Jogo tributário

CPMF, falso imposto temporário maquiado de contribuição

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28 de outubro de 2007, 23h00

A CPMF será prorrogada pelo que representa de velho e de novo. Começaremos pelo velho, não alimentando mais ilusões sobre seu caráter provisório, a pirraça encenada no Congresso Nacional e sua real destinação. Haverá fisiologismo, cooptação, concessões, alguma náusea, mas, como sempre, vencerá o clichê da governabilidade. A velha governabilidade dos “donos do poder”, tão clássica como a obra de Raymundo Faoro, assegurada por uma sucessão de projetos políticos sem distinção programática, partidária ou ideológica, todos comprometidos, por ação ou inércia, com a crônica ineficiência do Estado, a expansão dos gastos públicos e uma altíssima carga tributária para financiá-los.

Tenhamos então em mente que o destino da CPMF não depende da legítima pressão dos contribuintes ou da sua manipulação pela oposição ruborizada dos responsáveis por sua criação. Está “tudo dominado” pelo padrão de financiamento do Estado e da política. Desde a oportunista apropriação da ingênua idéia do “imposto único” (IPMF, 1993), a tributação da movimentação financeira tem sido uma fonte a mais na irrigação de recursos, beneficiando todos desde Itamar Franco, com propósitos nobres, da saúde à erradicação da pobreza, e um destino prosaico: o “caixa único” federal. Nada, nenhuma mudança à vista na velha estrutura do Estado e da política brasileira; também nenhuma mudança no seu padrão de financiamento.

Portanto, no enredo desse filme clássico de hipocrisia, que conta a história geral da tributação, não nos deixemos seduzir pelo apelo pasteurizado de Hollywood. Nós, os contribuintes, os verdadeiros heróis e mocinhos, sempre levamos a pior no final. Os vilões criam impostos, roubam os seus propósitos, trocam de roupa com a oposição e sempre ficam com o final feliz. Dito isso apenas para eliminar qualquer esperança dos desavisados sobre o fim da CPMF, pelo que representa de velho no Brasil.

Convém agora desviar o enfoque para o que a CPMF representa de novo. Superstições, mitos, preconceitos e críticas estridentes à parte, a preservação de um tributo com sua idéia e suas características no complexo sistema tributário brasileiro descortina-se, a cada dia, como mais uma verdade inconveniente a chocar paradigmas entre gerações: a CPMF representando a pós-modernidade tributária; todos os demais tributos do esgotado sistema representando um modelo a ser profundamente repensado.

A invenção de um tributo sobre a movimentação financeira revela a pós-modernidade no contexto contemporâneo da tributação, inclusive pelo seu ceticismo e insegurança. Ao lado da evolução capitalista e da sofisticação tecnológica, que implacavelmente seguem rompendo barreiras, vai a marcha histórica da tributação: os impostos sobre o comércio exterior dominaram o capitalismo mercantilista quando as colônias se prestavam a financiar as cortes européias; os impostos sobre a renda e o patrimônio projetaram-se no século XIX, após a revolução industrial e a sucessiva acumulação de capital durante o lasseiz-faire; e o glamour dos tributos gerais sobre o consumo e das contribuições previdenciárias ocorreu na segunda metade do século XX, sob a influência Estado do bem-estar social, da intensificação das trocas de bens e serviços e do consumo de massa; não parece então razoável compreender a tributação da movimentação financeira como reflexo do seu tempo, marcado por uma profunda revolução tecnológica e pelo impulso do capitalismo financeiro global?

A tributação da movimentação de capitais é a nova fronteira do século XXI. O Brasil está no papel de laboratório do mundo, sob a atenta observação dos países e organizações econômicas do centro financeiro global. Pena que nossa exótica experiência esteja marcada pela desconfiança de origem sobre um imposto travestido de contribuição, falsamente provisório e com recursos desviados de seus fins primários.

Todavia, uma filtragem menos política das suas críticas permitiria concentrá-las na sua técnica de arrecadação, não afetando a originalidade da sua idéia. Distorções na base de cálculo e alíquota, no universo de contribuintes e efeito “cascata”, na regressividade e composição de custos, são todas manejáveis, aperfeiçoáveis, além de não serem debitadas exclusivamente à CPMF, estendendo-se, como regra, a qualquer tributo importante do anacrônico sistema brasileiro. Com algumas diferenças fundamentais: a CPMF é mais simples, tecnologicamente mais eficiente, mais barata no controle e na arrecadação e universal, atingindo a informalidade, razão maior da alta concentração da carga tributária. Há certamente outros tributos piores que podem e devem acabar antes dela.

O século XXI começa com muitas incertezas sobre o planeta e a humanidade, e algumas verdades inconvenientes. Uma delas são os catastróficos efeitos ambientais do aquecimento global advertidos por Al Gore. A proliferação da tributação da movimentação financeira é outra menos conhecida. Benjamin Franklin vaticinou no século XVIII que “nada é mais certo neste mundo do que a morte e os impostos”; no século XXI, a morte e os impostos sobre a movimentação financeira.

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