Supervisão judicial

PF não pode indiciar quem tem foro especial. Leia voto

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19 de outubro de 2007, 23h00

A Polícia Federal não está autorizada a abrir inquérito para apurar a conduta de parlamentares ou do próprio presidente da República. E o inquérito aberto por determinação do Supremo Tribunal Federal deve ser confiado ao Ministério Público Federal, mas supervisionado pelo ministro que cuida do caso no STF.

O entendimento é do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, no julgamento de uma petição ajuizada pela defesa do senador Magno Malta. O ministro anulou o indiciamento do senador feito pela PF.

Em agosto de 2006, Gilmar Mendes, a pedido do procurador-geral da República, Antônio Fernando Souza, determinou a instauração de inquérito para apurar supostos crimes cometidos pelo senador. Paralelamente, a Polícia Federal instaurou outro inquérito contra o senador. A defesa de Magno Malta recorreu, então, ao STF para anular os atos praticados pela PF.

Gilmar Mendes acolheu o pedido. Afirmou que se a Constituição Federal estabelece que os agentes políticos respondem, por crime comum, no Supremo Tribunal Federal. “Não há razão constitucional plausível para que as atividades diretamente relacionadas à ‘supervisão judicial’ (como é o caso da abertura de procedimento investigatório, por exemplo) sejam retiradas do controle judicial do STF”.

“É justamente por isso que está consagrada, em nosso sistema constitucional, a instituição da prerrogativa de foro. Além de estar destinada a evitar o que poderia ser definido como uma tática de guerrilha — nada republicana, diga-se — perante os vários juízos de primeiro grau, tal prerrogativa funcional serve para que os dirigentes das principais instituições públicas sejam julgados perante órgão colegiado — dotado de maior independência, pluralidade de visões e de inequívoca seriedade”, afirmou o ministro.

Gilmar Mendes considerou, ainda, que é preciso fazer a distinção entre os inquéritos originários, a cargo e competência do STF, e os de natureza policial, regulados pela legislação processual penal. “A urgência dessa definição deve-se à exigência constitucional de evitar eventuais excessos por parte da Polícia Judiciária no sentido de se vislumbrar — conforme no excerto do ofício acima transcrito, inclusive, e independentemente do controle jurisdicional deste Tribunal, a pretensão jurídica de instauração, ‘ex officio’, dos referidos inquéritos originários.”

Com base em parecer do MPF e precedentes da Corte, o ministro Gilmar Mendes votou pela anulação do ato formal de indiciamento do senador Magno Malta, promovido pela PF. O ministro lembrou que, “no exercício da competência penal originária do STF, a atividade de supervisão judicial deve ser constitucionalmente desempenhada durante toda a tramitação das investigações — desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o eventual oferecimento da denúncia pelo próprio STF”.

Inq. 2.411

Leia o voto


R E L A T Ó R I O

Trata-se de questão de ordem suscitada pela defesa do investigado MAGNO PEREIRA MALTA, Senador da República, em sede de inquérito originário promovido pelo Ministério Público Federal (MPF). Nestes autos, apura-se o envolvimento do referido parlamentar quanto à ocorrência das supostas práticas delituosas sob investigação na denominada “Operação Sanguessuga”.

Em despacho datado de 21 de agosto de 2006, atendendo a solicitação de abertura de procedimento investigatório formulado pelo Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, determinei a instauração de inquérito originário nos termos do art. 102, I, “b”, da CF, com o objetivo de apurar a ocorrência, ou não, das supostas práticas criminosas que eventualmente venham a ser imputadas ao ora investigado” – (fl. 30).

Na Petição nº 66.217, de 8 de maio de 2007 (fls. 110-125), a defesa suscitou questão de ordem nos seguintes termos:

“[…] com efeito, salta aos olhos que cabe tão somente ao Procurador-Geral da República a prerrogativa de postular ou não o indiciamento de parlamentar federal.

[…] O Plenário do Supremo Tribunal Federal está deliberando acerca do poder da autoridade policial federal em indiciar ou não parlamentar, ou qualquer autoridade que detenha foro por prerrogativa de função junto a esta Corte Suprema.

