Seqüela de assalto

Leia voto de Nancy Andrighi que responsabiliza banco por assalto

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20 de outubro de 2007, 23h00

A responsabilidade pela segurança dentro das agências bancárias é da instituição financeira. O entendimento é da ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça. Ela manteve determinação do Tribunal de Justiça de São Paulo, que condenou o Bradesco a pagar R$ 1,1 milhão a um policial que ficou paralítico depois de um assalto dentro da agência.

Na tentativa de impedir o crime, o policial militar Mário Zan Castro Correia foi atingido com um tiro nas costas pelo vigia da agência, de acordo com os autos. Na época, em 1985, o policial tinha 24 anos. Além de ficar paralítico, ele perdeu 80% dos movimentos dos braços. O vigia trabalhava na empresa de segurança Guarda Patrimonial, que prestava serviços para o Bradesco. Era seu primeiro dia de trabalho. Ele alegou não ter visto o policial militar quando disparou.

O Bradesco alegou que a culpa é exclusiva da vítima. A empresa de segurança negou que os disparos tenham partido da arma portada pelo vigia.

Na Justiça, o policial pediu reparação por danos estéticos e morais, o custeio de seu tratamento nos Estados Unidos durante quatro anos e pensão. A primeira instância negou o pedido. Para a Justiça, os argumentos de Mário Correia foram incompatíveis com as demais provas colhidas no inquérito policial. O juízo desconsiderou o conteúdo dos depoimentos que, no seu entendimento, foram influenciados pelos apelos da imprensa.

O caso seguiu, então, para o Tribunal de Justiça de São Paulo. Os desembargadores entenderam que o vigia era culpado e condenaram o Bradesco a indenizar o policial em três mil salários mínimos, equivalente a R$ 1,1 milhão pelo salário vigente. Além disso, o banco deverá pagar seu tratamento médico e pensão complementar.

A instituição financeira recorreu ao STJ. Alegou que não poderia ser atribuída a ela a culpa pelo incidente. Argumentou que é obrigada, pela legislação que regula o Sistema Financeiro Nacional, a prestar segurança nas agências ou contratar empresa que o faça. “Todas as cautelas que poderiam cercar a contratação foram tomadas, de modo que atribuir a responsabilidade pela eventual falta de treinamento do vigia, treinamento que não lhe compete, mas à empresa de segurança, implicaria responsabilizar a instituição por resultado ao qual não deu causa”, ressaltou a defesa.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, afirmou é do banco a responsabilidade de garantir segurança aos cidadãos que se encontrem no interior das agências. “Ora, reconhecendo que o estabelecimento bancário é intrinsecamente perigoso, a ponto de determinar os procedimentos a serem adotados para a proteção dos que se encontram em suas dependências, não há como deixar de responsabilizar a instituição numa hipótese como a dos autos”, afirmou a ministra.

Ela citou precedentes do STJ atribuindo às instituições financeiras responsabilidade em hipóteses de assaltos a agências bancárias. Um deles (REsp 71.778/RJ) trata exatamente da responsabilidade do banco pelos atos praticados por vigilantes de empresa terceirizada.

A indenização por dano moral foi fixada em R$ 1,1 milhão. O Bradesco também está obrigado a pagar pensão. Contudo, o policial deverá pagar 33% dos honorários advocatícios. O restante deve ser pago pelo banco.

Processo: 2007/0093955-4

Leia o voto da ministra:

RECURSO ESPECIAL Nº 951.514 – SP (2007/0093955-4)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE: GUARDA PATRIMONIAL DE SÃO PAULO SC LTDA

ADVOGADO: PAULO ALVES ESTEVES E OUTRO(S)

RECORRENTE: BANCO BRADESCO S/A

ADVOGADOS: RICARDO TEPEDINO/KEDMA MORAES

RECORRIDO: MÁRIO ZAN CASTRO CORREA

ADVOGADO: MARCUS VINÍCIUS SOARES ARANHA

EMENTA

Direito civil. Reparação do dano moral. Policial militar ferido dentro de agência bancária durante repressão a assalto, tendo sido atingido por tiro proveniente do revólver portado pelo vigia do banco. Treinamento e disponibilização de vigilantes promovidos por empresa terceirizada, e não pela própria instituição financeira. Irrelevância. Responsabilidade do banco. Danos causados ao policial atingido: tetraplegia. Dano de grande monta. Diferença fundamental entre o dano causado por esse tipo de seqüela, que atinge a própria vítima, e o dano moral dos familiares em hipótese de morte de ente querido. Indenização que deve ser fixada em patamar compatível com a dor sofrida pela vítima, e com o potencial econômico da instituição financeira que causou a lesão.

– As agências bancárias apresentam risco inerente à sua atividade, de modo que a Lei prevê de maneira minuciosa os procedimentos de segurança a que estão obrigadas, para resguardar os que se encontram em suas dependências contra a violência decorrente de assaltos.

– Os vigilantes que as instituições são obrigadas, por Lei, a manter em suas agências, podem ser treinados e contratados pelo próprio banco, ou por empresas terceirizadas. De um modo ou de outro, a instituição financeira permanece responsável perante terceiros por todos os danos causados no interior das agências.


