Volta das divergências

Damásio é a favor de o MP investigar. Mariz é contra.

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5 de setembro de 2007, 9h54

Enquanto o Supremo Tribunal Federal não chegar a uma conclusão sobre o poder investigatório do Ministério Público em matéria criminal, as discussões sobre essa possibilidade parecem estremecer a cada dia a relação entre a Polícia e procuradores e promotores. Durante o congresso, organizado pela Academia Internacional de Direito e Economia, que serviu para analisar o atual papel do MP no país, o polêmico tema permeou a maior parte dos painéis de debate.

“O poder de investigar não está entre atribuições do Ministério Público previstas pela Constituição Federal”, disse o delegado Sandro Torres Avelar, presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal, a procuradores, advogados e estudantes de Direito. Como único representante da Polícia no evento, ele acompanhou todas as palestras e vibrava quando a opinião era contra o MP.

Se a atribuição não está prevista no texto constitucional, não são as normas internas do Conselho Nacional do Ministério Público que podem garantir esse poder ao órgão, disse o delegado ao criticar as Resoluções 13 e 20. A primeira disciplina a tramitação do procedimento investigatório. A segunda dispõe sobre o controle externo da atividade policial.

Para Avelar, essas normas revelam uma clara violação às intenções daqueles que se reuniram para escrever a Constituição brasileira. Além dessa oportunidade de dar ao MP o poder de conduzir inquéritos, ele lembra das discussões, em 1993, para aprovação das Leis Orgânicas do Ministério Público Federal e Estadual. Os textos também não trazem um dispositivo com essa atribuição.

“Não podemos concordar que o MP avance na sua competência e utilize uma atribuição que foi concedida exclusivamente aos policiais”, afirmou. Ele ressaltou que não está entrando no mérito da questão, mas seguindo à risca o que o constituinte previu.

O criminalista Antônio Cláudio Mariz de Oliveira dispara críticas para os dois lados, mas se alinha à posição de Avelar. “Sou contra o MP investigar. Esse papel é da Polícia, mas sem os excessos que vem cometendo”, diz. Para ele, a função do Ministério Público é a de combater os excessos da Polícia e fiscalizar para que as investigações sejam bem feitas.

O advogado entende que quem investiga e denuncia ao mesmo tempo perde a imparcialidade e fica na condição de julgador. O MP deve ser tratado como parte, conclui. Mariz também critica a atuação do Judiciário. Segundo ele, antes mesmo de se receber a denúncia, o juiz já autoriza a prisão dos acusados e a atitude acaba se transformando na antecipação do mérito da questão. A prisão funciona como uma condenação, de acordo com Mariz.

O professor Damásio de Jesus abre a corrente a favor do MP. Diz que não se pode tomar as leis ao pé da letra. “A realidade do dia-a-dia deve guiar as interpretações sobre o texto da lei. Não podemos pensar da mesma forma que há 40 anos atrás”, defende. O Ministério Público mudou e com isso, entende ele, as suas atribuições também se transformaram. A Constituição de 88 deu independência, autonomia e novas atribuições ao órgão.

Segundo Damásio, para reprimir o crime organizado e zelar pelo Estado Democrático de Direito, é necessário que o MP tenha o poder de investigar. O órgão não pode ficar de mãos atadas, na visão do advogado. “Se pode oferecer denúncia, por que não pode investigar?”, questiona.

Repercussão

Ives Gandra Martins diz que o Ministério Público, por mais que tenha um papel relevante, não pode substituir o papel da Polícia e deve ser parte, e não juiz nas ações em que propõe. “Quando age por conta própria, quebra o equilíbrio nas relações entre a advocacia e o MP, que tem as mesmas paixões e convicções na sua defesa que o advogado”, entende.

Para ele, se o Ministério Público achar que a investigação está demorando ou não está sendo feita da maneira correta, o problema pode ser resolvido com um pedido formal à Justiça, que vai autorizá-lo a conduzir o processo, ou não.

O secretário de Justiça do estado de São Paulo, Luiz Antônio Marrey, que por muitos anos atuou como procurador, diz que a investigação criminal pelo MP não é uma forma de substituir o trabalho da Polícia. Segundo ele, nos países mais evoluídos colher e analisar provas é uma tarefa do MP. E assim também poderia ser no Brasil.

Felipe Locke Cavalcanti, membro do Conselho Nacional de Segurança Pública, entende que o MP deve exercer o controle externo da Polícia. Para ele, o trabalho do corregedor não é suficiente. “A Polícia por si só não pode investigar os seus maus integrantes. Esse tipo de controle não funciona em nenhuma entidade.”

O conselheiro se baseia no dado de que a Polícia não apura nem 10% dos crimes praticados no país para dizer que o MP é legítimo para atuar na condução de inquéritos. Segundo Cavalcanti, o combate à criminalidade do país também está nas mãos do MP.

“Não é que o MP queira investigar. É uma necessidade”, na opinião de Luiza Nagib Eluf, que acaba de deixar o cargo de procuradora para ocupar a subprefeitura da Lapa, em São Paulo. E essa necessidade se dá, segundo ela, porque há muita corrupção dentro da Polícia, o que compromete o seu trabalho.

Antigo capítulo

Em junho deste ano, o Supremo Tribunal Federal adiou mais uma vez uma definição sobre o assunto. O julgamento foi suspenso com um voto contra promotores e procuradores conduzirem inquéritos e um voto a favor. A discussão chegou à Corte com um pedido de Habeas Corpus do empresário Sérgio Gomes Silva, o Sombra.

Ele foi apontado como mandante do assassinato do prefeito de Santo André (SP), Celso Daniel, em janeiro de 2002. A defesa do empresário alegava insubsistência da ação penal por ter sido embasada em investigação promovida pelo Ministério Público.

O relator, ministro Marco Aurélio, entendeu que o artigo 144 da Constituição diz que cabe exclusivamente à Polícia exercer as funções de Polícia Judiciária da União e que as Polícias Civis atuam na apuração de infrações penais. O ministro Sepúlveda Pertence, que há pouco se aposentou, concluiu que no caso concreto não houve inconstitucionalidade na investigação. O ministro Cezar Peluso pediu vista.

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