Gravação perdida

Edmundo não consegue reaver fita do Domingo Legal

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1 de setembro de 2007, 0h01

Não há como fazer busca e apreensão de imagens que não existem mais. Mas a emissora de TV, devidamente notificada, pode ter de se responsabilizar por não ter conservado as fitas com as imagens pretendidas. O entendimento é do desembargador Nagib Slaibi, da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que negou o pedido do jogador de futebol Edmundo para que uma fita do programa Domingo Legal fosse apreendida.

Segundo o desembargador Nagib Slaibi, não há como exibir um documento que não existe e, muito menos, determinar que sejam feitas busca e apreensão destes documentos.

O jogador pretendia obter as fitas do programa Domingo Legal, exibido em agosto de 2003. Segundo o jogador, o programa de Gugu Liberato teria feito uma reportagem sensacionalista com base na acusação da ex-mulher do atleta de que ele a teria agredido.

A defesa do jogador enviou uma notificação extrajudicial à emissora, 15 dias após a exibição do programa. De acordo com o processo, o SBT teria se recusado a receber a notificação por ela ser extrajudicial. Assim, reutilizou as fitas.

O juiz de primeira instância considerou válida a notificação extrajudicial. Como a emissora se negou a entregar a fita sob o argumento de que ela já teria sido reutilizada, o juiz converteu a ação de exibição de documentos em outra, de busca e apreensão.

O desembargador Nagib Slaibi negou o pedido de busca e apreensão proposta pelo jogador. Mas, segundo ele, “a emissora terá que arcar com os encargos probatórios quando proposta a ação própria de reparação de danos, ante a violação do ato para o qual foi devidamente notificada a cumprir”.

As emissoras de radiodifusão devem guardar as fitas pelo prazo de 30 dias a partir da data da transmissão. Conforme a Lei 5.250/67, dentro desse prazo, “qualquer interessado poderá notificar a permissionária ou concessionária, judicial ou extrajudicialmente, para não destruir os textos ou gravações do programa que especificar”. A lei não estabelece penalidade específica caso a norma seja descumprida, ficando a critério do juiz decidir sobre a questão.

Os advogados do jogador não informaram se ele entrará com a ação de indenização contra o SBT. Já o advogado Marcelo Migliori, que representa a emissora, reafirmou que não teve ciência da carta extrajudicial.

Leia a decisão

Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro

Sexta Câmara Cível

Apelação Cível n° 2007.001.26878

Apelante 1: Edmundo Alves de Souza Neto

Advogado: Doutor Luiz Roberto Leven Siano e outros

Apelado: TVSBT Canal 4 de São Paulo S/A

Advogado: Doutor Rodrigo Gomes de Souza

Relator: Desembargador Nagib Slaibi

ACÓRDÃO

Direito Processual Civil. Apelação. Ação cautelar de exibição de documentos. Notificação extrajudicial, nos termos do artigo 58, §3º da Lei 5250/67 para conservação das fitas de gravação do programa televisivo.

Sentença que converteu a ação em busca e apreensão. Ineficácia do provimento. Reutilização do suporte físico onde tais imagens foram gravadas. Não é possível a procedência do pedido de exibição de documento que não mais existe, nem tampouco a determinação de busca e apreensão.

“O dever de exibir está jungido, é curial, à existência dos documentos, posto que não se pode obrigar ao que é fisicamente impossível de realizar”. (2006.001.02031 – APELACAO CIVEL – DES. CELIA MELIGA PESSOA – Julgamento: 21/02/2006 – DECIMA OITAVA CAMARA CIVEL

Alegação de falta de notificação. Descabimento. Tempestividade. Validade. Observância do disposto no artigo 58, §1º da Lei 5250/67: Os programas de debates, entrevistas ou outros que não correspondam a textos previamente escritos, deverão ser gravados e conservados pelo prazo, a contar da data da transmissão, de 20 dias, no caso de permissionária ou concessionária de emissora de até 1 kw, e de 30 dias, nos demais casos.

A emissora terá que arcar com os encargos probatórios quando proposta a ação própria de reparação de danos, ante a violação do ato para o qual foi devidamente notificada a cumprir.

Provimento do recurso.

A C O R D A M os Desembargadores que integram a Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por unanimidade em dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Relatório constante de fls. 158/159.

Conheço dos recursos, pois presentes os pressupostos de sua admissibilidade.

No mérito, assiste razão ao segundo apelante.

A ação cautelar de exibição de documento tem natureza preparatória com o objetivo de carrear prova necessária ao processo principal de reparação de danos.