– Na hipótese em que um vigilante de empresa terceirizada que trabalha em agência bancária promove disparos desnecessários durante procedimento de repressão a assalto e atinge, inadvertidamente, policial militar que trabalhava no combate ao crime em andamento, o banco deve responder pela lesão.

– A tetraplegia causada ao policial de 24 anos, que transforma inteiramente sua vida e o priva da capacidade para, sozinho, praticar atos simples como o de ir ao banheiro, de alimentar-se, de beber água, de tomar o filho pequeno no colo etc., é grave e não encontra paradigma em hipóteses de falecimento de entes queridos. Quando se indeniza um familiar em decorrência do evento morte, o dano que se visa a reparar é o do sofrimento pela perda de um terceiro, e não a morte, propriamente dita. Já na tetraplegia, é a própria vítima que se busca indenizar.

– A constituição de capital não deve ser cumulada à inclusão da vítima em folha de pagamento. Tendo sido deferida a primeira, é imperioso que se afaste a segunda, sob pena de onerar demasiamente o causador do dano.

Recurso especial conhecido e parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer dos recursos especiais e dar-lhes parcial provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros e Ari Pargendler votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 04 de outubro de 2007.(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Trata-se de recursos especiais interpostos por GUARDA PATRIMONIAL DE SÃO PAULO SC LTDA. e por BANCO BRADESCO S/A, impugnando acórdão proferido pelo TJ/SP no julgamento de recurso de apelação.

Ação: de reparação por danos morais, proposta por MÁRIO ZAN CASTRO CORREIA, policial militar e ora recorrido, em face das recorrentes GUARDA PATRIMONIAL DE SÃO PAULO SC LTDA e BANCO BRADESCO S.A. O fundamento do pedido de indenização é o de que, durante assalto em uma das agências do BANCO BRADESCO em 31/7/85, o autor, que trabalhava na tentativa de impedir o crime, teria sido atingido por disparos provenientes do revólver portado pelo vigia Eduardo Santos de Carvalho, que prestava serviços no BRADESCO como preposto da empresa de segurança GUARDA PATRIMONIAL. Era o primeiro dia de trabalho de tal vigia, que alegou, em depoimento posterior, não ter visto o policial militar quando disparou com sua arma.

O tiro, segundo o relato da inicial, atingiu o autor nas costas, provocando “secção da medula raquiana à altura da 1ª e 2ª vértebras dorsais, resultando perda completa de uso das pernas, e 80% dos membros superiores – quadriplegia – bem como perda total da utilização anal e da urina.”

É requerida reparação pelo dano estético em montante equivalente a 5.000 salários mínimos, “pois o Requerente, antes com uma vida atlética, lutador de artes marciais, com um belo porte físico, teve seu corpo completamente modificado pelo acidente, além de requerer neste item, um tratamento médico nos Estados Unidos, onde encontram-se os melhores médicos e clínicas do mundo, com duração mínima de quatro anos, com todas as despesas pagas, inclusive de um acompanhante, haja vista que o laudo de exame de corpo de delito incluso, datado de mais de dez anos previa quadriplegia, sendo que o Requerente, através de ínfimos tratamentos que realizou, conseguiiu um avanço de 20% dos movimentos dos membros superiores.”

Também requer, o autor, “indenização pecuniária por responsabilidade civil das requeridas por dano moral, no equivalente a 10.000 (dez mil) salários mínimos, haja visto ter sido o requerente agredido em sua intimidade e honra, abrangendo, assim, um atentado à sua reputação, ao seu pudor, à sua segurança e tranqüilidade, às suas afeições e auto estima, e, por fim, a seu amor próprio, pois antes, o requerente era pessoa que tinha uma vida feliz consigo mesmo, com seu trabalho e com sua família, mulher e filho, (…) hoje pessoa impossibilitada dos mais ínfimos gestos, como o de ir ao banheiro sozinho, ou o mais grave em ter relacionamento sexual, para, assim, aumentar sua família, e mesmo, fazer-se sentir homem, vivo.”

Paralelamente aos danos moral e estético, requer “indenização pecuniária por responsabilidade civil das requeridas por lucros cessantes, pois o requerente era soldado da polícia militar do Estado de São Paulo, podendo chegar, no mínimo, ao posto de capitão. Assim, requer as diferenças salariais equivalentes à graduação que exerce, sargento da PM, desde a data dos fatos, até o posto de Capitão da Polícia Militar, até a idade provável de estimativa de vida, de sessenta e cinco anos de idade”.


Em contestação, o BANCO BRADESCO alega ilegitimidade passiva, ausência de nexo de causalidade e culpa exclusiva da vítima. A co-ré GUARDA PATRIMONIAL alega inépcia da inicial e, no mérito, nega que os disparos que atingiram o autor tenham partido da arma portada por seu vigilante. Ambas impugnam o montante dos danos.

Sentença: julgou improcedente o pedido. O fundamento é o de que a prova testemunhal colhida, em que pese amplamente favorável à versão apresentada pelo autor, seria incompatível com as demais provas, colhidas no inquérito policial aberto 14 anos antes. Assim, o MM. Juízo entendeu por bem desconsiderar o conteúdo dos depoimentos, reputando-os influenciados pelos apelos da imprensa e pela compaixão.

