmo ano, o júri foi adiado novamente diante do surgimento de um fato novo, na forma de um laudo contratado pela viúva a um perito particular que afirmava que dois tiros haviam sido disparados contra Gilmar, e não um como afirmava o laudo oficial.

Quando a mulher de Gilmar foi buscar o carro do marido no Instituto de Criminalística, encontrou no banco de trás uma jaqueta com um buraco que julgou ter sido feito por um tiro. Ela contratou, então, o perito particular que chegou à conclusão de que haviam sido dados dois tiros. A jaqueta, que seria a prova de sua afirmação, porém, desapareceu logo em seguida, mas o novo laudo foi anexado aos autos.

Intrigados com o resultado do novo laudo, defesa e acusação voltaram a confrontar todas as provas, depoimentos e laudos oficiais com o que dizia o perito particular. O parecer provocou diversas diligências, que retardaram o julgamento, finalmente marcado para 1º de junho de 1999 e em seguida remarcado para 14 de junho de 2000.

No dia 1º de fevereiro de 2000, os autos que estavam no Tribunal do Júri do Fórum de Pinheiros foram remetidos para o 1º Tribunal do Júri da Barra Funda e o júri, que já estava marcado para 14 de junho, foi designado para 31 de julho.

Novas diligências, solicitadas pelo Ministério Público, causaram outro adiantamento e fizeram os autos retornarem à 5ª Vara do Júri de Pinheiros e nova data foi designada para o julgamento: 30 de junho de 2003.

Desde a sentença de pronúncia até o primeiro júri, foram cinco anos e oito meses de procrastinações. Além de dois laudos contraditórios, o processo passou, neste período, pelas mãos de pelo menos três promotores de Justiça.

Em 30 de junho de 2003, o júri foi feito. Gelso foi condenado, por 4 votos a 3, a 12 anos de reclusão, em regime fechado. Houve recurso de apelação, que levou três anos para ser apreciado. Ao decidir o recurso, a 14ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo anulou o julgamento.

A Câmara aceitou a alegação de que uma jurada, no intervalo de uma sessão do Júri, comentou o caso com um oficial de Justiça. “O que se pretende impedir é que o jurado exteriorize sua forma de decidir e venha com tal conduta influenciar a decisão dos demais, podendo gerar prejuízo ou benefício a qualquer das partes. Durante o Júri ou nos períodos de descaso, é vedado conversar qualquer assunto referente ao julgamento”, entendeu o relator, desembargador Vidal de Castro.

Quatro anos depois do primeiro julgamento, o caso volta ao Tribunal do Júri nesta quinta-feira, a partir das 13h. O julgamento terá na acusação o promotor Rogério Lécio Sagallo e na defesa Tales Castelo Branco. Se prevalecer a tese da defesa, de homicídio culposo, Gelso poderá ser condenado a três anos de prisão, mas a pena já estará prescrita.

A viúva, no entanto, não está completamente desamparada. Na esfera cível, ela entrou com ação de indenização contra Gelso. Os dois fizeram acordo. Gelso Pilatti aceitou pagar R$ 300 mil à viúva, dividido em 30 parcelas.

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