Restos da Anaconda

IstoÉ deve indenizar delegado mencionado na Anaconda

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29 de outubro de 2007, 16h34

A Editora Três, responsável pelas publicações das revistas IstoÉ e IstoÉ Dinheiro, está obrigada a pagar R$ 30 mil de indenização por danos morais para o delegado de Polícia Federal Luiz Carlos de Oliveira César Zubcov. O delegado apareceu em relatórios da Operação Anaconda como um dos supostos envolvidos no esquema de venda de sentenças judiciais. As revistas fizeram uma série de reportagens apontando Zubcov como um dos beneficiários do esquema.

Como nenhuma acusação foi comprovada, a Justiça de Brasília reconheceu que as notícias ofenderam a honra do delegado. A indenização foi fixada pelo juiz Aiston Henrique de Sousa, da 6ª Vara Cível do Distrito Federal. Cabe recurso.

De acordo com o processo, as reportagens veiculadas, em novembro de 2003, afirmaram que o delegado tinha recebido propina de R$ 25 mil. Depois, publicaram que, no ano 2000, o delegado pediu o deslocamento de um inquérito para São Paulo, onde o juiz João Carlos da Rocha Mattos, o principal suspeito do esquema de venda de sentenças, requisitou o caso para o seu julgamento.

O argumento do delegado foi o de que as reportagens feriram sua honra e os direitos da personalidade. A defesa alegou que o intuito foi apenas divulgar fatos de interesse do público. Também sustentou que as reportagens só tornaram públicas as investigações promovidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal.

O juiz Aiston Henrique de Sousa reconheceu que houve ofensa aos direitos do delegado. “Por certo que tais publicações agridem a honra objetiva”, afirmou. Para o juiz, as reportagens colocaram em jogo a reputação do delegado. “Quem não entende de Processo Penal pode ser levado a crer na existência de uma cooperação entre o autor e o juiz João Carlos da Rocha Matos para a prática de ilícito, o que, nas circunstâncias do caso representa um dano à honra do autor”, considerou.

“Faz-se necessária a ponderação da liberdade de manifestação de pensamento (artigo 5º, IX), com a proteção à honra das pessoas (artigo 5º, X). Não há um valor maior do que o outro, embora se reconheça que em algumas situações se tente fazer ultrapassar os limites do razoável, como aconteceu no caso presente. Assim, reconheço a violação do patrimônio moral do autor, sendo cabível a indenização respectiva”, concluiu.

Procurado, o departamento jurídico da Editora Três afirmou que ainda não foi intimado da sentença e, por isso, não irá se manifestar.

Leia a sentença:

Circunscrição: 1 — BRASÍLIA

Processo: 2006.01.1.079169-3

Vara: 206 – SEXTA VARA CIVEL

Título: SENTENCA

Pauta: Nº 79169-3/06 — Reparação de Danos — A: LUIZ CARLOS DE OLIVEIRA CESAR ZUBCOV. Adv(s).: DF013861 — Aladim Barboza Filho. R: TRES EDITORIAL LTDA. Adv(s).: DF011457 — Luciano Brasileiro de Oliveira.

SENTENÇA

Trata-se de ação de rito ordinário com pedido de condenação em pagamento de quantia certa a título de indenização por danos morais. Diz o autor que no exercício da função de Delegado de Polícia Federal atuou em vários casos de repercussão nacional, tenho ganho destaque pelos serviços prestados, e recebido elogios de seus superiores. Diz também que tem vida familiar exemplar. As rés, na divulgação de fatos relacionados com as investigações que ficaram conhecidas como operação Anaconda, violaram os direitos da personalidade do autor, tendo a revista Istoé, na edição que circulou em 26/11/2003 afirmado que “…agira a Anaconda descobriu que Campelo é também um dos colaboradores da quadrilha, como o policial Luiz Carlos Zubkov. Segundo documentos apreendidos com a quadrilha, ele foi corrompido com R$ 25 mil”.

Disse também que a revista afirmou:

“Depois, entretanto, Zubcov parece ter mudado de lado. Segundo documentos dos quais DINHEIRO obteve cópias, em maio de 2000 o delegado pediu o deslocamento do inquérito para São Paulo, onde o juiz João Carlos da Rocha Matos – principal suspeito da venda de sentença – requisitou o caso para o seu julgamento.”Sobre as investigações relacionadas com a prática de ilícitos pelos representantes da ABIFARMA a revista ISTOÉ publicou que: ‘por uma coincidência que intriga os investigadores, Zubov se aposentou e, em maio de 2002, começou a trabalhar na entidade sucessora da Abifarma, a Febrafarma. Atuava como consultor em segurança, com o salário de R$ 5 mil mensais, segundo informa a própria entidade.”Pede, em razão disso, a condenação das rés ao pagamento de indenização por danos morais e a publicação da sentença, caso haja condenação. Juntou os documentos de fl. 39 e seguintes.