Acórdão: deu provimento ao recurso de apelação interposto para o fim de reformar integralmente a sentença. O Tribunal reconheceu a culpa do vigilante contratado pela sociedade GUARDA PATRIMONIAL, ora requerente e, com base nisso, condenou-a e ao BRADESCO a indenizar a vítima dos disparos, tanto pelo dano material, como pelo dano moral experimentados. A indenização a título de dano moral foi fixada em valor equivalente a 3.000 salários-mínimos, mais correção monetária e juros de 1% ao mês. Quanto aos danos materiais, o Tribunal condenou as rés, “a título de pensão, à compementação das verbas remuneratórias recebidas pelo autor, que teve truncada sua carreira em razão do trágico evento”. Foi determinada constituição de capital e acolheu-se o pedido de ressarcimento de despesas com tratamento médico, se comprovadas. Não há ementa.

Embargos de declaração: opostos por GUARDA PATRIMONIAL, rejeitados, e por BRADESCO, acolhidos apenas para o fim de esclarecer que a pensão fixada em favor do autor deve ser paga apenas até a data em que ele completará 65 anos de idade.

Novos embargos de declaração: opostos apenas por GUARDA PATRIMONIAL, desta vez acolhidos pelo Tribunal a quo, meramente para fins de esclarecimento de questão marginal no acórdão recorrido.

Recursos Especiais: interpostos, independentemente, por BRADESCO e por GUARDA PATRIMONIAL, ambos com arrimo nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional.

A GUARDA PATRIMONIAL alega violação:

(i) aos arts. 944 do CC/02 e 5º da LICC, com fundamento em que não foi razoável a fixação da reparação do dano moral causado à vítima em 3.000 salários mínimos. Segundo argumenta a recorrente, com a atualização monetária e incidência de juros nos termos fixados pelo acórdão, esse valor, convertido em moeda corrente, giraria em torno dos R$ 3.000.000,00;

(ii) ao art. 620 do CPC, porquanto a determinação, feita pelo acórdão recorrido, de constituição de capital para garantia do pagamento da pensão mensal fixada em favor da vítima, somada à determinação de sua inclusão em folha de pagamento, implica exagero;

(iii) arts. 1.062 do CC/16 e 6º da LICC, porque o Tribunal a quo fixou os juros moratórios, a partir do ato ilícito, em 1% ao mês, contrariando a legislação vigente à época, que os limitava em 0,5% ao mês.

O recurso também foi fundamentado por dissídio jurisprudencial.

O BRADESCO, em seu recurso, alega violação:

(i) aos arts. 1.523 do CC/16, porquanto não houve negligência ou imprudência do Banco ao contratar a empresa GUARDA PATRIMONIAL, que gozava de ampla reputação no mercado. Disso decorreria que não se pode responsabilizar a instituição financeira com fundamento na culpa in eligendo;

(ii) e 1.062, do CC/16, também pela estipulação de juros moratórios de 1% ao mês;

(ii) art. 21, parágrafo único, do CPC, pelo estabelecimento de sucumbência recíproca.

Com relação ao montante fixado para a reparação do dano moral, o BRADESCO também alega divergência entre o acórdão recorrido e dois outros acórdãos: um, proveniente do STJ, que julgou o REsp 250.979/SP, e o outro do TJ/RS, que julgou a apelação cível nº 70000269050.

Ainda pela divergência, sustenta que o acórdão recorrido, quanto aos juros, divergiu do precedente formado a partir do julgamento do REsp 294.070/PR.

Os recursos especiais foram admitidos na origem, pela alínea “c” do permissivo constitucional.

Medida cautelar: Após interposto o recurso, a recorrente GUARDA PATRIMONIAL propôs medida cautelar visando a atribuir-lhe efeito suspensivo. Distribuída à minha relatoria sob o número 12.052/SP, deferi o pedido liminar por decisão assim ementada:

“Medida cautelar. Recurso especial. Disparo com arma de fogo no interior de agência bancária, durante repressão a assalto, atingindo policial militar. Vítima que se torna paralítica após o acidente. Disparo proveniente do revólver portado pelo vigia contratado por empresa de segurança, que prestava serviços no estabelecimento bancário. Indenização pelo dano moral fixada em três mil salários mínimos. Indenização por dano material determinada na forma de pensionamento. Recurso especial interposto visando a impugnar a decisão em ambos os aspectos. Medida cautelar visando a atribuir efeito suspensivo a esse recurso especial. Deferimento unicamente quanto ao capítulo relativo ao dano moral.

— É possível ao STJ rever a fixação do dano moral pelo Tribunal a quo nas hipóteses de evidente exagero ou de valor ínfimo. A fixação do dano moral no patamar de 3.000 salários mínimos, em princípio, encontra-se desconforme à jurisprudência consolidada do STJ quanto à matéria.

— Presentes os requisitos da aparência do direito e do perigo de demora na concessão da medida pleiteada, defere-se liminarmente a suspensão dos efeitos do acórdão recorrido mediante recurso especial.

— Na hipótese dos autos, todavia, essa suspensão deve ficar restrita à parcela da decisão relativa aos danos morais fixados. Todo o restante do acórdão deve permanecer eficaz, podendo, inclusive, ser objeto de liquidação de sentença ou de execução provisória, conforme o caso.

