Natureza tributária

Lei complementar regulamenta contribuição ao INSS

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1 de setembro de 2007, 0h00

Como as contribuições ao INSS têm natureza tributária, as normas referentes à decadência e à prescrição devem ser regulamentadas através de lei complementar. Ao analisar Recurso Extraordinário em que a União questionava a possibilidade de se regulamentar a questão através de lei ordinária, o ministro Celso de Mello, com esse entendimento, reiterou a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

A União recorreu de decisão do Tribunal Regional Federal do Paraná, em favor da Proneje — Consultoria e Projetos Imobiliários. O tribunal julgou inconstitucional os artigos 45 e 46 da Lei Ordinária 8.212/91, que estabeleceram o prazo de 10 anos tanto para a constituição quanto para a cobrança do crédito de seguridade social.

“Tenho para mim que se revela incensurável o acórdão ora recorrido”, concluiu o ministro Celso de Mello. Segundo ele, a necessidade de lei complementar nesses casos respeita o artigo 146, III, b, da Constituição Federal. Ele cita trecho do livro Interpretação no Direito Tributário, de Geraldo Ataliba, em que diz que “no sistema brasileiro, só há lei complementar exigida expressamente pelo texto constitucional”. Como é o caso.

Leia a decisão

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 560.115-3 PARANÁ

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

RECORRENTE(S): UNIÃO

ADVOGADO(A/S): PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL

RECORRIDO(A/S): PRONEJE – CONSULTORIA E PROJETOS IMOBILIÁRIOS

ADVOGADO(A/S): ROOSEVELT MAURÍCIO PEREIRA

DECISÃO: A controvérsia constitucional suscitada na presente causa consiste em saber se os prazos de decadência e de prescrição concernentes às contribuições previdenciárias devem, ou não, ser veiculados em sede de lei complementar, ou, então, se é possível defini-los mediante simples lei ordinária.

O Tribunal ora recorrido, por entender que as contribuições previdenciárias qualificam-se como espécies tributárias, proclamou a inconstitucionalidade dos arts. 45 (decadência) e 46 (prescrição), ambos da Lei nº 8.212/91, que estabeleceram o prazo comum de 10 (dez) anos tanto para a constituição quanto para a cobrança do crédito pertinente à seguridade social.

As normas legais em questão possuem o seguinte conteúdo normativo:

Art. 45. O direito de a Seguridade Social apurar e constituir seus créditos extingue-se após 10 (dez) anos contados (…)

……………………………………………….

Art. 46. O direito de cobrar os créditos da Seguridade Social, constituídos na forma do artigo anterior, prescreve em 10 (dez) anos.” (grifei)

Sendo esse o contexto, passo a apreciar a postulação recursal ora deduzida nesta causa. E, ao fazê-lo, tenho para mim que se revela incensurável o acórdão ora recorrido, eis que a natureza eminentemente tributária das contribuições de seguridade social – tal como esta Suprema Corte tem reconhecido (RTJ 143/313-314, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – RTJ 156/666-667, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – RTJ 181/73-79, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) – impõe que as normas referentes à decadência e à prescrição submetam-se ao domínio normativo da lei complementar, considerado o que dispõe, a esse respeito, o art. 146, III, “b”, da Constituição da República.


Essa orientação jurisprudencial, que confere qualificação tributária a essa modalidade de contribuição social, tem suporte em autorizado magistério doutrinário (ROQUE ANTONIO CARRAZZA, “Curso de Direito Constitucional Tributário”, p. 360, 11ª ed., 1998, Malheiros; HUGO DE BRITO MACHADO, “Curso de Direito Tributário”, p. 315, 14ª ed., 1998, Malheiros; SACHA CALMON NAVARRO COELHO, “Curso de Direito Tributário Brasileiro”, p. 404/405, item n. 3.5, 1999, Forense; LUIZ ALBERTO DAVID ARAUJO e VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR, “Curso de Direito Constitucional”, p. 314, item n. 5, 1998, Saraiva; RICARDO LOBO TORRES, “Curso de Direito Financeiro e Tributário”, p. 338, 1995, Renovar, v.g.).