[…] o ora peticionário vem, respeitosamente, à presença de V. Exª. Requerer:

a) que seja declarada a nulidade do indiciamento formal realizado pela autoridade policial por violação ao art. 129, I, da Constituição Federal de 1988; e b) em atenção ao princípio da eventualidade, acaso assim não entenda V. Exª., que seja determinada a suspensão dos efeitos do indiciamento realizado até o julgamento de mérito da Petição nº 3.825” – (fls. 115-125).

Em despacho de 23 de maio de 2007 (fl. 108), considerada a relevância que a questão assume com relação à instauração e tramitação de inquéritos que envolvam autoridades dotadas do foro por prerrogativa de função, determinei manifestação do Parquet Federal.

Em parecer de fls. 127-130, o Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, assim resumiu o objeto da questão de ordem a ser ora apreciada:

“[…] 1. O Senador Magno Pereira Malta informa que, intimado para prestar depoimento sobre os fatos objeto do presente inquérito, conforme despacho de Vossa Excelência que deferiu pedido do PGR, foi surpreendido com o seu prévio indiciamento por ato da autoridade policial encarregada do cumprimento da diligência. Argumenta que o comportamento da referida autoridade é ilegítimo, porque quando se trata de procedimento investigatório (Inquérito) submetido ao Supremo Tribunal Federal, o pedido de indiciamento deve ser formulado pelo Procurador-Geral da República, razão pela qual postula seja declarada a nulidade do indiciamento formal ou, alternativamente, seja determinada a suspensão dos efeitos do indiciamento realizado, até o julgamento do mérito da Petição nº 3825, que trata do tema.

2. Na hipótese, diante de elementos de convicção apontando para o eventual cometimento de crimes por parte de parlamentar federal, solicitei ao Supremo Tribunal Federal a abertura de inquérito, vale dizer, do procedimento previsto no artigo 55, inciso XIV do RISTF, que é o adequado para apuração de infração penal imputável a pessoa que tem foro perante essa Corte Suprema. Não se formulou, porque incabível, pedido de instauração de inquérito policial.

3. O Regimento Interno desse Tribunal tem plena sintonia com o que dispõe a Lei nº 8.038/90, que instituiu normas procedimentais para os processos que especifica, perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal. O artigo 2º da referida Lei estabelece que ‘o relator, escolhido na forma regimental, será o juiz da instrução, que se realizará segundo o disposto neste capítulo e no Código de Processo Penal, no que for aplicável e no Regimento Interno do Tribunal’.


4. O texto normativo fala em juiz da instrução, o que poderia conduzir a uma estrita, mas certamente equivocada, compreensão de que o Ministro-Relator, na ação penal originária, só assumiria funções procedimentais no momento processual, e não na fase investigatória.– (fl. 127).

5. Mas tal interpretação restritiva não encontra apoio no texto legal, tanto que o parágrafo 1º da Lei 8.038/90 é expresso ao conferir ao Relator atribuição para deferir diligências complementares.

6. O foro por prerrogativa de função tem sua justificativa na necessidade de assegurar garantias aos titulares de certos e determinados cargos, cuja importância é definida na Constituição, para que possam exercer em plenitude as atribuições que lhe são cometidas. O elemento de referência para o estabelecimento da garantia não é a pessoa que o titulariza em determinado momento, mas sim o plexo de atribuições do cargo.

7. Permitir que o procedimento de investigação predisposto à colheita de elementos probatórios, que suportarão eventual imputação penal contra titular de cargo a que se assegura foro especial, possa ser aberto ou conduzido por autoridade policial que integra o Departamento de Polícia Federal, e é órgão integrante da estrutura administrativa do Ministério da Justiça, certamente enfraquece a garantia que a Constituição consagra.

8. Daí a necessidade de que a iniciativa e a condução do procedimento investigatório, em tais casos, seja confiada ao Procurador-Geral da República, que é titular de cargo a que a Constituição prevê forma de investidura especial e mandato, além de procedimento qualificado para destituição, a que se atribui, também, independência funcional, com a supervisão do Ministro-Relator dessa Corte” – (fls. 127/129).

Nesse particular, a relevância para o levantamento desta questão de ordem reside na apreciação de que, conforme bem salientou a PGR, no item 12 de sua manifestação: “Ao se aceitar que a autoridade policial, a seu juízo, possa realizar o indiciamento de pessoa com foro perante essa Corte Suprema, ter-se-ia que admitir que a Polícia Federal também está autorizada a abrir de ofício inquérito policial para apurar a conduta de parlamentares federais ou do próprio Presidente da República” – (fl. 129).

