Tempo ganho

Legislação deveria premiar advogado que age com concisão e clareza

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24 de outubro de 2007, 16h05

Embora tenhamos, nós brasileiros, gasto toneladas de papel discutindo, há bem mais de uma década, o que fazer para melhorar nossa Justiça em termos de rapidez e eficácia, há quem julgue — sou um deles — que o produto final de tanta especulação não corresponde ao esforço despendido. O que de mais de saliente resultou do festival de análises e sugestões foi simplesmente “abandone o prédio que está caindo!”, isto é, sinalizar que a solução está em fugir, como o diabo da cruz, da própria justiça estatal, procurando a “via alternativa”, na forma de arbitragem, conciliação, intermediação e o mais que os americanos, genericamente, denominam ADR (“alternative dispute resolution”).

As ADRs merecem total apoio, claro, mas enquanto persistir a morosidade da justiça estatal — incentivada pela inocente legislação processual — as arbitragens e métodos assemelhados terão sua aplicação restrita, em termos quantitativos. Servem para solucionar aquelas relativamente poucas disputas em que as duas partes estão de boa-fé, cada uma achando, sinceramente, que a culpa cabe à outra. Querem realmente justiça, não apenas se servir da Justiça. Usualmente, trata-se de um mal-entendido entre duas firmas que negociam há algum tempo, querem continuar negociando mas ocorreu um incidente de percurso que precisa ser logo solucionado. Uma pequena “fatia” de demandantes, portanto, que têm pressa e não se incomodam de pagar mais por isso. As ADRs não são baratas e não costumam aceitar a justiça gratuita.

Como ambas as partes querem prosseguir com seus negócios, admitem as soluções alternativas, geralmente levando em conta a maior celeridade. Fosse boa e rápida a justiça estatal, nem pensariam em ADRs, a não ser em casos envolvendo inusitada complexidade e especialização técnica do julgador. Elas servem mais para uma elite — não só financeira como também moral, porque as duas partes estão agindo com honestidade mental.

No entanto, como a vasta maioria das demandas, na área cível e comercial, decorre de inadimplências — falta de pagamento de tributos ou de títulos de crédito, violações de contratos, responsabilidade civil e tudo o mais que implique desembolso financeiro — a parte devedora que está sem dinheiro — ou prefere aplicá-lo de forma mais rendosa que pagando dívidas velhas — não quer saber de ADR. Insiste em utilizar a “justiça economicamente mais vantajosa”, a estatal, que amarrada pela legislação pouco perspicaz, admite infindáveis protelações — principalmente pela via recursal.

Sem grandes ônus porque perdendo o recurso o pior que pode acontecer a continuarem as coisas como estavam antes. Quando o devedor, já cobrado judicialmente, decide aceitar uma “conciliação”, usualmente o faz mediante grande vantagem financeira. Aceita um acordo, mas reduzindo para 60 ou 70 uma dívida de 100. Um “acordo leonino”, tirando proveito da grande lentidão da justiça estatal. Alguns credores, mesmo aceitando o acordo, sentem-se um tanto “chantageados”, forçados a uma escolha difícil e injusta que não deveria existir se o Estado, que recolhe impostos, fizesse a sua parte e fosse eficiente nessa área.

A tática gradativa do legislador, de “comer pelas beiradas”, modificando constantemente a legislação processual, se pode trazer alguma utilidade, tem o inconveniente de dificultar e tumultuar o trabalho dos profissionais, que já nem sabem a quantas andam, pouco valendo sua experiência. Há tanta modificação fragmentária pairando no ar, qual fantasmas, que poucos são os profissionais que podem “jurar” a seus clientes que estão dando o correto passo processual no encaminhamento de seus interesses. O direito material é bem mais fácil de equacionar e autoriza profetizar resultados. O problema está no “como chegar lá”, escapando das armadilhas e minas terrestres procedimentais que podem arrancar a perna do postulante antes que ele chegue ao “miolo” da questão.

O advogado, principalmente, não tem absoluta certeza se o “Código de Processo Civil” que tem em seu escritório, comprado poucos meses atrás, está atualizado até o dia de redigir a petição. Bom para as editoras de códigos, que estão sempre renovando edições; mau para os profissionais do direito.

Um bom e corajoso passo, rumo à celeridade, foi dado pela Lei 11.441/07, permitindo que determinados conflitos possam ser acordados pelas partes em um tabelionato de notas. O único problema é que quem não está disposto a desembolsar dinheiro não abrirá mão do direito de discutir na justiça e nela ganhar tempo.

Vivemos, felizmente, em uma democracia, e todos têm o direito de opinar. Alguns com mais probabilidade de serem ouvidos em razão do cargo ou status profissional. Como faço parte da grande massa anônima — por falta de vocação nunca pensei em ingressar no magistério, faltando-me, portanto, “títulos” —, mas sendo, porém eleitor, tenho, como cidadão, o direito de sugerir as medidas que, a meu ver, resolverão, em boa parte, os problemas da morosidade e eficácia. E resolver sem qualquer aumento de despesa governamental. Pelo contrário, até aliviando o Estado da imensa carga inútil que carrega sem a mínima necessidade.