Impõe-se reconhecer, desse modo, que se registra, na matéria ora em exame, uma clara hipótese de reserva constitucional de lei complementar, a impedir, portanto, que o Estado utilize diploma legislativo de caráter meramente ordinário como instrumento de veiculação formal das normas definidoras dos prazos decadencial e prescricional referentes aos créditos da Seguridade Social.

Cabe rememorar, neste ponto, por oportuno, considerada a natureza do presente litígio, que a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, ao versar o tema pertinente à tipicidade das leis, tem sempre acentuado, a esse propósito, que não se presume a necessidade de lei complementar, cuja edição – destinada a disciplinar determinadas matérias – somente se justifica naquelas hipóteses, estritas e excepcionais, previstas no texto da própria Constituição da República.

Vê-se, portanto, que a necessidade de lei complementar, para a válida disciplinação normativa de certas matérias (como a de que ora se cuida), deriva de previsão constitucional expressa, como sucede no caso (CF, art. 146, III, “b”), de tal maneira que se configurará situação de inconstitucionalidade formal, seinobservada a cláusula de reserva de lei complementar – o tema a ela sujeito vier a ser tratado em sede de legislação simplesmente ordinária.

Daí a advertência, que cumpre sempre ter presente, formulada por GERALDO ATALIBA (“Interpretação no Direito Tributário”, p. 131, 1975, EDUC/Saraiva):

(…) só cabe lei complementar, quando expressamente requerida por texto constitucional explícito. O Congresso Nacional não faz lei complementar à sua vontade, ao seu talante. No sistema brasileiro, só há lei complementar exigida expressamente pelo texto constitucional.” (grifei)

Esse entendimento, por sua vez, inteiramente aplicável ao caso, é corroborado pela jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal:

Só cabe lei complementar, no sistema de direito positivo brasileiro, quando formalmente reclamada, a sua edição, por norma constitucional explícita.

(RTJ 176/540, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Não se presume a necessidade de edição de lei complementar, pois esta é somente exigível nos casos expressamente previstos na Constituição. Doutrina. Precedentes.


(RTJ 181/73-79, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

É doutrina pacífica, em face do direito constitucional federal, que só se exige lei complementar para aquelas matérias para as quais a Carta Magna Federal, expressamente, exige essa espécie de lei (…).”

(RTJ 113/392-401, Rel. Min. MOREIRA ALVES – grifei)

Cumpre ressaltar, por relevante, que a orientação que venho de expor a propósito do reconhecimento da inconstitucionalidade formal dos arts. 45 e 46 da Lei nº 8.212/91, por desrespeito à reserva constitucional de lei complementar (CF, art. 146, III, “b”), tem sido observada, por Juízes desta Suprema Corte, em sucessivas decisões proferidas na resolução de controvérsia idêntica à suscitada nesta sede recursal (RE 456.750/SC, Rel. Min. EROS GRAU RE 534.856/PR, Rel. Min. EROS GRAURE 540.704/RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO RE 548.785/RS, Rel. Min. EROS GRAURE 552.710/SC, Rel. Min. MARCO AURÉLIORE 552.757/RS, Rel. Min. CARLOS BRITTORE 552.824/PR, Rel. Min. EROS GRAU – RE 559.991/SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

O exame dos presentes autos evidencia que o acórdão ora recorrido ajusta-se ao entendimento prevalecente nesta Suprema Corte, o que torna inacolhível a pretensão recursal ora manifestada.

Sendo assim, e em face das razões expostas, conheço do presente recurso extraordinário, para negar-lhe provimento.

Publique-se.

Brasília, 30 de agosto de 2007.

Ministro CELSO DE MELLO

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