Duas casas

Direito de filho de brasileiro nascido no exterior

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25 de outubro de 2007, 23h01

No Brasil, a Constituição denominou natos aqueles brasileiros que adquirem a nacionalidade primária, também chamada originária. A nacionalidade primária pode ser estabelecida pelo ius soli (critério territorial), que é aquele determinado pelo local de nascimento, ou pelo ius sanguinis (critério hereditário), quando a aquisição se dá pela ascendência, ou seja, pelo sangue.

De acordo com a Constituição Federal, são brasileiros natos:

1º caso:

— Nascidos no Brasil;

— Excetuam-se os filhos de pais estrangeiros a serviço de seu país de origem.

2º caso:

— Nascidos no estrangeiro, de pai ou mãe brasileiro (não importa se nato ou naturalizado), a serviço do Brasil. Por exemplo, o filho de uma diplomata brasileira a serviço em Cuba.

3º caso:

— Nascidos no estrangeiro, de pai ou mãe brasileiros, desde que:

— sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil;

— optem, em qualquer tempo, após atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal diz que, nesse caso, a nacionalidade é primária, pois existe desde o nascimento, ficando apenas sujeita a uma condição para o seu implemento.

Segundo o STF, a opção pela nacionalidade tem caráter personalíssimo (só pode ser exercida pelo titular do direito), só podendo ser exercida quando o indivíduo adquirir a capacidade civil (ou seja, o menor não pode ser representado ou assistido pelos pais para exercer a opção). Assim sendo, depois de atingir a maioridade civil, a opção passa a ser condição suspensiva da nacionalidade brasileira (ou seja, o direito só vale a partir do implemento da condição). Portanto, o menor, antes da opção, é brasileiro nato, sendo que, após a maioridade, a opção passa a constituir condição para a continuidade do vínculo do indivíduo com o Brasil1. A necessidade da maioridade para a realização da opção foi positivada pela Emenda Constitucional 54/07, que inseriu, ainda a possibilidade de registro em repartição brasileira no exterior.

A redação original do artigo 12, I, “a”, da Constituição Federal era a seguinte:

“os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente, ou venham a residir na República Federativa do Brasil antes da maioridade e, alcançada esta, optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira”.

Com a emenda constitucional de revisão 3/94, passou-se à seguinte redação:

“os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira”.

Eliminou-se, assim, a possibilidade de registro em repartição brasileira no exterior e retirou-se a necessidade de a residência no Brasil se estabelecer antes da maioridade. Com a emenda 54/07, o artigo 12, I, c, da Constituição Federal ficou assim redigido:

“os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira”.

A primeira crítica que se faz, refere-se à redação do dispositivo e decorre do fato de ela permitir uma dupla interpretação. Não é possível saber, com certo grau de certeza, se os requisitos da residência no Brasil e do requerimento da nacionalidade referem-se apenas aos que venham a residir no Brasil ou se aplicam também aos registrados no órgão competente. Imaginemos a seguinte frase: “Eu perdoarei meu marido se ele me der um carro de presente ou trouxer flores e me pedir de joelhos o perdão”. Ora, o marido será obrigado a implorar de joelhos somente se trouxer flores ou também será obrigado a tanto se comprar um carro à esposa? A frase, salvo melhor juízo, permite as duas interpretações. Esse é o mesmo problema verificado na redação da emenda constitucional 54/07.

Fazendo uma leitura paralela entre o atual dispositivo e sua a redação original, chegar-se-ia à conclusão de que o requerimento após a maioridade será exigido tanto daquele que obtenha o registro no consulado, quanto daquele que venha a residir no Brasil. Isso, porque o legislador constituinte, quando quis limitar o requerimento aos que viessem a residir no País, fez inserir uma vírgula após a possibilidade de registro na repartição brasileira. Na redação atual, a vírgula foi suprimida, o que daria a entender que a opção após a residência passou a ser uma exigência aplicada às duas hipóteses. Essa seria a interpretação gramaticalmente correta.

Ocorre que a mesma EC 54/07 inseriu o seguinte dispositivo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias:

“Artigo 95. Os nascidos no estrangeiro entre 7 de junho de 1994 e a data da promulgação desta Emenda Constitucional, filhos de pai brasileiro ou mãe brasileira, poderão ser registrados em repartição diplomática ou consular brasileira competente ou em ofício de registro, se vierem a residir na República Federativa do Brasil.”

A leitura do dispositivo acima faz cair por terra a conclusão a que chegamos pela interpretação gramatical/histórica feita anteriormente. Pela tradição, as normas de transição inseridas no ADCT buscam corrigir injustiças, evitando a existência de situações idênticas que possuam tratamento diferenciado. Partindo dessa premissa, verifica-se que o artigo 95 do ADCT abre a possibilidade de os nascidos após a emenda de revisão 3/94 tornarem-se brasileiros com o registro em repartição diplomática ou consular, sem necessidade de residir no Brasil ou fazer a opção. Além disso, a possibilidade de mero registro em ofício civil demonstra a preocupação do constituinte em proteger aquele que nasceu no estrangeiro e já retornou ao Brasil, sem possibilidade, portanto, de registro consular. Assim, buscou-se evitar que esse indivíduo seja obrigado a aguardar sua maioridade para, então, submeter-se ao processo de opção da nacionalidade.

Se a regra do ADCT busca evitar situações conflituosas, seria ilógico admitir que aqueles nascidos no período previsto no seu artigo 95 pudessem ser registrados como brasileiros sem o processo de opção e os nascidos após a EC 54/07 não tivessem essa possibilidade.

Dessa forma, a única conclusão plausível é a de que o registro perante a autoridade competente é hipótese autônoma, que não exige a realização, após a maioridade, de opção pela nacionalidade brasileira. Basta, portanto, que seja realizado o registro perante a repartição brasileira no exterior para que seja adquirida imediatamente a nacionalidade brasileira originária. Reconhecemos, porém, que o tema ainda merece análises doutrinárias e jurisprudenciais conclusivas.

Nota de rodapé

1- RE 418.096/RS.

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