Por fim, submeto à análise do Plenário deste Supremo Tribunal Federal a referida questão suscitada para conferir, nos estritos termos do inciso III do art. 21 do RI/STF, “o bom andamento dos processos”, que tramitam neste Tribunal sob minha relatoria e que dizem respeito às investigações da denominada “Operação Sanguessuga”, a saber: INQ nos 2.318; 2.340; 2.346; 2.347; 2.359; 2.362; 2.405; 2.409; 2.411; 2.415 e 2.417.

É o relatório.

V O T O

Submeto, inicialmente, à apreciação desta questão de ordem ao Plenário, por considerar a relevância da definição da competência no que diz respeito à instauração e à tramitação de inquéritos originários que envolvam aquelas autoridades detentoras de foro por prerrogativa de função perante este Supremo Tribunal Federal.

De acordo com o art. 102, I, “b”, da Constituição Federal, compete ao STF processar e julgar, originariamente, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República. No âmbito do Regimento Interno desta Corte, a disciplina sobre o processamento e julgamento dos feitos autuados sob a Classe “Inquérito” está especificada nos artigos 55, XIV; 56, V; e 231 do RI/STF.


Eis o teor dos fundamentos apresentados pelo Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, acerca da questão de ordem suscitada:

“[…] 9. O Ministro Relator que supervisiona o procedimento investigatório perante o Supremo Tribunal Federal, atua na qualidade de juiz garante, ou seja, ele acompanha o trabalho de apuração para evitar ilegalidades e decide sobre a realização de diligências que necessitam de prévia autorização judicial (afastamento de sigilo bancário, busca e apreensão entre outras). Esta é a compreensão que ressai do acórdão dessa Corte proferido na Reclamação n° 2349/TO.

10. Portanto, ao que penso, a interação procedimental em inquérito originário, procedimento que dá concretude na fase pré-processual à garantia do foro por prerrogativa de função, dá-se diretamente entre o Procurador-Geral da República e o Ministro-Relator do inquérito.

11. A tarefa policial é estritamente operacional nos inquéritos originários: a polícia, no desempenho de tarefas operacionais, e o Ministério Público, titular da ação penal, devem atuar cooperativamente na etapa preparatória ao ajuizamento, ou não, da ação penal, mas quando essa fase preparatória é formalizada em inquérito, este tramita procedimentalmente no Supremo Tribunal Federal, e não na Delegacia de Polícia.

12. Ao se aceitar que a autoridade policial, a seu juízo, possa realizar o indiciamento de pessoa com foro perante essa Corte Suprema, ter-se-ia que admitir que a Polícia Federal também está autorizada a abrir de ofício inquérito policial para apurar a conduta de parlamentares federais ou do próprio Presidente da República.

13. Em outra oportunidade (Petição nº 3825) já me manifestei expressamente sobre a impossibilidade de a autoridade policial de indiciar pessoa com prerrogativa de foro no Supremo Tribunal Federal, em face da norma inscrita no art. 102, I, ‘b’, da Constituição Federal. Tal ato há de ser solicitado pelo Procurador-Geral da República.

14. No caso, portanto, cabia à autoridade policial praticar tão-somente os atos determinados pelo Ministro-relator; e identificar e colher o depoimento das pessoas citadas nos interrogatórios. É que não formulei pedido de indiciamento do parlamentar e tal providência também não foi determinada por Vossa Excelência. Ademais, no momento, o ato praticado não tem qualquer utilidade para a investigação.

Diante de tais razões, manifesto-me no sentido de que seja determinado o desfazimento do ato de indiciamento, recomendando-se à autoridade policial o cumprimento estrito da decisão de Vossa Excelência quanto às diligências deferidas” – (fls. 128/129).

Para a análise dessa questão, torna-se necessário apresentar algumas considerações doutrinárias e jurisprudenciais deste STF acerca do tema da instauração de inquéritos em geral e dos inquéritos originários de sua própria competência.