Citada, a ré contestou, alegando, em preliminar, a decadência em razão de haver transcorrido mais de três meses desde o fato.No mérito, afirma que o interesse na produção das reportagens era apenas o de divulgar fatos de interesse do público.Diz que a menção ao nome do autor não revela a intenção dolosa de ofender sua honra, nem tem conotação sensacionalista. Afirma que a reportagem é narrativa, tornando pública uma investigação promovida pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal.Diz que não há dolo, culpa ou dano indenizável. Sustenta que o valor da indenização postulada é excessivo. Afirma ainda que não se mostra cabível a publicação da sentença.Pede a improcedência do pedido. Juntou os documentos de fl. 130 e seguintes.É o breve relatório.


DECIDO.

Não há questões processuais a serem decididas, razão pela qual passo a examinar o mérito. Decadência.Não obstante a previsão legal da ocorrência de decadência em três meses, não há decadência, nem deve ser entendido como adequado o prazo previsto em Lei.Decadência é o direito de exercer uma faculdade jurídica no prazo concedido pela Lei. No caso não há faculdade a ser exercida pela vítima da publicação, mas exigibilidade de obrigação decorrente do fato.

O caso, portanto, é de prescrição, pois a omissão no cumprimento da obrigação implica em violação do Direito. Sobre o prazo, o lapso de três meses é extremamente curto para a propositura de ação em juízo, com o que se restringe, sem motivação adequada, a reparação do dano moral, o que caracteriza violação, por restrição ao art. 5º., inciso X da Constituição Federal. O dispositivo do art. 56 da Lei de imprensa que impõe tal prazo é incompatível com o texto da Constituição Federal, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (REsp 191004 / RJ RECURSO ESPECIAL 1998/0074323-5). Da questão principal. A responsabilidade civil tem como pressupostos a prática de ato ilícito ou de risco, o dano e a relação de causalidade entre esses.

De outra parte o dano moral consiste na violação aos direitos da personalidade, direitos esses que abrangem os dados essenciais da pessoa como tal e que se expressam em bens como a vida, a integridade física e psíquica, a honra, a imagem, o nome, dentre outros.No caso presente, o ato ilícito que, segundo o autor, teria sido praticado pelo réu, e que teria atingido a sua honra, foi a conduta de promover publicação jornalística que não corresponde a realidade e que teria atingido a sua honra.Segundo demonstram os autos, a revista produzida pela ré publicou o seguinte:”…agora a Anaconda descobriu que Campelo é também um dos colaboradores da quadrilha, como o policial Luiz Carlos Zubkov. Segundo documentos apreendidos com a quadrilha, ele foi corrompido com R$ 25 mil”. (fl. 42/43)

Disse também que a revista afirmou: “Depois, entretanto, Zubcov parece ter mudado de lado. Segundo documentos dos quais DINHEIRO obteve cópias, em maio de 2000 o delegado pediu o deslocamento do inquérito para São Paulo, onde o juiz João Carlos da Rocha Matos – principal suspeito da venda de sentença – requisitou o caso para o seu julgamento.”

Também foi publicado que: ‘por uma coincidência que intriga os investigadores, Zubcov se aposentou e, em maio de 2002, começou a trabalhar na entidade sucessora da Abifarma, a Febrafarma. Atuava como consultor em segurança, com o salário de R$ 5 mil mensais, segundo informa a própria entidade.” Por certo que tais publicações agridem a honra objetiva.A primeira reportagem citada atribui ao autor a colaboração com quadrilha e o recebimento de R$ 25 mil de corrupção.

É uma afirmação que coloca em jogo a reputação de qualquer servidor público e destrói a honra de quem se porta bem na condução da coisa pública.A segunda reportagem diz que o autor “mudou de lado” baseado na simples informação de que, como delegado, pediu o deslocamento do inquérito para São Paulo, quando se sabe que tal ato não está entre as atribuições da autoridade policial. O máximo que este poderia fazer é sugerir ao Ministério Público, que promova o deslocamento de competência, a ser decidido pelo Juiz.

Entretanto, quem não entende de Processo Penal pode ser levado a crer na existência de uma cooperação entre o autor e o Juiz João Carlos da Rocha Matos para a prática de ilícito, o que, nas circunstancias do caso representa um dano à honra do autor.Finalmente, a terceira reportagem faz uma afirmação que não me parece estar vinculada a nenhum juízo de valor. O que se afirma é que o autor estaria trabalhando na entidade Febrafarma como consultor em segurança e a afirmação de que se trata de uma coincidência. Não há qualquer juízo de valor nesta afirmação, assim, como não há, no que foi divulgado, qualquer imputação que afete a honra do autor, mesmo porque, como servidor aposentado, e sem vedação ao exercício de função privada, estava simplesmente usufruindo um direito que lhe assiste.

