Tributação de coligadas

Empata placar de julgamento no STF sobre tributação de coligadas

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25 de outubro de 2007, 17h21

Está adiado, novamente, o julgamento sobre a constitucionalidade da incidência do Imposto de Renda para empresas coligadas ou controladas no exterior. Nesta quinta-feira (25/10), um novo pedido de vista, no Supremo Tribunal Federal, interrompeu a análise do caso. Desde que o tema começou a ser discutido na Corte, em Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta em 2001, houve quatro pedidos de vista. Desta vez, do ministro Carlos Ayres Britto. A disputa entre contribuinte e Fazenda Nacional está, agora, empatada em três a três.

O julgamento, interrompido desde setembro do ano passado, voltou ao plenário com o voto do ministro Ricardo Lewandowski. Para o ministro, a regra que impõe tributação automática à empresa brasileira sobre o lucro obtido, pela coligada ou controlada no exterior, é inconstitucional e ofende o princípio da proporcionalidade.

Lewandowski teve o mesmo entendimento do ministro Marco Aurélio e do ministro aposentado Sepúlveda Pertence. Eles declararam a inconstitucionalidade do artigo 74, parágrafo único da Medida Provisória 2.158/01, que institui a tributação imediata da controladora no Brasil independentemente dela já ter participado da distribuição dos lucros de suas coligadas ou controladas no exterior. A Ação Direta de Inconstitucionalidade foi proposta pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Segundo Lewandowski, o dispositivo questionado, além de invadir matéria reservada à Lei Complementar, criou, por ficção jurídica, novo fato gerador e, conseqüentemente, nova definição da hipótese de incidência tributária. De acordo com o ministro, na prática, isso implica a instituição de um novo imposto.

“Ainda que se considere que o art. 74 da Medida Provisória 2.158-35 tenha o louvável escopo — ao menos segundo consta das informações — de combater a evasão e a elisão fiscal levada a efeito por meio de empresas localizadas nos chamados “paraísos fiscais”, não há como deixar de constatar, com amparo em Luiz Eduardo Shoueri, que a abrangência do dispositivo é tal que acaba resultando em ofensa ao princípio da proporcionalidade”, afirmou.

A Fazenda Nacional defende que a MP foi uma forma de parar o processo de remessa de lucros de empresas brasileiras para paraísos fiscais, onde a tributação é inexistente. Com a MP, a Receita Federal tentou barrar a prática impondo a tributação antes da distribuição do lucro.

O ex-ministro Nelson Jobim e o ministro Eros Grau votaram pela constitucionalidade da regra. A ministra Ellen Gracie, relatora da ação, conheceu parcialmente do pedido. Ela admitiu a inconstitucionalidade do dispositivo apenas em relação às empresas coligadas.

Segundo a ministra, as coligadas, diferentemente das controladas, têm autonomia em relação à empresa coligada no Brasil. Para a presidente do Supremo, não seria adequado assemelhá-las às filias e sucursais onde se considera o lucro apurado imediatamente disponível. Já as controladas não têm poder de decisão e devem prestar contas às controladoras. A ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha e o ministro Menezes Direito não votam neste caso por terem substituído os ministros Nelson Jobim e Sepúlveda Pertence, respectivamente, que já se manifestaram sobre o tema.

Gustavo do Amaral Martins, advogado da CNI, concedeu entrevista à revista Consultor Jurídico em uma das vezes em que a ação voltou à pauta do Supremo. Ele argumentou que, na prática, a Medida Provisória dificulta a internacionalização das empresas brasileiras. “Não estamos falando de não tributar, mas o momento em que deve ser tributado”, defendeu. De acordo com o advogado, antes da Medida Provisória, o lucro era tributado no momento em que ficava disponibilizado para o sócio ou acionista no Brasil. “O fato gerador do Imposto de Renda é a disponibilidade de renda”, ressaltou.

