Violência urbana

Crime custa US$ 16,8 bilhões por ano, 14% do PIB da AL

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30 de outubro de 2007, 23h01

O Ministério Público Federal e os desafios da violência urbana: este é o tema escolhido para o Encontro Nacional dos Procuradores da República que este ano acontece na cidade do Rio de Janeiro. A capital fluminense é, sem dúvida, local apropriado para este debate que já toma, há algum tempo, a atenção de sua população, tendo em vista os graves problemas que o cidadão carioca enfrenta em seu dia-a-dia, em decorrência dos altos índices de criminalidade aqui observados. Mas o problema não se restringe ao Rio e já alcança feições nacionais.

De acordo com dados da Organização das Nações Unidas, mais da metade da população da Terra vive hoje nas grandes cidades. Na América Latina, 80% da população é urbana; no Brasil esse percentual é de 84%. São números significativos quando consideramos o fato de que até a segunda metade do século passado nossa população era eminentemente rural e que o êxodo para as grandes cidades determinou ocupação caótica e aleatória dos espaços urbanos: tratava-se, então, de assegurar absorção de mão-de-obra barata, deslocada do campo para a cidade.

Olvidaram-se as autoridades públicas e as lideranças empresarias, à época, da necessidade de criação de infra-estrutura básica que assegurasse a esse enorme contingente humano saneamento básico, saúde e moradia. Passados mais de cinqüenta anos, há uma pesada fatura a ser paga, em termos de déficit social, o que tem, inegavelmente, relação direta com a explosão da violência no Rio de Janeiro e em outros estados da federação.

Uma rápida consulta aos noticiários diários basta para constatarmos os efeitos deste crescimento desordenado. Dados de 2007 da agência de notícias das Nações Unidas dão conta que nos últimos 20 anos a taxa global de crime aumentou cerca de 30%, significando três mil crimes extras para cada grupo de 100 mil habitantes. Dentro dessa população marginalizada, destacam-se os jovens cujas expectativas são frustradas ainda na infância em razão do abandono e da falta de oportunidades. Estima-se que mais de 100 milhões de crianças vivem hoje abandonadas à própria sorte nas ruas das principais cidades do mundo. Este é, sem dúvida, o tipo mais cruel de violência, isto é, o ingresso precoce em um ciclo da exclusão econômica, tecnológica e social talvez irreversível. Os jovens, especialmente os na faixa de 15 a 19 anos, são também as principais vítimas. Sessenta e nove por cento das vítimas de homicídios encontram-se nessa faixa de idade.

Estudo publicado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, em 1999, calcula que o custo dos crimes chega a 16,8 bilhões de dólares por ano, ou seja, 14,2% do Produto Interno Bruto da América Latina. Some-se a isto o percentual de 4,9% do PIB com custos de perda de vidas e saúde, gastos com o sistema de segurança pública, justiça criminal e aparato policial. Ou seja, além do elevado custo das vidas perdidas, a violência urbana constitui um enorme escoadouro dos orçamentos do setor público, principalmente nos países latino-americanos, entre os quais se inclui o Brasil.

Cresce a violência, cresce a necessidade do incremento do aparato repressor do Estado. Cresce o medo, recrudescem-se antigos discursos de relativização de garantias individuais, de abandono dos direitos humanos, das críticas à democracia e às liberdades civis. O cidadão, neste contexto, perde duas vezes. Não pode exercer integralmente sua liberdade, acuado atrás das grades de seu próprio domicílio, assiste, perplexo, tomarem corpo ponderadas razões para restrição do estatuto jurídico da liberdade: em nome da segurança de todos é preciso limitar o direito de cada um, sobretudo quando se trata de populações pobres da periferia das grandes cidades. É um processo ao qual os membros do Ministério Público não podem ficar indiferentes.

Não há dúvida de que a ação concatenada e opressora de facções criminosas deve ser reprimida com vigor pelo aparato persecutório do Estado. Todos sabem, sobretudo aqueles que foram vítima de práticas criminosas, que a ação injusta do delinqüente não pode ser obviada com reflexões filosóficas ou ponderações sociológicas. Mas triste é o país que concentra apenas no monopólio da força toda a sua estratégia para enfrentar o grave problema da exclusão social. Pobre é a nação que somente é capaz de enxergar no contexto da crise social seu efeito mais sensível, sem perquirir sobre as reais causas deste fenômeno típico das sociedades capitalistas globalizadas.

No Brasil e na América Latina, como no resto do mundo, o aspecto social é tido como o indicador mais eficaz para a prevenção e erradicação da violência urbana. Somente uma política de inclusão social e real diminuição das diferenças econômicas será capaz de minorar a criminalidade e oferecer segurança para todos. Não basta “baixar o cacetete e mandar bala”, é preciso empreender ações sociais paralelas e concatenadas, com a destinação de recursos públicos aos mais carentes, sob pena de nunca acordamos do pesadelo da violência.

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