Assim, reconheço a violação da honra do autor na publicação das duas primeiras reportagens. Afirmam as rés que as publicações ocorreram no âmbito do direito e liberdade de expressão e que tinham o objetivo de esclarecer a verdade.Entretanto, não pode ser acolhida esta tese que configuraria o reconhecimento de fato modificativo do direito do autor (art. 326 do CPC). Com efeito, afirmar que a Anaconda descobriu que há colaboração com quadrilha exige uma reflexão uma apuração maior do órgão de divulgação, para que não sejam os órgãos de imprensa meio de açodamento e de quebra do equilíbrio que deve presidir a relação entre a Imprensa e os cidadãos.


Nenhum elemento de prova foi apresentado pela ré no sentido de demonstrar que havia uma suspeita séria sobre este fato. Não afirma em que se baseia. Uma afirmação tão grave, sem respaldo, demonstra, no mínimo a assunção pelo órgão de imprensa de um risco de violação à personalidade de alguém que não pode ser indene de reparação.De igual forma a alegação de que o autor pediu o deslocamento da competência do inquérito para São Paulo. Neste caso, a incerteza não reside nos fatos, mas há demonstração de incorreção na interpretação dos fatos, o que poderia ser corrigido com consulta a um especialista.

Sem isso, a reportagem se transforma em instrumento temerário de sensacionalismo, sem qualquer preocupação com outros valores. A liberdade de imprensa há de ser exercida tendo por limite a preservação de outros direitos. Uma verdadeira democracia somente se constrói com a realização plena dos direitos e garantias fundamentais em que todos os valores que são caros a uma sociedade convivam em harmonia. Assim, é que faz-se necessária a ponderação da liberdade de manifestação de pensamento (art. .5º., IX), com a proteção à honra das pessoas (art. 5º., X). Não há um valor maior do que o outro, embora se reconheça que em algumas situações se tente fazer ultrapassar os limites do razoável, como aconteceu no caso presente.Assim, reconheço a violação do patrimônio moral do autor, sendo cabível a indenização respectiva.

Do valor da indenização. Não há critérios legais para a fixação da indenização, razão pela qual, com esteio na doutrina, devo considerar vários fatores, que se expressam em cláusulas abertas como a reprovabilidade do fato, a intensidade e duração do sofrimento, a capacidade econômica de ambas as partes (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo. Editora Malheiros, 2000, pág. 81). Nesses casos, os sentimentos e o sofrimento atingem os mais íntimos direitos da personalidade. Não se pode, entretanto, esquecer que o principal fundamento para a indenização por danos morais é o caráter pedagógico da indenização.

É relevante, neste caso, o valor de desestimulo para a fixação do dano moral, que representa o caráter pedagógico da reparação. É que, além do aspecto compensatório o dano moral tem um efeito preventivo que é observado pela teoria do valor de desestímulo: “a função presente na teoria do valor do desestímulo do espírito lesivo do agente, exerce papel de relativa importância nos futuros atos que venham a ser praticados pelo ofensor no meio social” (REYS, Clayton. Os novos rumos da indenização do dano moral. Rio de Janeiro. 2003, pág. 162).

Esta tendência é verificável também na jurisprudência, conforme já sinalizou o Superior Tribunal de Justiça: “… Ademais, a reparação deve ter fim também pedagógico, de modo a desestimular a prática de outros ilícitos similares…” (RESP 355392 Min. NANCY ANDRIGHI)Neste sentido devem ser consideradas as circunstâncias e a necessidade de que os fornecedores de produtos e serviços ajam de acordo com a boa-fé objetiva, de modo a tornar mais justas e equânimes as relações de consumo.Considero, estes elementos e o valor de desestímulo, especialmente a necessidade de se reprimir o abuso na ânsia de captar leitores, as condições econômicas do autor e do réu, para entender que uma indenização de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) é suficiente como resposta para o fato da violação do direito.

ANTE O EXPOSTO, julgo procedente o pedido, para condenar o réu ao pagamento do valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), os quais devem ser atualizados a partir desta data e acrescidos de juros de 1% a partir de 26 de novembro de 2003.Condeno o réu ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) do valor da condenação, além das custas do processo.Cumpra, o réu, a obrigação de pagar ora imposta, no prazo de 15 dias, sob pena de multa de 10%, na forma do art. 475-J do CPC.

Publique-se, registre-se e cumpra-se.

Brasília – DF, quinta-feira, 25/10/2007 às 15h53.

AISTON HENRIQUE DE SOUSA

Juiz de Direito.

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