Medida liminar parcialmente deferida.”


É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

I – Delimitação da controvérsia

O presente recurso discute indenização por danos material e moral decorrentes de tiro recebido pelo recorrido, policial militar, disparado pelo vigia de agência bancária na qual ambos atuavam na tentativa de impedir crime em andamento. Do tiro decorreu a paralização dos membros inferiores da vítima, a perda de toda sua capacidade de contenção de urina e fezes e redução de 80% dos movimentos de seus braços. As seqüelas do incidente perduram já há vinte anos e não há notícia de que sejam reversíveis.

É necessário definir, nesta sede: (i) se o Banco pode ser responsabilizado pelo incidente ou se tal responsabilidade é apenas da empresa de segurança, já que ela foi contratada pela instituição justamente para fornecer vigilantes treinados e qualificados; (ii) se é razoável a fixação de dano moral para a vítima no montante de 3.000 salários mínimos, dadas as peculiaridades da espécie; (iii) se é exagerada a determinação cumulativa de constituição de capital e inclusão em folha de pagamento, para a pensão mensal; (iv) se os juros na hipótese de ato ilícito podem ser fixados em 1% ao mês; (v) se está correto o critério adotado pelo Tribunal ao estabelecer a sucumbência.

Para o julgamento deste recurso, será enfrentada, em primeiro lugar, a questão da alegação de ausência de culpa in eligendo do BRADESCO, porquanto, em que pese não se tratar propriamente de matéria preliminar, é questão que influenciará no interesse dessa instituição quanto a todos os demais temas a serem abordados, relativos ao mérito do recurso. Após, serão enfrentadas, primeiramente, as questões conjuntamente abordadas nos recursos de ambas as rés e, finalmente, as matérias peculiares a cada um deles.

II – Ausência de culpa do BRADESCO – Art. 1.523 do CC/16

O BRADESCO alega, em seu recurso, que não poderia ser imputada a ele culpa pelo incidente. Diz que é obrigado, pela legislação que regula o Sistema Financeiro Nacional, a prestar segurança nas agências ou contratar empresa que o faça. Assim, optou por contratar uma empresa de tradição no mercado. Todas as cautelas que poderiam cercar essa contratação foram tomadas, de modo que imputar-lhe responsabilidade pela eventual falta de treinamento do vigilante, treinamento esse que não lhe compete mas à empresa de segurança, implicaria responsabilizá-lo por resultado ao qual não deu causa.

Em que pesem os argumentos desenvolvidos pelo recorrente, não é possível acolher sua irresignação. A atividade bancária contém um risco inerente, por envolver a guarda e movimentação de altos valores em dinheiro. Essa circunstância é reconhecida de maneira expressa pela Lei nº 7.102/83, que determina, em seu art. 3º:

Art. 3º.A vigilância ostensiva e o transporte de valores serão executados:

I – por empresa especializada contratada; ou

II – pelo próprio estabelecimento financeiro, desde que organizado e preparado para tal fim, e com pessoal próprio.

Parágrafo único – Nos estabelecimentos financeiros federais ou estaduais, o serviço de vigilância ostensiva poderá ser desempenhado pelas Policias Militares, a critério do Governo do respectivo Estado, Território ou Distrito Federal.

(transcrição da lei com a redação vigente à época dos fatos sub judice)

Como se vê, a responsabilidade pela segurança dentro das agências é imputada à própria instituição financeira, que poderá promovê-la com pessoal próprio, desde que treinado, ou mediante terceirização. Mas, de uma forma ou de outra, é sempre do Banco a responsabilidade final por garantir segurança aos cidadãos que se encontrem no interior das agências.

Ora, reconhecendo a Lei que o estabelecimento bancário é intrinsecamente perigoso, a ponto de determinar, em detalhes, os procedimentos a serem adotados para a proteção dos que se encontram em suas dependências, não há como deixar de responsabilizar a instituição numa hipótese como a dos autos. Há diversos precedentes, no STJ, imputando às instituições financeiras responsabilidade em hipóteses de assaltos a agências bancárias. Um deles, inclusive, trata exatamente da responsabilidade do Banco pelos atos praticados por vigilantes de empresa terceirizada. Trata-se do REsp nº 71.778/RJ (3ª Turma. Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ de 1º/7/1996), assim ementado:

“CONTESTAÇÃO – IMPUGNAÇÃO ESPECIFICA.

ADMITINDO O REU QUE EFETIVAMENTE SE VERIFICARAM OS FATOS ALEGADOS, MAS DE FORMA DIVERSA DO APRESENTADO PELO AUTOR, CUMPRE-LHE EXPLICITAR COMO TERIAM OCORRIDO, NÃO BASTANDO, PARA ATENDER AO ARTIGO 302 DO CPC, A GENERICA AFIRMAÇÃO DE QUE SE PASSARAM DE MODO DIFERENTE. ATO LESIVO CULPOSAMENTE PRATICADO POR PESSOA ENCARREGADA DE VIGILANCIA DE ESTABELECIMENTO BANCARIO. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA PROPRIETARIA DESSE, PRESUMINDO-SE A CULPA, EMBORA O AUTOR DO ATO SEJA EMPREGADO DE TERCEIRO QUE PRESTA SERVIÇOS DE SEGURANÇA AO BANCO. DANO ESTETICO. EM SI MESMO CONSIDERADO, ABSTRAINDO-SE DE EVENTUAIS REPERCUSSÕES PATRIMONIAIS, QUE COMO TAL HAVERÃO DE SER RESSARCIDAS, CONSTITUI MODALIDADE DE DANO MORAL.”