Para a advogada Ângela Martinelli, tributarista do escritório Celso Botelho de Moraes, “o legislador não pode alterar conceitos, institutos de direito privado para criar ficções jurídicas que desvirtuam os fatos geradores legalmente previstos — renda e lucro — para abarcar o patrimônio”.

ADI 2.588

Leia o voto-vista de Lewandowski

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.588-1 DISTRITO FEDERAL

RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE

REQUERENTE: CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA – CNI

ADVOGADOS: GUSTAVO DO AMARAL MARTINS E OUTROS

REQUERIDO: PRESIDENTE DA REPÚBLICA

REQUERIDO: CONGRESSO NACIONAL

V O T O

(V I S T A)

Senhora Presidente:

Busca-se na presente ação direta, ajuizada pela Confederação Nacional de Indústria (CNI), a declaração de inconstitucionalidade do art. 74, caput e parágrafo único, da Medida Provisória 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, bem como do § 2o do art. 43 do Código Tributário Nacional, acrescentado pela Lei Complementar 104, de 10 de janeiro de 2001.


As normas impugnadas possuem o seguinte teor:

“MP 2.158-35, de 24 de agosto de 2001.

(…)

Art. 74. Para fim de determinação da base de cálculo do imposto de renda e da CSLL, nos termos do art. 25 de Lei no 9.249, de 26 de dezembro de 1995, e do art. 21 desta Medida Provisória, os lucros auferidos por controlada ou coligada no exterior serão considerados disponibilizados para a controladora ou coligada no Brasil na data do balanço no qual tiverem sido apurados, na forma do regulamento.

Parágrafo único. Os lucros apurados por controlada ou coligada no exterior até 31 de dezembro de 2001 serão considerados disponibilizados em 31 de dezembro de 2002, salvo se ocorrida, antes desta data, qualquer das hipóteses de disponibilização previstas na legislação em vigor.”

“Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional).

(…)

Art. 43.

(…)

§ 2o Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo (incluído pela LC 104, de 10 de janeiro de 2001).”

A autora questiona a constitucionalidade dos dispositivos acima transcritos, que determinam a incidência do imposto de renda (IR) e da contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) nos lucros auferidos por empresas controladas ou coligadas no exterior, independentemente destes tornarem-se efetivamente disponíveis para a controladora ou coligada no Brasil.

Para esse fim, a autora enumera, em síntese, as seguintes inconstitucionalidades:

“(i) a violação ao artigo 62 da Constituição, ante a absoluta falta de urgência para justificar o emprego de medida provisória; (ii) violação aos artigos 153, III, e 195, I, c, da Constituição, ante a exigência de imposto e contribuição sobre situação que não configura renda ou lucro; e (iii) violação às alíneas a e b do art 150, III, da Constituição, vez que o parágrafo único do artigo 74 da Medida Provisória atacada pretende tributar lucros acumulados relativos a períodos anteriores à sua edição e também relativos ao mesmo exercício financeiro em que adotada a MP” (fl. 03).

Na Sessão Plenária de 5/2/2003, após o voto da Ministra Ellen Gracie, Relatora, que rejeitava as preliminares e julgava procedente, em parte, o pedido formulado na inicial para declarar a inconstitucionalidade da expressão “ou coligada”, empregada duas vezes no caput do artigo 74 da MP 2.158-35/2001, pediu vista o Ministro Nelson Jobim, impedido o Ministro Gilmar Mendes.

Em 9/12/2004, o então Presidente, Ministro Nelson Jobim, apresentou voto-vista manifestando-se pela improcedência da ação, dando aos dispositivos impugnados interpretação conforme à Constituição, “no sentido de entender que somente estão submetidas ao regime da medida provisória ora sob exame aquelas empresas sujeitas ao Método de Equivalência Patrimonial (MEP)” . Em seguida, pediu vista o Ministro Marco Aurélio.

Na seqüência do julgamento, em 28/9/2006, após o voto-vista do Ministro Marco Aurélio, que julgava procedente a ação, acompanhado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, o qual antecipou o seu voto, pedi vista dos autos, devolvendo-os, agora, para a retomada do julgamento.

