Perde e paga

Condenação só é paga quando credor inicia execução da dívida

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4 de setembro de 2007, 0h00

Desde que a Lei 11.232/05 entrou em vigor e colocou novas regras para o cumprimento das sentenças, recursos têm sido impetrados para discutir qual o prazo para o pagamento da condenação. A principal dúvida é se é o juiz da execução quem deve convocar o devedor a fazer o pagamento, sem qualquer manifestação do credor; ou se é o credor quem dá início à execução da sentença.

Para a 28ª Câmara de Direito privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, a questão é simples e pode ser dirimida com a leitura do artigo 475-B do Código de Processo Civil. Ou seja, o cumprimento da sentença deve ser iniciado pelo credor, com a apresentação do cálculo. Aí o devedor é notificado pelo seu advogado, para que, em 15 dias, pague a indenização, sob pena de incidência de multa de 10%.

De acordo com o desembargador Neves Amorim, relator do caso, é isso que prevê o CPC. Conforme o texto do artigo 475-B, caput, “quando a determinação do valor da condenação depender apenas de cálculo aritmético, o credor requererá o cumprimento da sentença, na forma do art. 475-J desta Lei, instruindo o pedido com a memória discriminada e atualizada do cálculo”.

No Superior Tribunal de Justiça, o entendimento é outro. Para a 3ª Turma do tribunal, o prazo para pagamento da condenação é de 15 dias e não está condicionado à intimação pessoal. Por isso, parte e advogado precisam ficar atentos.

O STJ ainda disse que o advogado é quem deve pagar multa pelo atraso de pagamento da indenização se não avisar a tempo seu cliente. “O bom patrono deve adiantar-se à intimação formal, prevenindo seu constituinte para que se prepare e fique em condições de cumprir a condenação”, afirmou o ministro Humberto Gomes de Barros, relator do processo. “Se, por desleixo, omite-se em informar seu constituinte e o expõe à multa, o advogado deve responder por tal prejuízo”, considerou. (Clique aqui para ler a notícia).

O TJ paulista firmou que a intimação do devedor deve ser feita pelo advogado, mas não firmou nenhuma orientação no sentido de responsabilizá-lo caso haja atraso no pagamento da indenização. Explicou apenas que a intimação do advogado é determinada pela Lei 11.232/05. E se a intimação é determinada, deve ser cumprida.

Neves Amorim ainda criticou o fato de a reforma do Código de Processo Civil prever celeridade, sem observar a segurança jurídica. “Tem-se perdido muito em termos de segurança jurídica em nome da celeridade e da economia processual, esquecendo-se que a busca mais eficaz hoje é a da efetividade do processo, justamente o ponto de equilíbrio entre a segurança e a celeridade”, observou.

O desembargador alertou para o fato de a Lei 11.232/06 dar margens as mais diversas interpretações, o que gera insegurança jurídica. “Várias são as possibilidade de início para cumprimento da obrigação imposta em sentença condenatória, o que nos dá a exata dimensão da ausência de padronização das decisões que poderão ser adotadas pelos julgadores, o que transmite às partes uma insegurança quanto às providências que devem tomar quando do cumprimento da sentença”.

Caso concreto

O entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo foi firmado no julgamento de um Agravo de Instrumento contra uma decisão que, em ação de cobrança, deu início de ofício ao cumprimento da sentença e arbitrou multa de 10% do valor da dívida porque o credor não se apresentou para quitar a dívida voluntariamente.

A defesa do devedor alegou que o procedimento do juiz foi impróprio, porque suprimiu três fases: a iniciativa do credor com a apresentação do cálculo atualizado da dívida (artigo 475-B do CPC), a aprovação ou impugnação dos cálculos (artigo 475-H do CPC) e a concessão do prazo de 15 dias para o pagamento (artigo 475-J do CPC).

A Justiça paulista acolheu todos os argumentos “O cumprimento da sentença deve ter início por provação do credor, que por meio da apresentação da memória do cálculo requererá a intimação do devedor na pessoa do advogado, para que efetive o pagamento em 15 dias, sob pena de incidência de multa de 10%”, concluiu.

Clique aqui para ler a decisão do TJ-SP.

Processo 1.081.610-00/1

Leia a decisão do STJ

RECURSO ESPECIAL Nº 954.859 – RS (2007/0119225-2)

RELATOR: MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS

RECORRENTE: COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA

ADVOGADOS: LUIZ FERNANDO MENEZES DE OLIVEIRA

CAMILA THOMAZI S MORAES E OUTRO(S)

RECORRIDO: JOSÉ FRANCISCO NUNES MOREIRA E OUTROS

ADVOGADO: CONRADO ERNANI BENTO NETO

E M E N T A

LEI 11.232/2005. ARTIGO 475-J, CPC. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. MULTA. TERMO INICIAL. INTIMAÇÃO DA PARTE VENCIDA. DESNECESSIDADE.

1. A intimação da sentença que condena ao pagamento de quantia certa consuma-se mediante publicação, pelos meios ordinários, a fim de que tenha início o prazo recursal. Desnecessária a intimação pessoal do devedor.

2. Transitada em julgado a sentença condenatória, não é necessário que a parte vencida, pessoalmente ou por seu advogado, seja intimada para cumpri-la.

3. Cabe ao vencido cumprir espontaneamente a obrigação, em quinze dias, sob pena de ver sua dívida automaticamente acrescida de 10%.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito e Castro Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Brasília (DF), 16 de agosto de 2007(Data do Julgamento).

MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS

Relator

RECURSO ESPECIAL Nº 954.859 – RS (2007/0119225-2)

RELATÓRIO

MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: Recurso especial (alínea ‘c’), interposto por Companhia Estadual de Distribuição de Energia, contra acórdão resumido nestas palavras:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. LEI 11.232/05. ARTIGO 475-J, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. APLICABILIDADE NA HIPÓTESE.

Passaram-se 17 (dezessete) dias dede que a agravante teve ciência do valor a que foi condenada, até o efetivo pagamento. Excedidos 02 (dois) dias a mais, portanto, do prazo previsto no artigo 475-J, do Código de Processo Civil.

Aplicável, pois, a multa de 10% prevista nesse dispositivo.

Agravo de instrumento improvido. Unânime.” (fls. 95/97)

A recorrente aponta divergência entre o acórdão recorrido e julgamento da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Diz que o acórdão paradigma declarou que a multa de 10% prevista no Art. 475-J do CPC, não incide se o réu não foi intimado pessoalmente para cumprir a sentença.

Pede a reforma do acórdão recorrido, para que prevaleça a orientação fixada no julgado paradigma.

Sem contra-razões.

RECURSO ESPECIAL Nº 954.859 – RS (2007/0119225-2)

LEI 11.232/2005. ARTIGO 475-J, CPC. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. MULTA. TERMO INICIAL. INTIMAÇÃO DA PARTE VENCIDA. DESNECESSIDADE.

1. A intimação da sentença que condena ao pagamento de quantia certa consuma-se mediante publicação, pelos meios ordinários, a fim de que tenha início o prazo recursal.

Desnecessária a intimação pessoal do devedor.

2. Transitada em julgado a sentença condenatória, não é necessário que a parte vencida, pessoalmente ou por seu advogado, seja intimada para cumpri-la.

3. Cabe ao vencido cumprir espontaneamente a obrigação, em quinze dias, sob pena de ver sua dívida automaticamente acrescida de 10%.

VOTO

MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator): A questão é nova e interessantíssima. Merece exame célere do Superior Tribunal de Justiça porque tem suscitado dúvidas e interpretações as mais controversas.

Há algo que não pode ser ignorado: a reforma da Lei teve como escopo imediato tirar o devedor da passividade em relação ao cumprimento da sentença condenatória.

Foi-lhe imposto o ônus de tomar a iniciativa de cumprir a sentença de forma voluntária e rapidamente. O objetivo estratégico da inovação é emprestar eficácia às decisões judiciais, tornando a prestação judicial menos onerosa para o vitorioso.

Certamente, a necessidade de dar resposta rápida e efetiva aos interesses do credor não se sobrepõe ao imperativo de garantir ao devedor o devido processo legal.

Mas o devido processo legal visa, exatamente, o cumprimento exato do quanto disposto nas normas procedimentais. Vale dizer: o vencido deve ser executado de acordo com o que prevê o Código. Não é lícito subtrair-lhe garantias. Tampouco é permitido ampliar regalias, além do que concedeu o legislador.

O Art. 475-J do CPC, tem a seguinte redação:

Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.

A Lei não explicitou o termo inicial da contagem do prazo de quinze dias.

Nem precisava fazê-lo. Tal prazo, evidentemente, inicia-se com a intimação. O Art. 475-J não previu, também, a intimação pessoal do devedor para cumprir a sentença.

A intimação – dirigida ao advogado – foi prevista no § 1º do Art. 475-J do CPC, relativamente ao auto de penhora e avaliação. Nesse momento, não pode haver dúvidas, a multa de 10% já incidiu (se foi necessário penhorar, não houve o cumprimento espontâneo da obrigação em quinze dias).

Alguns doutrinadores enxergam a exigência de intimação pessoal.

Louvam-se no argumento de que não se pode presumir que a sentença publicada no Diário tenha chegado ao conhecimento da parte que deverá cumpri-la, pois quem acompanha as publicações é o advogado.

O argumento não convence. Primeiro, porque não há previsão legal para tal intimação, o que já deveria bastar. Os Arts. 236 e 237 do CPC são suficientemente claros neste sentido. Depois, porque o advogado não é, obviamente, um estranho a quem o constituiu. Cabe a ele comunicar seu cliente de que houve a condenação. Em verdade, o bom patrono deve adiantar-se à intimação formal, prevenindo seu constituinte para que se prepare e fique em condições de cumprir a condenação.

Se o causídico, por desleixo omite-se em informar seu constituinte e o expõe à multa, ele deve responder por tal prejuízo.

O excesso de formalidades estranhas à Lei não se compatibiliza com o escopo da reforma do processo de execução. Quem está em juízo sabe que, depois de condenado a pagar, tem quinze dias para cumprir a obrigação e que, se não o fizer tempestivamente, pagará com acréscimo de 10%.

Para espancar dúvidas: não se pode exigir da parte que cumpra a sentença condenatória antes do trânsito em julgado (ou, pelo menos, enquanto houver a possibilidade de interposição de recurso com efeito suspensivo).

O termo inicial dos quinze dias previstos no Art. 475-J do CPC, deve ser o trânsito em julgado da sentença. Passado o prazo da lei, independente de nova intimação do advogado ou da parte para cumprir a obrigação, incide a multa de 10% sobre o valor da condenação.

Se o credor precisar pedir ao juízo o cumprimento da sentença, já apresentará o cálculo, acrescido da multa.

Esse o procedimento estabelecido na Lei, em coerência com o escopo de tornar as decisões judiciais mais eficazes e confiáveis. Complicá-lo com filigranas é reduzir à inutilidade a reforma processual.

Nego provimento ao recurso especial ou, na terminologia da Turma, dele não conheço.

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