Assim, fica rejeitada a alegação de ofensa ao art. 1.523 do CC/16. O BRADESCO é solidariamente responsável pela indenização dos danos descritos na inicial.

Vale notar que a circunstância de o assalto não ter sido promovido na agência bancária, mas em estabelecimento próximo, não modifica esta conclusão. O crime ainda estava em andamento e, ao entrar na agência bancária, o criminoso estava sob a tutela da instituição financeira, controlado pelos vigilantes do banco e pela polícia militar. A imperícia do vigilante, que na repressão do assalto causou a lesão ao policial, não foi determinada pelo local em que o crime se iniciou, mas a seu treinamento insuficiente. Portanto, de um modo ou de outro, a responsabilidade pelo fato ocorrido na agência bancária é, perante o lesado, também do BRADESCO.

III – Matérias comuns aos dois recursos

Feita a análise preliminar da responsabilidade do Banco, pode-se passar ao julgamento das matérias concomitantemente alegadas nos recursos do co-réu BRADESCO e da co-ré GUARDA PATRIMONIAL.

III.a) A reparação do dano moral

Como já mencionado na Medida Cautelar nº 12.052/SP, que antecedeu este recurso, é cediço que o montante fixado pelo Tribunal a quo para a reparação do dano moral somente pode ser revisado nesta sede na hipótese de evidente exagero ou de excessiva moderação na sua fixação. Nesse sentido, podem ser citados, por todos, os seguintes precedentes: (i) para a redução da indenização fixada em patamar exagerado, REsp nº 796.808/RN (1ª Turma, Rel. Min. Denise Arruda, DJ de 1º/6/2006); REsp nº 783.644/PE (4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ de 19/12/2005) e REsp nº 740.441 (3ª Turma, de minha relatoria, DJ de 1º/7/2005), entre outros; (ii) para o aumento de da indenização fixada em valor irrisório, REsp nº 710.879/MG (3ª Turma, de minha relatoria, DJ de 19/6/2006) e REsp nº 173.927/AP (3ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho, DJ de 19/5/2005), entre outros.

Fora dessas hipóteses, o STJ tem sempre entendido que rever o critério de fixação para os danos dessa natureza implicaria em revolvimento de matéria fático-probatória, que esbarraria no óbice da Súmula 7 desta Corte.

Na análise preliminar que fiz da controvérsia, por ocasião do deferimento da medida liminar pleiteada em ação cautelar, entendi por bem suspender a decisão recorrida por considerar, prima facie, exagerado o montante de 3.000 salários mínimos para a indenização por dano moral. Naquela oportunidade, teci as seguintes considerações:

“Na hipótese dos autos, pela análise perfunctória que é dado a esta relatora fazer em sede cautelar, o valor da indenização por dano moral não está conforme os padrões adotados pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, mesmo tendo em vista a gravidade da lesão causada à vítima. Com efeito, mesmo em hipóteses de falecimento da vítima, as indenizações concedidas nesta sede jamais atingem o patamar fixado pelo Tribunal a quo, de mais de um milhão de reais. Nesse sentido, podem ser citados os seguintes precedentes: REsp nº 659.420/PB, de minha relatoria, DJ de 1º/2/2005; REsp nº 742.175/GO, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 6/2/2006; REsp nº 721.091/SP, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ de 1º/2/2006; REsp nº 687.567/RS, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 28/6/2005; REsp nº 469.867/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 14/11/2005; REsp nº 710.335/RJ, Rel. Min. César Asfor Rocha, DJ de 10/10/2005; entre outros.

Disso decorre que, conforme argumenta a requerente, são, de fato, muito relevantes os questionamentos por ela levantados em seu recurso especial que, quanto a este aspecto, especificamente, apresenta uma razoável probabilidade de êxito. Presente, portanto, ao menos em princípio, o requisito do fumus boni iuris para o deferimento da medida liminar pleiteada.”

Refletindo melhor, entendo que uma ponderação deve ser feita. A comparação a partir da qual se parte, no momento de fixar o montante da reparação do dano moral, é, na maioria das vezes, a mesma: a morte, como resultado máximo de uma lesão. Como é cediço, a vida é o principal bem de todo o ser humano e sua proteção tem prioridade absoluta.

A defesa da vida como bem maior, porém, nos momentos em se discute o dano moral, é um paradigma equivocado. Isso porque a indenização em decorrência de morte, na verdade não é fixada para a vítima, que irreparavelmente se perdeu, mas para seus familiares. Portanto, a dor que é reparada, não é a que decorre da morte, mas da perda de um ente querido. Não há dúvidas da intensidade dessa dor. Mas é imperioso que ela seja corretamente qualificada.