Cabe ao leitor analisar e concluir — com personalidade, por favor!, confiando no próprio critério, sem se deixar influenciar demais por “autoridades” de qualquer natureza — se as medidas propostas a seguir são, ou não, adequadas e justas. Tais propostas serão sugeridas ao legislador federal.

Penso procurar, primeiramente, o deputado Régis Fernandes de Oliveira, por se tratar de ex-magistrado, que conviveu com o funcionamento real, não hipotético, da máquina judiciária. E isso é muito importante. Gente “de fora” — professores, juristas, legisladores e mesmo advogados — por mais inteligente que sejam — e geralmente são —, costumam ver alguns problemas da justiça de modo muito simplificado, esquemático. Raciocinam com o que vêem — a demora, por exemplo — desconhecendo as verdadeiras razões da deficiência. O esboço do projeto de lei que encaminharei ao ilustre deputado não constará, necessariamente, do presente artigo porque demandaria um espaço inadequado para artigos a serem lidos na internet.

Vejamos a primeira proposta: induzimento a petições mais curtas, sem que a concisão traga prejuízo no que se refere aos honorários advocatícios, fixados pelo juiz em favor da parte que venceu a demanda. Pelo contrário: na proposta, o advogado que for conciso, “matando a questão” em poucas linhas ou páginas, seria premiado com honorários mais altos quando da fixação da verba pelo juiz.

Quem já foi juiz no Brasil sentiu o receio do advogado em usar a concisão — uma grande qualidade num mundo afogado em palavras —, nas suas petições, mesmo prevendo que ganhará a causa. Qual a razão desse receio, se prevê a vitória? É que o juiz, na sentença, “espiando” o diminuto trabalho datilográfico, ou digital, tenderá a reduzir substancialmente o percentual de verba honorária a ser concedida à parte vencedora. “Como?” — parece pensar o juiz — “fixar um percentual alto de honorários, se o patrono escreveu tão pouco?”

De modo geral, os juízes levam em conta o número de folhas apresentadas pelo advogado. Há uma certa valorização do trabalho braçal — ou, no caso, “dedal” — no teclado. E o causídico, sabendo disso, trata de citar “Deus e todo o mundo”, quando a importância econômica da causa é alta. E tende a repetir os argumentos, muito derramados, embora usando outras palavras. Quanto mais grosso e impressionante o calhamaço, maior, provavelmente — conjetura —, o percentual de verba honorária. Dizendo o mesmo de outro modo: é arriscado, hoje, o advogado demonstrar concisamente, em poucas páginas, ou linhas, que é seu cliente que está com a razão. Paradoxalmente, sua concisão vai lhe causar prejuízo financeiro.

Mesmo pensando em impressionar o cliente, o advogado trata de “engordar” as alegações finais, entregando-lhe uma volumosa cópia do seu trabalho escrito. Se o cliente recebe apenas duas ou três páginas, ficará mal impressionado com a “anemia” intelectual do patrono, mesmo ganhando a demanda. Achará que se venceu isso ocorreu porque, afinal, tinha óbvia razão; não porque seu advogado tenha se esforçado para isso. “Na verdade, meu advogado é até meio preguiçoso, mas, apesar dele, ganhei”.

Como são milhões os processos em tramitação no Brasil, é de se imaginar um grande “enxugamento” quantitativo (várias toneladas) de folhas a serem lidas pelos magistrados, com reflexo global na diminuição da lentidão —, o grande problema da justiça brasileira. Como, porém, fazer com que as petições sejam, no geral, concisas, redundando essa concisão em prêmio para os advogados?

A resposta está na alteração do artigo 20, parágrafo 3º do Código de Processo Civil. Diz o artigo que os honorários serão fixados atendidos o grau de zelo do profissional; o lugar de prestação do serviço; a natureza e importância da causa; o “trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço”. É aí que entra a equivocada influência do trabalho “digital” do advogado. Quanto mais tempo escrevendo, mesmo um tanto desnecessariamente, maior o “tempo e o trabalho” a ser levado em conta na a fixação dos honorários pelo juiz.

Para que os juízes valorizassem a concisão, até mesmo por imposição legal — na verdade, ficariam felicíssimos! —, seria extremamente útil que o parágrafo 3º do Código de Processo Civil incluísse, como fator valorativo da verba honorária, a “concisão e clareza” das petições”.

Note-se a necessidade do binômio: “concisão e clareza”, porque um abuso de concisão pode redundar em falta de clareza; uma quase “charada’, o pecado oposto. Em uma demanda de alta complexidade, alegações finais de trinta ou mais páginas podem, mesmo assim, significar concisão. Em lugar de trezentas páginas “esparramadas”, apenas trinta ou quarenta, porque menos do que isso significaria — em caso altamente complexo —, amputar parte substancial da argumentação, necessária para a inteira compreensão do problema em debate.