Passo a votar.

Inicialmente, verifico que a autora, Confederação Nacional da Indústria (CNI), é entidade sindical de grau superior, que, nos termos do art. 103, IX, da Constituição, apresenta legitimidade ativa para a proposição da presente ação. Constato, ademais, que os dispositivos impugnados afetam os interesses gerais da indústria nacional, razão pela qual se encontra atendido também o requisito da pertinência temática.

Na seqüência, afasto a alegação de ofensa ao art. 62 da Constituição, ante a falta de urgência que justifique a edição da MP 2.158-35/2001. É que, consoante entendimento desta Corte, somente em caso excepcional – que não vislumbro na espécie – pode haver censura jurisdicional ao ato do Executivo, por ausência dos pressupostos de relevância e urgência, porquanto tal avaliação reveste-se de caráter eminentemente político (ADI 1.753/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; ADI 1.397/DF, Rel. Min. Carlos Velloso).

Observo, de resto, que o art. 74 da MP 2.158-35/2001, ora contestado, foi concebido no intuito de “combater a evasão e a elisão fiscal internacional proporcionada pelos estímulos fiscais oferecidos pelos chamados paraísos fiscais” , segundo consta das informações de fls. 234-235.

Rejeito, portanto, as preliminares argüidas.

Quanto ao mérito, assento que, a partir do advento da Lei 9.249/1995, registrou-se substancial inovação no tocante à tributação de lucros e rendimentos auferidos por empresas brasileiras que exercem atividades no exterior por meio de empresas coligadas ou controladas. Esse texto normativo rompeu com a tradição até então observada relativamente à matéria, visto que aboliu o princípio da territorialidade do imposto de renda das pessoas jurídicas, estabelecendo, em seu art. 25, que o momento da disponibilidade dos lucros, para o efeito de tributação, corresponde ao do balanço levantado em 31 de dezembro de cada ano.


Ocorre que essa sistemática foi abandonada, logo em seguida, com a edição da Instrução Normativa 38/1996, a qual fez tabula rasa da referida ficção legal, consignando, em seu artigo 2o, que os lucros auferidos pelas empresas controladas ou coligadas no exterior só seriam havidos como disponíveis quando pagos ou creditados à controladora ou coligada no Brasil. A Lei 9.532/1997, depois, veio a consolidar tal entendimento, em harmonia, aliás, com o disposto no caput do art. 43 do Código Tributário Nacional, verbis:

“O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica.”

A seguir, porém, no intuito de contornar os obstáculos inerentes ao regime de taxação extraterritorial (world wide income taxation), introduziu-se no art. 43 do CTN, por meio da Lei Complementar 104, de 10 de janeiro de 2001, um novo § 2o, de acordo com o qual:

“Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo” (grifo nosso).

Com base nesse novo dispositivo, passou-se a entender que seria possível equiparar, por meio de uma ficção legal, o momento de disponibilização dos lucros ao de sua apuração. Nesse passo, editou-se a MP 2.158-35/2001, que restabeleceu a sistemática do art. 25 da Lei 9.249/1995, de maneira a considerar a data do balanço levantado em 31 de dezembro de cada ano como o momento em que os lucros estariam disponíveis para o efeito de tributação.

Transcrevo novamente o teor do art. 74 da MP 2.158-35/2001, ora impugnado:

“Art. 74. Para fim de determinação da base de cálculo do imposto de renda e da CSLL, nos termos do art. 25 da Lei no 9.249, de 26 de dezembro de 1995, e do art. 21 desta Medida Provisória, os lucros auferidos por controlada ou coligada no exterior serão considerados disponibilizados para a controladora ou coligada no Brasil na data do balanço no qual tiverem sido apurados, na forma do regulamento.

