Do mesmo modo, também em relação às outras duas hipóteses de prisão preventiva previstas no ordenamento penal brasileiro, faz-se necessária a fundamentação baseada em elementos concretos indicativos de sua aplicabilidade – como, por exemplo, a demonstração concreta de que o réu é uma ameaça à instrução criminal uma vez que vem coagindo testemunhas ou forjando provas. Aliás, é de se observar que em relação à prisão preventiva calcada na garantia da aplicação da lei penal torna-se duvidoso seu caráter verdadeiramente cautelar, bem como sua constitucionalidade, à medida que se traz à discussão questões como a presunção de inocência – ora, se o acusado é presumidamente inocente, por que se teme que ele frustrará a aplicação da lei penal, se justamente não é lícito calcar-se em uma futura e certa condenação? – e o chamado direito à fuga[4]. De todo modo, vale frisar que o simples fato do acusado não possuir residência fixa não indica por si a necessidade da medida[5].
Conclusão
Além das normas constitucionais que asseguram o direito à liberdade individual (artigo 5º, LIV, LXI, LXVI), bem como garantem a presunção de inocência, não se considerando culpado o réu antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória (artigo 5º, LVII), há, também, no plano internacional dos direitos humanos, garantias que fazem com que a prisão cautelar seja absolutamente excepcional no sistema, exigindo-se, assim, que toda decisão indique, fundamentadamente, a real necessidade da medida – artigo 7º, 5, do Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos – promulgada pelo Decreto 678 de 06.011.1992).
Conclui-se, dessa maneira, que seja em que fase processual for — portanto, também em sede de pronúncia ou condenação sujeita a recurso[6]—, o que sempre justificará a custódia cautelar será a presença concreta de elementos, demonstrada de modo idôneo nas razões de decidir, que indiquem a existência, a partir dos princípios constitucionais da presunção de inocência — que impede a prisão cautelar como forma de adiantamento do cumprimento da pena, da razoabilidade e proporcionalidade — que garantem a excepcionalidade da medida —, de uma das suas hipóteses legais ensejadoras — notadamente a conveniência (lida, na verdade, como real necessidade) à instrução criminal.
[1] Nesse sentido, Fernando da Costa Tourinho Filho, Manual de Processo Penal, 9ª ed, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 629. HC nº 81.468/SP – STF – Rel. Min. Carlos Velloso.
[2] HC nº 39.116/SP – STJ – Rel. Min. Gilson Dipp. Há decisões do Supremo Tribunal Federal repudiando, também, o apelo à eventual gravidade em concreto do delito (HC nº 90064/SP – Rel. Min. Sepúlveda Pertence).
[3] Nesse sentido, Vicenzo Manzini, Trattato di Diritto Processuale Penale Italiano, vol. 2, 6ª ed, Torino, Torinese, 1970, pp. 674-675. RHC nº 79.200/BA – STF – Rel. Min. Sepulveda Pertence.
[4] Nesse sentido, no HC nº 84.934 (STJ – Rel. Marco Aurélio), o Min. Cezar Peluso afirma que “(é) legítima a fuga do réu para impedir prisão preventiva que considere ilegal, porque não lhe pesa ônus de se submeter a prisão cuja ilegalidade pretende contestar”.
[5] Nesse sentido, HC nº 10963463/9 - TJ/SP – Rel. Des. Tristão Ribeiro.
[6] Assim, tanto o art. 408, § 2º, quanto o 594, ambos do Código de Processo Penal, não devem servir de óbice à liberdade do acusado que não seja primário nem ostente bons antecedentes. Do mesmo modo que aquele que o seja e os ostente não necessariamente responderá ao processo em liberdade se, por exemplo, constituir uma real ameaça à instrução criminal ou à aplicação da lei penal.
Comentários de leitores
11 comentários
JB. (Procurador do Município)
Exmo. Magistrado Luca: Há mesmo muitos culpados soltos. Mas, convenhamos, advogados, por mais ilustres e competentes que sejam, jamais terão poder de condenar ou absolver. Advogados apenas pedem. Só isto.
Jesiel Nascimento (Advogado Autônomo - Criminal)
Fico honrado em ver que um magistrado e um Delpol se dispõem a discutir o tema. Mas há uma questão fundamental que não foi enfrentada e a destaco como preliminar para o debate. É a seguinte: Qual e o conceito juridico de ORDEM PÚBLICA. Reservo minha posição e disponibilizo meu e-mail para àqueles que quizerem me honrar com seus pocisionamentos (jothaenne@yahoo.com.br). Um abraço a todos.
luca morato (Jornalista)
Ilmo Srº JB As ruas brasileiras também estão cheias de pessoas culpadas absolvidas graças ao trabalho dos ilustres advogados.
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