Enfim, a recomendação de maior concisão nas petições não significa forçar o advogado a escrever pouco — quando o caso, excepcionalmente, exige exposição longa. Significa apenas que o advogado não deve ser forçado a escrever em excesso — “encher lingüiça”, na gíria estudantil de meu tempo — só para impressionar pelo volume de páginas datilografadas ou digitadas.

Outra alteração processual civil que diminuiria enormemente o tempo médio de duração dos processos seria minar a motivação estritamente econômica que leva — a parte que não tem razão —, a utilizar, irresponsavelmente, o vasto arsenal de recursos e medidas protelatórias de igual finalidade (mandados de segurança contra decisões judiciais e agravos regimentais) disponibilizados pela legislação.

O devedor, hoje, no Brasil — principalmente o de grandes somas —, sabe que terá grande vantagem financeira interpondo sucessivos recursos, agravos regimentais e mandados de segurança, mesmo sabendo que não vencerá em nenhum deles. Sabe que os tribunais estão congestionados e os juros devidos no decorrer da demanda são baixos; muito mais baixos que os cobrados por instituições financeiras e agiotas. Assim, por que não esgotar todos os recursos, indo até o STF, mesmo perdendo sempre? Ele faz as contas, verifica quanto vai gastar com custas, advogado e juros.

Em seguida compara com o número provável de anos vai ficar sem pagar seu credor. Muitas vezes conclui que o mais lucrativo é recorrer indefinidamente. Mesmo a decisão final do STF comporta alguns embargos de declaração, impedindo o trânsito em julgado. E se o credor for o Estado, o congestionamento da justiça levará o devedor a esperar o surgimento de algum “Refis”, ou coisa parecida, com diminuição substancial de sua dívida. Tudo isso considerado, por que não recorrer indefinidamente? Se seu advogado for muito “linha dura”, avesso a protelações, mudará de advogado?

Em apertada síntese, se os recurso processuais, no Brasil, fossem utilizados para sua finalidade normal — a correção de uma injustiça — haveria um enorme enxugamento de recursos. E como induzir a parte, que sabe não ter razão, a aceitar, sem recorrer, a decisão judicial contrária a seus interesses? Estabelecendo, a lei processual, que em cada recurso, totalmente improvido, a parte perdedora — credor ou devedor — seja condenada a pagar honorários advocatícios (“sucumbência recursal”) à parte contrária, a menos que o órgão julgador mencionasse, expressamente, no acórdão, que o recurso em questão, mesmo improvido, merecia um novo exame, tendo em vista a complexidade dos fatos ou do direito aplicável. Em suma, quando o recurso tivesse sido interposto de boa-fé.

Sem “mexer no bolso” — a verdadeira sede da alma… — nenhum devedor deixará de recorrer de uma decisão que prejudique suas finanças momentâneas. Sugere-se a “sucumbência recursal” porque não dá para abolir, no geral, os recursos, tendo em vista a possibilidade de erros em julgamentos. Se publicada uma lei, instituindo a “sucumbência recursal”, é provável que centenas ou milhares de recorrentes — que sabem não ter razão, estão apenas ganhando tempo — desistam de seus recursos no prazo da “vacatio legis” — propõe-se 60 dias. Desistindo, nesse prazo, livrar-se-iam da carga honorária que seria provavelmente imposta, se o recurso era fruto da protelação. Melhor a “sucumbência recursal”, de caráter impessoal, quase automática, do que a atual sistemática, prevista no Código de Processo Civil, de o tribunal ter que chamar o protelador de “litigante de má-fé”, para lhe impor uma sanção financeira pela busca da demora, via infindáveis recursos.

Em matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo, de 25 de julho de 2007, pág. A8, o Advogado-geral da União, doutor José Antonio Dias Toffolli, diz que a dívida ativa da União é de seiscentos bilhões de reais. Se o jornal não se enganou, se parte dessa quantia tivesse sido paga, presumo que não haveria tanto precatório aguardando pagamento. E nossa dívida interna seria bem menor — e os juros básicos, fixados pelo Banco Central, também. Se nossa carga fiscal é altíssima, parte dessa situação é devida ao hábito bem brasileiro de servir-se da justiça para não pagar o que deve.

O engraçado é que a “culpa” — por desconhecimento da população — acaba caindo, moralmente, nas costas dos juízes — pessoalmente — e não no volume de recursos interpostos com desvirtuamento de sua finalidade. Como não é possível, nos tribunais, criar duas filas, por ordens de chegada de recurso — uma dos recursos “sérios”, e outra dos “menos sérios”, apenas “para ganhar tempo” — os santos pagam pelos pecadores. Quem tem razão sofre uma imerecida demora e fica falando mal dos juízes.

Em outro artigo prosseguirei mencionando novas sugestões, todas visando o aumento da eficácia na legislação processual.

Como disse, simples direito de qualquer um opinar.

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