Parágrafo único. Os lucros apurados por controlada ou coligada no exterior até 31 de dezembro de 2001 serão considerados disponibilizados em 31 de dezembro de 2002, salvo se ocorrida, antes desta data, qualquer das hipóteses de disponibilização previstas na legislação em vigor.”

Ora, em questão similar, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 172.058, Relator o Ministro Marco Aurélio, declarou a inconstitucionalidade do art. 35 da Lei 7.713/88, que considerava fato gerador do imposto de renda, na modalidade “desconto na fonte”, relativamente aos acionistas de empresas domiciliadas no Brasil, a simples apuração do lucro líquido pela sociedade na data do encerramento do período-base.

Sem deixar margem a dúvidas, entendeu a Corte, naquele julgamento, que o momento de apuração do lucro na data do balanço não corresponde à sua disponibilidade jurídica ou econômica. Isso porque a destinação do lucro relativamente aos acionistas dependeria de deliberação tomada em Assembléia-Geral.

Na ocasião, o Ministro Carlos Velloso assentou o seguinte:

“A disponibilidade econômica significa a obtenção de renda, significa ingresso real no patrimônio da pessoa, de moeda ou seu equivalente, ou a possibilidade de a pessoa dispor da renda. Já a disponibilidade jurídica significa ou traduz a possibilidade, tendo em vista disposições jurídicas ou contratuais, de o sujeito dispor de uma renda posta a sua disposição.”

Nessa mesma linha, Rubens Gomes de Souza, ao interpretar o art. 43 do CTN, observa que o elemento definidor da renda é a sua disponibilidade pelo titular, esclarecendo que:

“… ’disponibilidade econômica’ corresponde a ´rendimento (ou provento) realizado’, isto é, dinheiro em caixa. E ‘disponibilidade jurídica´ corresponde a ´rendimento (ou provento) adquirido’, isto é, ao qual o beneficiário tem título jurídico que lhe permite obter a respectiva realização em dinheiro.”

A decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal foi, com efeito, extremamente clara no sentido de vedar a tributação de lucros apurados na data do balanço, que não tenham sido ainda efetivamente disponibilizados aos seus titulares.

O STF, no entanto, reconheceu a constitucionalidade do dispositivo questionado quanto aos titulares de empresa individual, visto que a destinação do lucro fica ao sabor de vontade única, e, também, com relação ao sócio cotista, desde que haja previsão no respectivo contrato social de disponibilidade econômica ou jurídica imediata do lucro líquido apurado.

Nessa linha de intelecção, tanto no precedente citado, quanto no caso dos autos, está-se diante de uma exação tributária claramente ilegítima, visto tratar-se da cobrança de imposto de renda sobre lucros ainda não disponibilizados, jurídica ou economicamente, aos contribuintes.


Em seu voto-vista, proferido no caso sob exame, bem observou o Ministro Marco Aurélio que:

“A empresa possuidora de personalidade jurídica não se confunde com outra, pouco importando se tenha a coligação ou o controle, espécies societárias que não levam à simbiose a ponto de, em promiscuidade ímpar, confundir as personalidades no que são próprias.

(…)

O fato gerador do imposto sobre a renda, sob pena de não se poder assentar esta última, é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica, fenômeno sempre concreto e que não pode, à mercê de ficção jurídica extravagante, insuplantável, ser deturpada…”.

Esse é também o ponto de vista de Alberto Xavier, que observa o seguinte:

“O que a lei não pode sem adentrar no terreno da ficção legal é, a pretexto de fixar o momento temporal do fato gerador, definir que ele já se produziu quando a sua produção ainda não teve início ou pode nunca chegar a verificar-se. É precisamente o que ocorre com o fenômeno da apuração do lucro, que é o momento lógico e cronologicamente anterior ao da disponibilização do lucro e que, sendo embora condição necessária não é, porém, suficiente, já que o lucro apurado pode ser capitalizado e jamais devolvido em benefício dos sócios”.