Com relação à instauração do inquérito nos crimes de ação pública em geral, Fernando da Costa Tourinho Filho afirma que:

“Nesses crimes, o inquérito também pode ser iniciado mercê de um ofício requisitório do Juiz ou do Promotor de Justiça, ou até mesmo mediante requerimento do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo” – (Código de Processo Penal Comentado, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, vol. 1, p. 37).


Para o caso de inquéritos policiais em geral, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, por sua vez, posiciona-se no mesmo sentido ao aduzir que:

“(…)basta a notícia [criminis] chegar ao órgão, o qual poderá, inclusive, acompanhar diretamente os atos do IP. Nestes casos, MP e órgão jurisdicional poderão requisitar a instauração do IP. E o problema que agora se põe toca com a exegese da expressão. Para a nossa doutrina, a autoridade policial, aqui, não teria poder decisional. É de toda evidência que, recebendo requisição dos órgãos da Justiça, para abertura de um inquérito, à autoridade policial cumpre dar-lhe imediata satisfação, sem se justificar qualquer dúvida, pois à polícia não cabe discutir determinações judiciárias. No caso de recusa, o juiz providenciará, com energia, no sentido de ser obedecido, e a insistência da autoridade policial poderá dar o resultado de ser apurada a sua responsabildiade funcional” – (Estudos Jurídicos em Homenagem a Manoel Pedro Pimentel. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 163-177).

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido de que, nos inquéritos policiais em geral, não cabe ao juiz ou a Tribunal investigar, de ofício, o titular de prerrogativa de foro.

Nesse particular, é válido transcrever as seguintes considerações constantes do voto do Ministro Sepúlveda Pertence no Agravo Regimental na Petição nº 2.805/DF (Relator Ministro Nelson Jobim, Plenário, DJ 27.02.2004):

“Admito que, se, em função da sua atividade jurisdicional, tem conhecimento de uma suspeita de crime, o Juiz requisite o inquérito policial. Não que se provoque a autoridade judiciária para requisitar inquérito policial

Proponho como preliminar que o Tribunal feche essa porta, que só serve a explorações. Não há porque, em plena capital da República, com um imenso prédio da Polícia Federal, outro da Secretaria de Segurança, do Ministério Público – com um portentoso prédio -, que isso venha primeiro para o Supremo Tribunal Federal …”.

Preliminarmente, entendo que não cabe a esta Corte determinar a instauração de inquéritos originários requeridos diretamente por cidadãos. Nesse particular, reputo válida a citação de trecho da decisão por mim proferida no INQ nº 2.285/DF:

“Não cabe a esta Corte ‘determinar’ a instauração de inquérito policial para apuração de crime de ação pública incondicionada, ressalvados aqueles praticados no âmbito da própria Corte e que possam dizer respeito ao exercício de sua própria competência, constitucional ou legal (RISTF, art. 8º, inciso IV).

Aliás, o próprio § 3º do art. 5º do Código de Processo Penal, invocado pelo autor deste procedimento como fundamento jurídico de sua pretensão, diz expressamente que a comunicação de crime de ação pública far-se-á à ‘autoridade policial’.

Anote-se, outrossim, que conforme assentado pelo Pleno da Corte na PET nº 2805 – AgR (Rel. Min. Nelson Jobim), a intervenção desta Corte é especialmente descabida quando a mesma notícia crime foi (ou pode ser) diretamente encaminhada ao Ministério Público, tendo ‘a apresentação da mesma neste Tribunal a finalidade de causar repercussão (…) eleitoral’.


Por estas razões, não conheço ao pleito e nego-lhe seguimento (RISTF, art. 21, § 1º). Conseqüentemente, deixo de aplicar ao caso o art. 40 do CPP, inclusive por não se tratar de conhecimento eventual ou fortuito de fato potencialmente criminoso mas sim de representação direta manifestamente impertinente” – (INQ nº 2.285/DF, de minha relatoria, decisão monocrática de 3.3.2006 , DJ 13.3.2006).

Naquele caso, tratava-se de denúncia apresentada por cidadão comum que, de modo ilegítimo, requereu diretamente a esta Corte a instauração de inquérito contra parlamentar federal para a apuração de suposto crime de ação penal pública incondicionada.