Na hipótese dos autos, diferentemente dos casos de morte, é à própria vítima do evento que se visa reparar. O próprio policial que passou, num instante, de jovem com 24 anos, saudável, forte, pai de família e com todo o futuro pela frente, a pessoa portadora de necessidades especiais, sem poder mover suas pernas, mal podendo mover os braços e sem a capacidade para, sozinho, lidar até mesmo com sua higiene pessoal. Nesta hipótese, toda a sua vida, da forma como a conhecera, modificou-se. Não seria correto falar em perda de dignidade, ou de redução em sua condição de homem, como muitas vezes se vê argüido na petição inicial. Mas qualquer cidadão fisicamente saudável pode imaginar o tamanho do impacto psicológico para um jovem de 24 anos que causa a constatação de que jamais poderá acompanhar seu filho pequeno a um jogo de futebol. Que não o tomará mais nos braços. Que não terá mais preservada sua intimidade sequer para ir ao banheiro. Que dependerá, para sempre, da boa vontade das pessoas próximas até mesmo para se alimentar.


Não é despropositado dizer que a aflição causada a essa vítima, ao próprio acidentado, não pode ser comparada, em termos de grandeza, com a perda de um ente querido. Para a morte dos que nos são próximos, estamos, sempre, de um modo ou de outro, preparados.

A morte de nossos pais, de nossos irmãos, por mais dolorida que seja, por mais que deixe seqüelas para sempre, não é, ao menos necessariamente, tão limitadora quanto a abrupta perda de todos os movimentos, capacidade sexual e controle sobre as funções urinárias e intestinais. O cidadão também se acostuma a esta nova condição. Mas sua vida estará, tanto do ponto de vista subjetivo, como do ponto de vista objetivo, irremediavelmente modificada.

Da mesma forma, não é possível medir a dor dos familiares próximos do acidentado, ao vê-lo naquela condição. A esposa, que dele cuidará todos os dias, que igualmente limitará sua vida e que também terá de aceitar uma nova condição; o filho pequeno, que tem em seu pai um forte paradigma, diante da necessidade de aceitar a sua absoluta dependência; todos sofrem demasiadamente. Para todos os envolvidos, portanto, a situação é grave, ainda que dela seja possível extrair importantes lições de superação, de companheirismo, de compaixão, e de humanidade que o convívio com um portador de necessidades especiais desperta.

Não creio que, numa hipótese como esta, seja razoável reduzir a indenização fixada para os patamares usualmente praticados por esta Corte para ilícitos dos quais decorre a morte da vítima. O potencial econômico de um dos réus – que sabidamente é a maior instituição financeira privada do país – somado à profunda gravidade da lesão, recomendam que, deste caso, faça-se um julgamento exemplar.

É importante notar que a tese da recorrente GUARDA PATRIMONIAL, de que a demora na propositura da ação deveria provocar a redução da indenização a ser paga, também não poderá ser acolhida. Isso porque esta Terceira Turma já afastou tal argumento por ocasião do julgamento do REsp nr. 810.924/RJ, de minha relatoria, DJ de 18/12/2006, cuja ementa se transcreve:

Direito civil. Dano moral. Demora na propositura da ação. Irrelevância. Pedido de condenação a pagamento de pensão por morte. Vítima aposentada. Transferência do benefício à esposa. Irrelevância. Possibilidade de condenação do causador do dano a indenizar o valor percebido pela vítima, em vida, para além do valor de sua aposentadoria, por trabalhos paralelamente desempenhados. Honorários advocatícios. Revisão.

— A demora da parte na propositura da ação visando à reparação por dano moral pela morte de ente querido não pode ser tomada como causa para a diminuição da reparação a ser fixada.. Todavia, pelas peculiaridades da espécie, não é necessário alterar o valor da remuneração fixada pelo Tribunal.

(…)

Revisando meu posicionamento anterior, portanto (posicionamento esse, frise-se, decorrente da análise superficial que foi possível fazer dos elementos do processo em sede cautelar), entendo ser a medida da melhor justiça manter o montante da reparação. Todavia, tendo em vista os reiterados precedentes, inclusive do STF, no sentido de vedar a fixação da indenização em salários mínimos, converto-a, nesta data, ao montante de R$ 1.140.000,00 (um milhão, cento e quarenta mil reais). Tal valor deverá atualizado monetariamente pelo IPC a partir desta Seção.

II.b) Juros

Os juros incidentes sobre o valor da reparação do dano moral sofrido pelo autor foram fixados pelo Tribunal a quo em 1% sobre o montante a ser pago, contados a partir do ato ilícito. Quanto ao dano material (despesas comprovadas com tratamento e complementação de remuneração) os juros foram fixados no mesmo patamar, porém contados a partir do vencimento de cada despesa a ser reembolsada.

Os recorrentes, neste ponto, afirmam que, tendo em vista que à época dos fatos vigia o Código Civil de 1916, e não o CC/2002, os juros não poderiam ser fixados em patamar superior ao de 0,5% ao mês, previsto no art. 1.062.

A orientação recentemente adotada pelo STJ para a questão dá parcial razão a eles. Com efeito, nesta Corte prevalece o entendimento de que os juros, quando não pactuados, devem ser fixados em 0,5% ao mês, conforme art. art. 1.062 do CC/16, enquanto vigente esse Código, e em 1% ao mês após o início da vigência do CC/02.

