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Após um ano, balanço da lei Maria da Penha é positivo

24 de outubro de 2007, 16h32

Por Antonio Baptista Gonçalves

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Pouco mais de um ano se transcorreu desde que a lei 11.343 foi inserida no ordenamento jurídico nacional e o momento é reflexivo.

Afinal, alguns avanços significativos foram alcançados neste ínterim temporal. O primeiro deles fora a perda da competência dos Juizados Especiais em tratarem da violência doméstica.

O beneficio é amplamente sentido já que a agredida não é mais compelida a conviver forçosamente com a banalização da violência perpetrada pela falta de um controle rígido da reincidência pelo agressor; ocasionando o resultado inócuo de uma pena de multa com implicação financeira que, geralmente era fadada à conversão em prestação de serviço à comunidade ou revertida em cestas básicas destinadas à sociedade.

Tal conduta não tinha o condão inibitório e preventivo pretendido pela agredida, visto que uma mulher dificilmente denunciava o seu agressor. Os motivos de convencimento são variados, mas transita entre a mantenedura da unidade familiar, o constrangimento social, a intimidação física e psicológica do marido, o receio de contribuir negativamente para a educação dos filhos, etc.

Quando uma vítima de violência doméstica resolvia enfrentar a árdua tarefa de cessar com a violência não bastava combater seus próprios temores, pois era parte cotidiana da busca por uma proteção também se ver obrigada a enfrentar a resistência das autoridades coatoras e, o pior: a pouca efetividade prática da punição.

A lei Maria da Penha teve um efeito proveitoso porque ao alterar a pena prevista no artigo 129, §9° do Código Penal para três anos o procedimento adotado pelos Juizados automaticamente passou a ser incompatível com o combate à violência, uma vez que tal órgão somente tem sua competência atribuída para delitos infracionais cuja pena máxima não ultrapasse dois anos.

Outro momento de reflexão é a previsão legal do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. O artigo 33 da lei em vigor prevê que enquanto tais Juizados não forem implementados a competência para apreciação de questões decorrentes de violência contra a mulher pertence às varas criminais.

Eis um novo momento reflexivo. Consideramos louvável a iniciativa do legislador em estabelecer um órgão protetivo próprio, no entanto, resta necessário uma detida análise se uma medida repressora penal é a melhor solução para a violência doméstica.

Seria o Direito Penal a seara adequada através do tradicional modelo repressor-ressocializatório para coibir e assegurar a não perpetração da violência doméstica?

Com o condão intimidatório e social do direito penal, no que tange a violência doméstica, o efeito prático pretendido não parece ser alcançado com a perda da liberdade do agressor.

O conceito de ressocialização prisional impinge uma realidade que consiste numa atitude sancionatória do Judiciário com escopo social, no qual o condenado terá, em tese, um período isolado do convívio social para refletir e reavaliar suas atitudes e que assim possa se arrepender e aprender com seus erros e, por conseguinte, possa ser reinserido à sociedade.

No cotidiano brasileiro a efetividade da ressocialização prisional é diminuta e o sistema prisional se encontra inserido numa crise sem precedentes.

Todavia, numa análise utópica de que a ressocialização tivesse índices elevados e que o transgressor, de fato, estivesse apto ao convívio social após o transcurso e exaurimento de sua pena, seria possível a obtenção de sucesso para os casos de violência doméstica?

A resposta é negativa porque o agressor, na maioria das vezes, não possui uma clara noção psicológica de que a sua conduta é nociva à sociedade, a sua esposa, e a si próprio. O ódio progride na mesma velocidade da lembrança da perda da liberdade.

Ademais, a responsável pela perda da liberdade é a mesma da agressão: a sua mulher, companheira ou esposa.

Tal fato acarreta numa incompreensão da conduta praticada e motiva sobremaneira uma impossibilidade de arrependimento e de um convívio social harmonioso.

A recíproca também a genuinamente verdadeira para a vítima, porque a magoa e o ressentimento são sentimentos de difícil superação.

A constatação da falibilidade do direito penal nesta questão enseja uma indagação forçosa: então qual medida deve ser adotada?

Resposta de trato difícil, assim como sua aplicação e efetividade, mas com existência e previsão: justiça restaurativa.

Tal modelo de reparação social prevê uma solução não inibitória e coativa para a agressão, mas sim a busca pelo equilíbrio e harmonia através de um tratamento com profissionais especializados no aspecto psicológico tanto da vítima como do agressor.

A adesão deve ser voluntária e não é adstrita ao binômio agredida agressor, pois pode ser estendida a familiares e vizinhos, com escopo precípuo a recuperação dos laços familiares rompidos.

Os adeptos da teoria tradicional de direito penal vão repelir a aplicabilidade da justiça restaurativa, mas qual mulher não gostaria de poder conviver em paz com seu marido sem os temores da violência a lhe circundar?

Outro efeito positivo da lei foi o reconhecimento da união estável homossexual, através do artigo 5°, parágrafo único.

Uma inovação muito importante na luta dos homossexuais em terem seus direitos civis reconhecidos.

Outrossim, um dos grandes avanços da nova lei é a previsão expressa de que a mulher deve estar acompanhada de um advogado em todos os atos processuais (art. 27). Assim haverá informação e consciência dos atos praticados por ela ao longo do processo.

Ainda existem inúmeras imperfeições a serem corrigidas, mas é inequívoco que a mulher esta melhor protegida se realizado um balanço do primeiro ano da lei de combate à violência doméstica. Oxalá o aperfeiçoamento ocasione novos frutos às mulheres.