Em consonância com a jurisprudência desta Corte, qualquer pessoa que, na condição exclusiva de cidadão, apresente ‘notitia criminis’ diretamente a este Tribunal é parte manifestamente ilegítima para a formulação de pedido de recebimento de denúncia para a apuração de crimes de ação pública incondicionada.

Esse é o caso que, ao menos em tese, incidiria quanto aos delitos que eventualmente venham, ou não, a ser imputados aos parlamentares sob investigação nos inúmeros inquéritos em tramitação perante este STF no que concerne à denominada “Operação Sanguessuga”.

Nesse sentido, cito os seguintes precedentes desta Corte:

[No INQ nº 149/DF, de relatoria do Ministro Rafael Mayer, julgado em 21.9.1983, DJ 27.10.1983, o Tribunal Pleno afirmou que:

“ILEGITIMIDADE DE PARTE. AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA. CRIME DE PREVARICAÇÃO. – TRATANDO-SE DE AÇÃO PÚBLICA INCONDICIONADA, EM QUE TITULAR O MINISTÉRIO PÚBLICO, FALECE LEGITIMIDADE AO IMPETRANTE PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO. MANIFESTAÇÃO DO EXMO. SENHOR PROCURADOR NO SENTIDO DO ARQUIVAMENTO. INQUÉRITO ARQUIVADO”. (INQ nº 149/DF, Rel. Min. Rafael Mayer, Tribunal Pleno, julgado em 21.9.1983, DJ 27.10.1983)]

[No Agravo Regimental no INQ nº 1.793/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, julgado em 2.5.2002, DJ 14.6.2002, o Plenário asseverou:

“Ação Penal. Queixa-crime em que figura como querelante deputado federal. Incompetência do Supremo Tribunal Federal para o processamento e julgamento da ação penal. Competência configurada somente na hipótese de o parlamentar figurar na ação penal na qualidade de réu (art. 102, I, b da Constituição Federal). Agravo regimental contra decisão que negou seguimento à queixa-crime. Inaplicabilidade do disposto no art. 108, § 1º do CPP à hipótese vertente, pois não se trata de exceção de incompetência, mas de ajuizamento equivocado da queixa-crime perante esta Suprema Corte, falha que não pode ser suprida ex officio por esta Casa. Quanto ao pedido de que seja declarada a suspensão do prazo prescricional a partir da distribuição da queixa-crime, voltando a correr a partir da decisão deste agravo, também não pode ser acolhido, tendo em vista que o oferecimento de queixa-crime perante Juízo incompetente não constitui causa suspensiva da prescrição. Agravo regimental improvido” – INQ (AgR) nº 1.793/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, Pleno, maioria, julgado em 2.5.2002, DJ 14.6.2002]

[Na PET nº 1954/DF, de relatoria do Ministro Maurício Corrêa, julgado em 11.9.2002, DJ 1º.8.2003, o Tribunal Pleno afirmou que:

“DENÚNCIA POPULAR. SUJEITO PASSIVO: MINISTRO DE ESTADO. CRIMES DE RESPONSABILIDADE. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. RECEBIMENTO DA PEÇA INICIAL COMO NOTITIA CRIMINIS. ENCAMINHAMENTO AO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.


1. O processo de impeachment dos Ministros de Estado, por crimes de responsabilidade autônomos, não-conexos com infrações da mesma natureza do Presidente da República, ostenta caráter jurisdicional, devendo ser instruído e julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Inaplicabilidade do disposto nos artigos 51, I e 52, I da Carta de 1988 e 14 da Lei 1079/50, dado que é prescindível autorização política da Câmara dos Deputados para a sua instauração.

2. Prevalência, na espécie, da natureza criminal desses processos, cuja apuração judicial está sujeita à ação penal pública da competência exclusiva do Ministério Público Federal (CF, artigo 129, I). Ilegitimidade ativa ad causam dos cidadãos em geral, a eles remanescendo a faculdade de noticiar os fatos ao Parquet.

3. Entendimento fixado pelo Tribunal na vigência da Constituição pretérita (MS 20422, Rezek, DJ 29/06/84). Ausência de alteração substancial no texto ora vigente. Manutenção do posicionamento jurisprudencial anteriormente consagrado.