Nesse sentido é o precedente formado a partir do julgamento do REsp nº 661.421/CE (Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3ª Turma, DJ de 26/9/2005), e posteriormente, a tese defendida nos diversos julgados que o seguiram, do que são exemplos o AgRg. no Ag nº 846.468 (Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 3ª Turma, DJ de 27/8/2007), o REsp 778.568/RS (Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3ª Turma, DJ de 13/2/2006) ou o REsp nº 748.559/RS (de minha relatoria, 3ª Turma, DJ de 5/2/2007), entre outros.


O dies a quo da incidência da referida taxa deve ser fixado nos termos da Súmula nº 54/STJ, ou seja, a partir da prática do ato ilícito. A correção monetária das parcelas cujo ressarcimento foi determinado, a título de dano material, deve incidir a partir de cada desembolso. Já com relação ao dano moral, tendo sido ele fixado na data desta sessão, é a partir dela que sua correção monetária deverá ocorrer.

Portanto, neste aspecto merece parcial provimento o recurso especial, nos termos expostos acima.

IV – Questões exclusivas de cada recurso

Tendo sido enfrentadas e decididas as questões comuns a ambos os recursos especiais, passa-se a tratar das que são alegadas exclusivamente em cada um deles, iniciando-se pelo recurso especial interposto pela co-Ré GUARDA PATRIMONIAL.

IV.1) Recurso especial de GUARDA PATRIMONIAL

IV.1.a) Cumulação entre a constituição de capital e a inclusão em folha (art. 602 do CPC)

O acórdão recorrido determinou a constituição de capital, pelas rés, cumulada à inclusão do autor em folha de pagamento, de modo a garantir-lhe da forma mais ampla possível o recebimento da pensão mensal determinada. A recorrente GUARDA PATRIMONIAL alega que, com isso, ofendeu-se o art. 602 do CPC, que, com a redação vigente à época da interposição do recurso especial, determinava:

“Art. 602. Toda vez que a indenização por ato ilícito incluir prestação de alimentos, o juiz, quanto a esta parte, condenará o devedor a constituir um capital, cuja renda assegure o seu cabal cumprimento.

§1º Este capital, representado por imóveis ou por títulos da dívida pública, será inalienável e impenhorável:

I – durante a vida da vítima;

II – falecendo a vítima em conseqüência de ato ilícito, enquanto durar a obrigação do devedor.

§2º O juiz poderá substituir a constituição do capital por caução fidejussória, que será prestada na forma dos arts. 829 e segs.

§3º Se, fixada a prestação de alimentos, sobrevier modificação nas condições econômicas, poderá a parte pedir ao juiz, conforme as circunstâncias, redução ou aumento do encargo.

§4º Cessada a obrigação de prestar alimentos, o juiz mandará, conforme o caso, cancelar a cláusula de inalienabilidade e impenhorabilidade ou exonerar da caução o devedor.

No acórdão recorrido, a condenação contra a qual se insurge a recorrente está fixada com as seguintes palavras:

“Arcarão os réus com a diferença entre o valor que o autor recebe e aquele que viria a receber com a progressão na carreira pelo critério de antiguidade, enquanto viver, pois se hoje não tem condição de exercer plenamente a atividade que desempenhava antes do evento lesivo, muito menos a terá com o decorrer do tempo. Para garantia do pagamento das verbas devidas a título de pensão, deverão os réus proceder à sua inclusão na folha de pagamento e constituir capital cuja renda assegure seu cumprimento.”

Por esse trecho se vê que, apesar de não haver menção expressa ao art. 602 do CPC, seu prequestionamento se encontra implícito. Com efeito, é essa a norma que dá fundamento à determinação de constituição de capital, que, no aresto, veio cumulada com a determinação de que seja o autor incluído na folha de pagamento das rés.

Neste ponto, é importante frisar que a questão, como já dito, é regulada pelas normas processuais conforme vigiam antes da reforma promovida pelas Leis nºs 11.187/2005 e 11.232/2005. Àquela época, era pacífico o entendimento desta Corte no sentido de que “em ação de indenização, procedente o pedido, é necessária a constituição de capital ou caução fidejussória para a garantia de pagamento da pensão, independentemente da situação financeira do demandado.” (Súmula 313/STJ) Assim, mesmo a inclusão do beneficiário em folha de pagamento não poderia dispensar a prestação da garantia. Nesse sentido, cite-se, por todos, o seguinte precedente, proveniente da Segunda Seção do STJ (REsp 302.304/RJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 2/9/2002):

“Ação de indenização. Empresa privada concessionária de serviços públicos. Constituição de capital. Precedentes da Corte.

1. Diante da realidade da economia dos nossos dias, não há razão suficiente para substituir a constituição de capital prevista no art. 602 do Código de Processo Civil pela inclusão em folha de pagamento.

2. Recurso especial conhecido, mas desprovido.”

Essa orientação vinha, no panorama legislativo anterior, sendo reiteradamente aplicada por esta Corte, do que são exemplos o REsp 600.800/SP (3ª Turma, Rel. Min. Castro Filho, DJ de 1º/7/2004); REsp 493.974/MG (3ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 16/2/2004), entre outros.