De fato, afigura-se evidente que as empresas controladas ou coligadas no exterior possuem personalidade jurídica que não se confunde com a daquela ostentada pela controladora ou co-irmã sediada no Brasil. Daí segue-se que aquelas empresas estão jungidas, quanto à distribuição dos lucros, ao disposto nos respectivos estatutos sociais e na legislação local, razão pela qual os resultados apurados no exercício nem sempre se encontram à disposição dos acionistas na data da elaboração do balanço anual.

Não se olvide, ademais, que o Brasil é signatário de diversos acordos internacionais, que previnem a dupla tributação em matéria de imposto sobre a renda, tais como o Tratado Brasil-Dinamarca (Decreto 75.106/1974), o Tratado Brasil-Bélgica (Decreto 72.542/1973) e o Tratado Brasil-Luxemburgo (Decreto 85.051/1980).

Convém ressaltar, ainda, que o § 2o do art. 43 do CTN, incluído pela LC 104/2001, ao dispor que a lei estabelecerá as “condições” e o “momento” em que se dará à disponibilidade dos lucros, deve ser interpretado em consonância com o caput do próprio artigo que estabelece como fato gerador do imposto de renda “a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica”.

Nessa linha de raciocínio, sublinha-se que a Lei 9.532/1997, quando dispôs sobre as condições e o momento em que os lucros auferidos no exterior por intermédio de empresas controladas ou coligadas estariam disponíveis para os respectivos acionistas, regulou corretamente a matéria, conforme se vê abaixo:

“Art. 1º Os lucros auferidos no exterior, por intermédio de filiais, sucursais, controladas ou coligadas serão adicionados ao lucro líquido, para determinação do lucro real correspondente ao balanço levantado no dia 31 de dezembro do ano-calendário em que tiverem sido disponibilizados para a pessoa jurídica domiciliada no Brasil.

§ 1º Para efeito do disposto neste artigo, os lucros serão considerados disponibilizados para a empresa no Brasil:

(…)

b) no caso de controlada ou coligada, na data do pagamento ou do crédito em conta representativa de obrigação da empresa no exterior.

(…)

§ 2º Para efeito do disposto na alínea ‘b’ do parágrafo anterior, considera-se:

a) creditado o lucro, quando ocorrer a transferência do registro de seu valor para qualquer conta representativa de passivo exigível da controlada ou coligada domiciliada no exterior;

b) pago o lucro, quando ocorrer:

1. o crédito do valor em conta bancária, em favor da controladora ou coligada no Brasil;

2. a entrega, a qualquer título, a representante da beneficiária;

3. a remessa, em favor da beneficiária, para o Brasil ou para qualquer outra praça;

4. o emprego do valor, em favor da beneficiária, em qualquer praça, inclusive no aumento de capital da controlada ou coligada, domiciliada no exterior.”

Feitas essas ponderações, e considerando que o art. 153, III, da Constituição, confere à União a competência para instituir o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, bem assim que o art. 146, III, a, do texto magno consigna caber à lei complementar o estabelecimento de normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre a definição do fato gerador de imposto, não há como deixar de concluir, data venia, que o art. 74 da MP 2.158-35/2001 invadiu matéria constitucionalmente reservada à lei complementar.

Isso porque criou, mediante lei ordinária, novo fato gerador, equiparando, por meio de uma ficção jurídica, o momento de disponibilização dos lucros ao de sua apuração. Ou seja, nas palavras de Gilberto de Ulhôa Canto, atribuiu “a determinado fato, coisa, pessoa ou situação características ou natureza que no mundo real não existem, nem podem existir”.


Acresce, ainda, que o parágrafo único do art. 74 da MP 2.158-35/2001 violou também os princípios da não-retroatividade e o da anterioridade, estampados no art. 150, III, alíneas a e b, da Constituição, ao estabelecer que:

“Os lucros apurados por controlada ou coligada no exterior até 31 de dezembro de 2001 serão considerados disponibilizados em 31 de dezembro de 2002, salvo se ocorrida, antes da data, qualquer das hipóteses de disponibilização previstas na legislação em vigor.”