4. Denúncia não admitida. Recebimento da petição como notitia criminis, com posterior remessa ao Ministério Público Federal” – (PET nº 1.954/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, Pleno, maioria, julgada em 11.9.2002, DJ 1º.8.2003)].

[No Agravo Regimental na PET nº 2.805/DF, Rel. Min. Nelson Jobim, julgado em 13.11.2002, DJ 27.2.2004, o Plenário asseverou:

“AGRAVO REGIMENTAL EM PETIÇÃO. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO, FISCAL E TELEFÔNICO. MATÉRIAS JORNALÍSTICAS. DUPLICIDADE DA NOTÍCIA-CRIME.

1. O contrato de prestação de serviços advocatícios foi objeto de exame da decisão agravada.

É equivocada a alegação do agravante de que a decisão agravada não apreciou a existência do contrato e seu conteúdo.

Os honorários e a forma de pagamento contratados não podem ser apontados como ilegais, a ponto de permitirem que se instaure uma ação penal.

O pagamento das parcelas avençadas no referido contrato, nada mais é do que uma obrigação da parte contratante.

2. Para autorizar-se a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico, medida excepcional, é necessário que hajam indícios suficientes da prática de um delito.

A pretensão do agravante se ampara em meras matérias jornalísticas, não suficientes para caracterizar-se como indícios.

O que ele pretende é a devassa da vida do Senhor Deputado Federal para fins políticos.

É necessário que a acusação tenha plausibilidade e verossimilhança para ensejar a quebra dos sigilos bancários, fiscal e telefônico.

3. Declaração constante de matéria jornalística não pode ser acolhida como fundamento para a instauração de um procedimento criminal.

4. A matéria jornalística publicada foi encaminhada ao Ministério Público.

A apresentação da mesma neste Tribunal tem a finalidade de causar repercussão na campanha eleitoral, o que não é admissível.

Agravo provido e pedido não conhecido” – PET (AgR) nº 2.805/DF, Rel. Min. Nelson Jobim, Pleno, maioria, julgado em 13.11.2002, DJ 27.2.2004]

[Nos Embargos de Declaração no Agravo Regimental na PET nº 1.104/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, julgado em 23.4.2003, DJ 23.5.2003, o Plenário asseverou:

“DIREITO CONSTITUCIONAL, PENAL E PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA PERANTE O STF, APRESENTADA POR CIDADÃOS, CONTRA MINISTRO DE ESTADO, POR CRIME DE RESPONSABILIDADE. ILEGITIMIDADE ATIVA DOS DENUNCIANTES. EMBARGOS DECLARATÓRIOS.


1. Como salientado no acórdão embargado, ‘em se tratando de ação penal pública, é do Ministério Público – e não de particulares – a legitimidade ativa para denúncia por crime de responsabilidade (artigos 129, I e 102, I, ‘c’, da C.F.).

2. Acolhida integralmente a manifestação do Ministério Público federal, e não havendo qualquer omissão a ser suprida, nem contradição ou obscuridade, a serem sanadas, os embargos são rejeitados, pois o julgado enfrentou e dirimiu todas as questões suscitadas. 3. Embargos rejeitados”. (PET – AgR – ED nº 1104/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 23.4.2003, DJ 23.5.2003)]

[Na PET nº 3.248/DF, a Rel. Min. Ellen Gracie, por decisão monocrática de 28.10.2004, DJ 23.11.2004, considerou:

“1. O Ministério Público Federal promoveu diligências junto à Receita Federal, à Controladoria-Geral da União e autoridades americanas (f. 4), e obteve documentação (f. 07/21) que noticia ter um deputado federal remetido ao exterior, através de Contas CCC-5, no período de 1999/2002, a vultosa importância de cento e noventa e sete milhões, novecentos e um mil, duzentos e cinqüenta e um reais e oitenta centavos. O expressivo numerário, segundo o Ministério Público Federal, precisa ser investigado no tocante à sua origem e regularidade. Principalmente é preciso saber se a vultosa importância foi declarada à Receita Federal nas declarações de imposto renda. A documentação obtida pelo Ministério Público Federal deu origem a procedimento administrativo que foi autuado na Procuradoria-Geral da República. E com base nesse procedimento, o Procurador-Geral da República requereu, na petição de f. 02/03, o seguinte:

‘Ante o exposto, requer o Ministério Público a autuação deste procedimento como inquérito penal originário, com o indiciamento do Deputado Federal RONALDO CEZAR COELHO, pelo cometimento, em tese, de crime de sonegação fiscal.