O fundamento pelo qual não se admita a substituição da constituição de capital pela inclusão em folha de pagamento era o de que “é temerário, em face da celeridade das variações e das incertezas econômicas do mundo de hoje, asseverar que uma empresa particular, por sólida e confortável que seja a sua situação atual, nela seguramente permanecerá, por longo prazo, com o mesmo status econômico com que presentemente possa ela se encontrar” (Conforme trecho extraído do voto proferido pelo i. Min. Carlos Alberto Menezes Direito no julgamento do já citado REsp nº 302.304/RJ).


Nenhuma controvérsia mais se estabeleceu sobre esse assunto após a pacificação do posicionamento da Segunda Seção.

Todavia, com a recente Reforma Processual essa discussão provavelmente terá de ser reaberta. É que a inclusão em folha de pagamento adquiriu, agora por força de dispositivo expresso na lei, a característica substitutiva que havia perdido pela citada interpretação jurisprudencial. Com efeito, o atual art. 475-Q, §2º, do CPC, com a redação que lhe deu a Lei nº 11.232/2005, dispõe expressamente:

“Art. 475-Q. Quando a indenização por ato ilícito incluir prestação de alimentos, o juiz, quanto a esta parte, poderá ordenar ao devedor constituição de capital, cuja renda assegure o pagamento do valor mensal da pensão.

(…)

§ 2o O juiz poderá substituir a constituição do capital pela inclusão do beneficiário da prestação em folha de pagamento de entidade de direito público ou de empresa de direito privado de notória capacidade econômica, ou, a requerimento do devedor, por fiança bancária ou garantia real, em valor a ser arbitrado de imediato pelo juiz. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

Ora, com a mudança da Lei, a tal celeridade e as tais incertezas do mundo contemporâneo, que eram mencionadas como fundamento para a impossibilidade de substituição, não foram suficientes para impedir o legislador de prevê-la.

Essa reflexão deverá inevitavelmente ser feita por ocasião do julgamento de um processo no qual o pedido de substituição da constituição de capital pela inclusão em folha seja formulado, já sob a regência do novo art. 475-Q, do CPC. Por ora, entretanto, o julgamento deve se reportar à norma conforme vigente à época em que foi proferido o acórdão recorrido, de modo que é imperioso que se mantenha o posicionamento anterior do STJ: a constituição de capital não poderá ser dispensada.

A cumulação das duas garantias (constituição de capital e inclusão em folha), porém, determinada pelo acórdão recorrido, não pode ser mantida. Se já será garantida a indenização pela manutenção de bens suficientes a pagar, com seu rendimento, o valor devido à vítima, incluí-la também em folha de pagamento é medida desnecessária e demasiadamente onerosa para a instituição financeira. Tal medida fica, portanto, afastada.

IV.2) O recurso especial de BRADESCO

No recurso interposto pelo BRADESCO, há duas questões exclusivamente abordadas: a primeira, que diz respeito à ausência de culpa da instituição ao contratar empresa de segurança, já foi abordada no preâmbulo deste recurso. A segunda, relativa à sucumbência fixada pelo Tribunal, passa a ser enfrentada agora.

Segundo o recorrente, “o acórdão recorrido, ao carrear integralmente os ônus da sucumbência aos réus, mesmo tendo sido julgada parcialmente procedente a ação, violou o parágrafo único do art. 21 do CPC – ao aplicá-lo a uma situação em que não era aplicável – e, ao mesmo tempo, o caput do mencionado artigo, ao afastar a sua incidência quando a mesma era impositiva”.

Tendo em vista o parcial provimento que se dará a este recurso especial no que diz respeito à cumulação entre a constituição de capital e a inclusão do autor em folha de pagamento, não há sentido em analisar se há, ou não, ofensa à lei no momento em que o acórdão fixou a sucumbência. Essa verba terá de ser, novamente, fixada nesta sede, com fundamento nos novos parâmetros da condenação.

Os pedidos formulados pelo autor em sua petição inicial foram os seguintes:

(i) reparação do dano estético e moral;

(ii) o custeio de tratamento nos Estados Unidos da América, para o autor e um acompanhante, por período mínimo de quatro anos;

(iii) complementação das pensões para que elas reflitam a progressão que o autor poderia ter em sua carreira como policial.

Ao final, contando-se o resultado deste recurso especial, o autor obteve:

(i) reparação do dano moral no montante de 3.000 salários-mínimos, porém convertidos na data deste julgamento;

(ii) complementação de pensões como reflexo de sua provável progressão na carreira;

(iii) ressarcimento de despesas médicas;

(iv) constituição de capital, sem a inclusão de seu nome em folha de pagamento.

Como se nota, o autor sucumbiu em apenas um dos pedidos que formulou, de modo que os honorários advocatícios fixados pelo Tribunal a quo devem ser distribuídos na proporção de 66,7% para o advogado do autor, e 33,3% para o réu, admitindo-se a compensação. Custas e despesas processuais devem ser divididas na mesma proporção.

Forte em tais razões, dou parcial provimento ao recurso especial para o fim de fixar a reparação do dano moral em R$ 1.140.000,00, retirar a necessidade de inclusão do autor em folha de pagamento e manter a obrigação de constituição de capital. Também é dado provimento ao recurso para o fim de redimensionar as verbas de sucumbência, como esclarecido acima. De resto, fica mantido o acórdão recorrido.

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