Com efeito, o art. 150, III, a, veda a cobrança de tributos “em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado”.

Salta à vista, pois, que o mencionado dispositivo, além de criar, de modo indevido, um novo fato gerador do imposto sobre a renda e da contribuição sobre lucro líquido, passou, de forma igualmente vedada, a cobrá-lo retroativamente.

Esses fatos não passaram despercebidos ao Ministro Marco Aurélio, o qual sublinhou, em seu voto-vista, que

“… foram apanhados, para a incidência da norma, lucros relativos a exercícios anteriores, adentrando-se, por via oblíqua, o campo da criação de fato gerador ou, sem exagero, de verdadeiro tributo retroativo, incompatível com a ordem jurídica …”

Quanto à violação ao princípio da anterioridade, verifico que o art. 150, III, b, da Constituição, proíbe a cobrança de tributos “no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou”. Ocorre, porém, que a Medida Provisória impugnada foi publicada em 27 de julho de 2001, razão pela qual não poderia ser aplicada no mesmo exercício financeiro.

Ressalte-se, ainda, que a referida MP, por não ter sido convertida em lei, também não poderia vigorar no exercício financeiro seguinte, ou seja, em 2002. Isso porque, o § 2º do artigo 62 da Carta Magna, incluído pela Emenda Constitucional 32/2001, estabelece que:

“Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.”

Em resumo, constato que o art. 74, parágrafo único, da MP 2.158-35/2001, além de invadir matéria reservada à lei complementar, a pretexto de apenas alterar o momento da incidência do tributo, criou, por ficção jurídica, novo fato gerador e, conseqüentemente, nova definição da hipótese de incidência tributária, o que implica, na prática, a instituição de um novo imposto. Isso sobre mostrar-se patente a violação aos princípios constitucionais da não-retroatividade e da anterioridade da lei tributária.

Tais aspectos foram muito bem evidenciados no seguinte trecho do voto antecipado do Ministro Sepúlveda Pertence:

“Recusada que fosse a inconstitucionalidade da própria lei complementar e da Medida Provisória 2.158, no seu art. 1o, também me convenci da chapada inconstitucionalidade do seu parágrafo único. Certo é que nela se define, sem limitação temporal, toda a apuração do balanço de sociedades controladas ou coligadas, sediadas no exterior até 2002, como fato gerador do imposto de renda, o que, a não violar a regra de reforçada retroatividade da legislação tributária, implicaria dizer que todo este imaginoso arsenal de legislação que estamos a examinar seria inócuo, porque essa falsa disponibilidade a partir do balanço das empresas sediadas no exterior já seria fato gerador de imposto de renda. Como obviamente não é o que ocorre, certo é que se mandou incidir uma nova definição da hipótese de incidência a fatos anteriores à lei.”

Ainda que se considere que o art. 74 da Medida Provisória 2.158-35 tenha o louvável escopo – ao menos segundo consta das informações – de combater a evasão e a elisão fiscal levada a efeito por meio de empresas localizadas nos chamados “paraísos fiscais”, não há como deixar de constatar, com amparo em Luiz Eduardo Shoueri, que a abrangência do dispositivo é tal que acaba resultando em ofensa ao princípio da proporcionalidade. De fato, diz ele, “a norma atinge, juntamente com os casos de diferimento de tributação por meio de paraísos fiscais, outros investimentos, estes produtivos e em países com tributação normal”.

De tudo o quanto exposto, julgo procedente a presente ação direta para declarar a inconstitucionalidade do art. 74 e seu parágrafo único da Medida Provisória 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, emprestando interpretação conforme à Constituição ao § 2o do art. 43 do Código Tributário Nacional, de maneira a excluir de seu alcance qualquer entendimento que resulte na desconsideração da efetiva disponibilidade econômica ou jurídica da renda para os fins de incidência do imposto correspondente.

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