Carta inflada

Ao proteger todos, Constituição não protegeu ninguém

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4 de setembro de 2007, 0h01

“Todos nós fomos contemplados pela Constituição. Isso significa que, a rigor, nenhum de nós tem a segurança dos direitos que ela deveria nos dar”, afirmou o presidente da Academia Internacional de Direito e Economia, Ney Prado, no congresso Ministério Público Brasileiro: Funções Institucionais e Limites de Atuação, em São Paulo.

O professor discutiu os direitos sociais previstos na Carta de 1988 e a impossibilidade de cumpri-los, ainda que o MP se esforce para isso. “Os direitos consagrados na Constituição Federal ficaram na Constituição Federal”, disse.

Para Prado, a importância da Constituição de 88 é o de ser o marco da opção do país pela democracia e pelo Estado de Direito. “Mas o valor da lei está submetido ao crivo da sua eficácia”, afirma. E, se verificada a obediência aos seus princípios no capitulo dos direitos sociais, a Constituição é quase uma carta de boas intenções.

“Por um lado, há uma crise de governabilidade porque não é possível cumprir tudo o que determina a Constituição. Por outro, há a frustração da população que não tem seus direitos garantidos”, afirmou Ney Prado.

Em outra palestra, o ministro Gilmar Mendes, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, também abordou o inchaço da Lei Maior do país, mas afirmou que seu marco é inquestionável: “Vivemos, desde então, o mais longo período de estabilidade institucional sob uma Constituição republicana”.

Gilmar Mendes observou que o país passou por crises sérias, como o impeachment do presidente Fernando Collor, seguidos e fracassados planos econômicos e o recente caso do mensalão, cuja denúncia o Supremo acolheu na semana passada.

“Tudo se processou dentro dos parâmetros de normalidade. Não houve uma emenda sequer que tentasse inverter a ordem institucional. E basta olharmos para nossos vizinhos que saberemos do que estamos falando”, disse o ministro. E acrescentou que, na parte operacional e no campo econômico, houve numerosas emendas constitucionais, mas coube ao Supremo Tribunal fazer, no decorrer do tempo, as adaptações e as interpretações construtivas necessárias.

Para o vice-presidente do STF, a evidência de que vivemos o pleno Estado de Direito é que hoje é o leiteiro que bate à porta às seis horas da manhã, não a Polícia. “Quer dizer, nos dias atuais pode ser até a Polícia com um mandado mal fundamentado, mas o cidadão pode se socorrer das instituições”, brincou.

O ministro ressaltou ainda que não é de se estranhar a quantidade de emendas constitucionais — 53 emendas em pouco mais de 18 anos. “É normal que haja emendas em uma Constituição que fixou jornada de trabalho e prazo para aposentadoria.”

Gilmar Mendes afirmou que não há paradigma no mundo democrático de atribuições tão amplas quanto às do Ministério Público no Brasil. Até por isso é preciso que os atos do MP, da Polícia e até dos juízes sejam submetidos ao crivo jurisdicional.

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