Não é possível a procedência do pedido de exibição de documento que não mais existe, nem tampouco a determinação de busca e apreensão, posto que inócua.

Nesse sentido, julgados deste Tribunal de Justiça:

2002.001.30054 – APELACAO CIVEL

DES. ANTONIO CESAR SIQUEIRA – Julgamento: 16/04/2003 – SEGUNDA CAMARA CIVEL

ACAO DE EXIBICAO DE DOCUMENTOS

INEXISTENCIA

IMPROCEDENCIA DO PEDIDO

Processual Civil Ação de Exibição de Documentos. Se a parte alega a inexistência do documento, por sua destruição, oferecendo cópia extraída de microfilme, a ação é improcedente, pois não se pode determinar a exibição daquilo que não existe. Provimento do recurso.

2006.001.02031 – APELACAO CIVEL

DES. CELIA MELIGA PESSOA – Julgamento: 21/02/2006 – DECIMA OITAVA CAMARA CIVEL

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. Sentença de procedência. O dever de exibir está jungido, é curial, à existência dos documentos, posto que não se pode obrigar ao que é fisicamente impossível de realizar, o que em princípio não implica em maiores prejuízos, posto que o cheque destruído pode ser substituído pela microfilmagem, já entregue ao apelado. Por seu turno, embora não mais lhe possa ser imputado o dever de apresentação de documento que não mais existe, pela perda de objeto, a comprovação da destruição do documento só veio após a sentença, razão pela qual deve o apelante suportar os ônus sucumbenciais, por aplicação do princípio da causalidade (art.22, do CPC). Extinção do processo, sem julgamento do mérito, na forma do art.267, VI, do CPC. PROVIMENTO DO RECURSO.

E ainda.

No caso em apreço, inegável a validade da notificação extrajudicial perpetrada pelo futebolista (fls. 12/13), valendo a transcrição de trecho da decisão que acolheu embargos de declaração (fls.127):

“Extrai-se de fls. 12-13 que o Oficial do Registro de Títulos e Documentos da Comarca de Osasco compareceu na av. das Comunicações, n.4, Vila Jaraguá, Osasco, para entregar à ré notificação extrajudicial, para que mantivesse resguardada a gravação do programa “Domingo Legal” exibido em 31.08.2003, a qual foi recusada, sob a alegação de que “só receberiam notificações judiciais”.

Note-se que tal oficial tem fé pública e que o endereço da diligência é o mesmo indicado na procuração emitida pela ré (fl.82), sendo certo, ainda, que o artigo 58, par. 3o., da Lei 5250/1967, menciona notificação extrajudicial ou judicial, após o quê “sua destruição dependerá de prévia autorização do juiz da ação que vier a ser proposta, ou, caso esta não seja proposta nos prazos de decadência estabelecidos na lei, pelo juiz criminal a que a permissionária ou concessionária pedir autorização”.

Daí, não prevalecer a alegação da emissora televisiva de que “sendo extrajudicial a notificação, qualquer pessoa tem a faculdade de recusar tal correspondência”, sendo este o motivo pelo qual a lei prevê as duas modalidades de notificação, “a extrajudicial e a judicial (art.58) pois, em caso de recusa da primeira, a segunda tem eficácia garantida, pois emana do Estado-Juiz” (fls. 140).

Note-se ainda, que tendo o programa sido exibido em 31.08.2003 e a notificação extrajudicial realizada em 15.09.2003 (fls. 13), não há que se falar em expiração do prazo legal de conservação na forma do artigo 58 §1º da Lei 5250/67: § 1º Os programas de debates, entrevistas ou outros que não correspondam a textos previamente escritos, deverão ser gravados e conservados pelo prazo, a contar da data da transmissão, de 20 dias, no caso de permissionária ou concessionária de emissora de até 1 kw, e de 30 dias, nos demais casos.

Assim, a emissora terá que arcar com os encargos probatórios quando proposta a ação própria de reparação de danos, ante a violação do ato para o qual foi devidamente notificada a cumprir.

Prejudicada a primeira apelação, ante o provimento do apelo da emissora.

Ante tais considerações, o voto é no sentido de dar provimento ao recurso para julgar improcedente o pedido, invertendo-se os ônus sucumbenciais para condenar o primeiro apelante ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios que fixo em R$ 150,00 (cento e cinqüenta reais) na forma do artigo 20, §4º do Código de Processo Civil.

Rio de Janeiro, 29 de agosto de 2007.

Desembargador Nagib Slaibi

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