Réu na telinha

Conselho de Política Criminal pede veto à lei da videoconferência

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30 de outubro de 2007, 17h33

O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária envia, nesta terça-feira (30/10), ofício ao Ministério da Justiça clamando pelo veto da lei que transforma a videoconferência na principal forma de interrogatório judicial no país. De autoria do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), a proposta foi aprovada pelo Congresso Nacional e logo será analisada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“O projeto é absurdo! Desconsidera a realidade do país”, diz o presidente do Conselho Sérgio Salomão Shecaira, ao pedir que o ministro da Justiça, Tarso Genro, recomende o veto ao presidente da República. Atualmente, os presídios brasileiros têm 420 mil detentos — 200 mil a mais do que o sistema carcerário comporta. Desse total, 65% cumprem prisão temporária.

Shecaira alerta para o fato de que a maioria dos presos provisórios continua aguardando o processo dentro de distritos policiais que não possuem condições nem tecnologia para cumprir a lei. Pela proposta, a videoconferência vira a regra. Se não houver condições de fazer dessa forma, o juiz deverá ir até o preso para fazer o interrogatório, resguardada a sua segurança e de seus auxiliares. Só em último caso o réu vai até o Fórum, como é feito hoje.

“O projeto subverte os primados do devido processo legal e do contraditório, solapa a atuação da defesa e ignora o posicionamento da Corte Suprema, abrindo o flanco para a pronta propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade”, descreve o ofício que será enviado ao Ministério da Justiça.

Em agosto deste ano, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu, por unanimidade, que o interrogatório por videoconferência viola os princípios constitucionais do devido processo legal e ampla defesa. “Quando se impede o regular exercício da autodefesa, por obra da adoção de procedimento sequer previsto em lei, tem-se agravada restrição à defesa penal”, afirmou o ministro Cezar Peluso, relator do caso.

Em outra decisão, tomada este ano, a ministra Ellen Gracie entendeu que interrogar um réu por meio de videoconferência não ofende suas garantias constitucionais. Ela negou liminar para Marcos José de Souza, que pedia a anulação do interrogatório feito por esse sistema.

Justificativa

Três dias depois do primeiro ataque em massa do PCC em São Paulo, em que ao menos 14 pessoas foram assassinadas (entre elas, policiais), o senador Tasso Jereissati apresentou o projeto de lei. Segundo ele, os ataques a instituições públicas e privadas se deram justamente no percurso do transporte de presos para interrogatórios.

A versão do parlamentar para os fatos não coincide com o que a versão mais divulgada na ocasião. A de que a onda de violência começou horas após a transferência de líderes do grupo para uma unidade em Presidente Venceslau (620 km a oeste de São Paulo) e para a sede do Deic (Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado), da Polícia Civil, em Santana (zona norte de São Paulo).

Para o senador, “a disposição atual do CPP esconde manifesto risco contra a vida de nossos magistrados”. Ressalta ainda os gastos do Estado com o transporte dos presos. Em São Paulo, de acordo com Jereissati, cada escolta custa R$ 2,5 mil. “Com o sistema de videoconferência, estar-se-ia economizando algo em torno de R$ 17,5 milhões por semana, se considerarmos um preso por escolta.”

Leia o texto do projeto

Altera o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, para prever a videoconferência como regra no interrogatório judicial.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º O art. 185 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 — Código de Processo Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 185

………………………………………………………

§ 1º Os interrogatórios e as audiências judiciais serão realizadas por meio de videoconferência, ou outro recurso tecnológico de presença virtual em tempo real, assegurados canais telefônicos reservados para a comunicação entre o defensor que permanecer no presídio e os advogados presentes nas salas de audiência dos Fóruns, e entre estes e o preso; nos presídios, as salas reservadas para esses atos serão fiscalizadas por oficial de justiça, funcionários do Ministério Público e advogado designado pela Ordem dos Advogados do Brasil.

§ 2º Não havendo condições de realização do interrogatório ou audiência nos moldes do § 1º deste artigo, estes serão realizados no estabelecimento prisional em que se encontrar o preso, em sala própria, desde que estejam garantidas a segurança do juiz e auxiliares, a presença do defensor e a publicidade do ato.

§ 3º Antes da realização do interrogatório, o juiz assegurará o direito de entrevista reservada do acusado com seu defensor.

§ 4º Será requisitada a apresentação do réu em juízo nas hipóteses em que não for possível a realização do interrogatório nas formas previstas nos §§ 1º e 2º deste artigo.” (NR)

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

O projeto de lei em tela visa pôr fim ao chamado “turismo judiciário”, em que o preso precisa ser freqüentemente deslocado para o tribunal, ou próprio magistrado precisa se deslocar ao estabelecimento penal. A alteração feita pela Lei nº 10.792, de 2003, no art. 185 do Código de Processo Penal (CPP), que tornou a ida do magistrado ao presídio a regra no interrogatório judicial, não vem sendo aplicada na prática. Esta já era uma situação prevista quando da discussão do projeto no âmbito da Subcomissão de Segurança Pública do Senado Federal. É um contra-senso exigir que o magistrado se dirija ao estabelecimento penal num País em que os presídios são dominados e governados por organizações criminosas, como o CV e o PCC.

O fato é que os presos continuam sendo transportados para os tribunais. Na recente onda de violência em São Paulo, em que o PCC alvejou várias instituições públicas e privadas da capital, ações foram perpetradas justamente aproveitando-se do transporte de presos para interrogatório.

A disposição atual do CPP esconde manifesto risco contra a vida de nossos magistrados. Além disso, é uma afronta à administração da Justiça, pois o juiz deixa de julgar para tratar apenas de visitas a presos, pois, só no Estado de São Paulo, há 7.000 escoltas por semana! É imprescindível a adoção pelo nosso sistema judiciário da moderna técnica da videoconferência, solução simples e menos onerosa aos cofres públicos, e usada com sucesso por vários países do mundo.

Em São Paulo, a média de gasto com a escolta de um preso ao tribunal é de R$ 2.500,00. Com o sistema de videoconferência, estar-se-ia economizando algo em torno de R$ 17.500.000,00 por semana, se considerarmos um preso por escolta. Só no Distrito Federal, um dos estados brasileiros pioneiros nessa técnica, conforme declaração do juízo de execução penal, a economia está em torno de R$ 1 milhão por mês.

Outrossim, a nosso ver, o interrogatório no estabelecimento prisional fere o princípio da publicidade dos atos processuais. Enquanto o referido ato processual é praticado nas dependências do fórum, permite-se a qualquer do povo acesso à sala de audiências. Ao revés, realizado no interior de uma penitenciária, a publicidade inerente à atividade judiciária e insculpida como princípio constitucional (art. 5º, LX, da CF) fica limitada às partes.

Portanto, julgamos tratar-se de proposta de fundamental relevância para o aperfeiçoamento de nosso ordenamento jurídico penal.

Sala das Sessões,

Senador TASSO JEREISSATI

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