Tempos modernos

Videoconferência no processo penal deve ser exceção, defende OAB

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25 de outubro de 2007, 16h51

É possível usar a videoconferência para interrogatórios de presos no processo penal. No entanto, o mecanismo deve ser usado em caráter excepcional e não como regra geral. Essa é posição defendida pela Ordem dos Advogados do Brasil e declarada pelo secretário-geral adjunto do Conselho Federal, Alberto Zacharias Toron.

De acordo com a OAB a tecnologia deve ser usada da forma prevista no projeto de lei aprovado (PLS 132/2006), na quarta-feira (24/10), pelo Senado. “Nos casos em que o réu deseja ser ouvido por um juiz e ter o contato presencial com o magistrado, não se pode retirar dele esse direito. A liberdade da manifestação do preso, que é caríssima ao sistema, pode ficar comprometida se o réu não puder, por exemplo, denunciar ao juiz violências que sofreu por parte da polícia ou por agentes penitenciários”, explica Toron.

O advogado defende cautela no uso das videoconferências. Segundo ele, pertencemos a uma geração em que a fala e o contato pessoal são muito importantes, daí a razão de se defender a pessoalidade na entrevista e no interrogatório do réu. “É claro que isso pode ser superado aos poucos, porque há dez anos não se falava por e-mail. Hoje muita coisa se resolve a partir desse meio, principalmente em assuntos comerciais. Acredito que as videoconferências podem ter êxito, mas ela não deve ser implantada como regra, pelo menos não nesse primeiro momento.”

O criminalista descarta a idéia de usar as videoconferências como alternativa para reduzir gastos com o transporte de presos para depoimentos ou oitiva de testemunhas. Para Toron, é dever do Estado processar o acusado, cercando-o de certas garantias. “Não podemos sacrificar garantias dos acusados por conta de custos. O argumento de que o Estado não pode ficar pageando os presos soa como violação à dignidade humana”, critica.

Controvérsias

A questão do interrogatório por videoconferência já rendeu inúmeras discussões nos tribunais de todo o país. Há correntes que incentivam o interrogatório online e há as que repudiam. Mas a discussão revela, principalmente, que a Justiça ainda reluta aos avanços tecnológicos.

O Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiram que o uso do sistema de videoconferência para interrogatório do réu não ofende suas garantias constitucionais. Quando a discussão chegou ao Supremo Tribunal Federal, o entendimento que prevaleceu foi de que a videoconferência viola os direitos e garantias do cidadão.

Na comunidade jurídica, as opiniões também se dividem e revelam que para aceitar a nova lei é preciso uma mudança de mentalidade do Judiciário e da sociedade. “A situação presencial é fundamental no processo penal brasileiro. Não há lei nem espírito para caminhar para o processo totalmente virtual”, considera o advogado criminalista Luiz Guilherme Vieira.

O argumento dos que defendem a videoconferência se baseia em dois pontos: economia processual e segurança pública. A idéia é, ao invés de gastar rios de dinheiro no transporte de presos perigosos, como Fernandinho Beira-Mar, promover o depoimento em linha direta com o preso, que fica no próprio presídio.

Aqueles que rejeitam a videoconferência apontam os riscos que a falta de contato físico entre réu e juiz pode trazer para o preso. “A videoconferência, apresentada sob o manto da modernidade e da economia, revela-se perversa e desumana, pois afasta o acusado da única oportunidade que tem para falar ao seu julgador. Pode ser um enorme sucesso tecnológico, mas configura-se um flagrante desastre humanitário”, afirma o criminalista Luiz Flávio Borges D’Urso, presidente da OAB-SP.

A Aasp (Associação dos Advogados de São Paulo) considera que o réu não pode depor da cadeia porque o ambiente, “pela sua própria natureza e por seus fins, é opressor”. A entidade alerta para o fato de que, na prisão, o acusado pode ser coagido ao depor.

Alexandre Atheniense, presidente da Comissão de Informática da OAB, é contrário à posição da OAB-SP e apóia “amplamente” o interrogatório online. Para ele, a regulamentação seria necessária para determinar uma maneira padrão de colher o depoimento e garantir ao juiz, assim, a sua veracidade, licitude e ausência de qualquer forma de coação.

O projeto de lei que torna obrigatória a videoconferência para interrogatórios de presos em regime fechado foi aprovado pelo Senado, com algumas ressalvas. Se o depoimento não puder ser colhido por videoconferência, a realização será na prisão e não no Fórum em que o processo tramita. Ainda conforme o texto, relatado pelo senador Romeu Tuma (DEM-SP), tanto no caso de videoconferência como interrogatório na unidade prisional, o juiz deve permitir ao acusado entrevista reservada com seu defensor. Caso o detento rejeite o sistema de vídeo, a decisão sobre o uso ou não do instrumento caberá ao juiz do caso.

O projeto, que altera o Código Penal, foi criado pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). Está agora aguardando sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

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