6. Solicita, ainda, que seja realizada a quebra do sigilo fiscal do ora indiciado referentes aos anos-base de 1999 a 2002.’ (f. 3)

2.Entre as funções institucionais que a Constituição Federal outorgou ao Ministério Público, está a de requisitar a instauração de inquérito policial (CF, art. 129, VIII). Essa requisição independe de prévia autorização ou permissão jurisdicional. Basta o Ministério Público Federal requisitar, diretamente, aos órgãos policiais competentes. Mas não a esta Corte Suprema. Por ela podem tramitar, entre outras demandas, ação penal contra os membros da Câmara dos Deputados e Senado. Mas não inquéritos policiais. Esses tramitam perante os órgãos da Polícia Federal. Eventuais diligências, requeridas no contexto de uma investigação contra membros do Congresso Nacional, podem e devem, sim, ser requeridas perante esta Corte, que é o juiz natural dos parlamentares federais, como é o caso da quebra do sigilo fiscal. Mas o inquérito tramita perante aqueles órgãos policiais e não perante o Supremo Tribunal Federal. Não parece razoável admitir que um ministro do Supremo Tribunal Federal conduza, perante a Corte, um inquérito policial que poderá se transformar em ação penal, de sua relatoria.

Não há confundir investigação, de natureza penal, quando envolvido um parlamentar, com aquela que envolve um membro do Poder Judiciário. No caso deste último, havendo indícios da prática de crime, os autos serão remetidos ao Tribunal ou Órgão Especial competente, a fim de que se prossiga a investigação. É o que determina o art. 33, § único da LOMAN. Mas quando se trata de parlamentar federal, a investigação prossegue perante a autoridade policial federal. Apenas a ação penal é que tramita no Supremo Tribunal Federal. Disso resulta que não pode ser atendido o pedido de instauração de inquérito policial originário perante esta Corte. E, por via de conseqüência, a solicitação de indiciamento do parlamentar, ato privativo da autoridade policial. Resta a quebra do sigilo fiscal. Mas essa quebra deverá ser requerida no âmbito do inquérito policial que o Ministério Público Federal pretende seja instaurado. Nesse inquérito, disciplinado no CPP, poderá o parlamentar justificar a regularidade da remessa do numerário, ou até mesmo impugnar a idoneidade da documentação apresentada. De qualquer sorte, não há, ainda, qualquer comprovação de que o parlamentar tenha se recusado a apresentar suas declarações do imposto de renda.


3. Diante do exposto, determino sejam os autos devolvidos à Procuradoria-Geral da República para as providências que entender cabíveis” – (PET nº 3.248/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, decisão monocrática de 28.10.2004, DJ 23.11.2004)]

[No INQ nº 2.285/DF, de minha relatoria, decisão monocrática de 3.3.2006 , DJ 13.3.2006, considerei:

“Não cabe a esta Corte ‘determinar’ a instauração de inquérito policial para apuração de crime de ação pública incondicionada, ressalvados aqueles praticados no âmbito da própria Corte e que possam dizer respeito ao exercício de sua própria competência, constitucional ou legal (RISTF, art. 8º, inciso IV).

Aliás, o próprio § 3º do art. 5º do Código de Processo Penal, invocado pelo autor deste procedimento como fundamento jurídico de sua pretensão, diz expressamente que a comunicação de crime de ação pública far-se-á à ‘autoridade policial’.

Anote-se, outrossim, que conforme assentado pelo Pleno da Corte na PET nº 2805 – AgR (Rel. Min. Nelson Jobim), a intervenção desta Corte é especialmente descabida quando a mesma notícia crime foi (ou pode ser) diretamente encaminhada ao Ministério Público, tendo ‘a apresentação da mesma neste Tribunal a finalidade de causar repercussão (…) eleitoral’.

Por estas razões, não conheço ao pleito e nego-lhe seguimento (RISTF, art. 21, § 1º). Conseqüentemente, deixo de aplicar ao caso o art. 40 do CPP, inclusive por não se tratar de conhecimento eventual ou fortuito de fato potencialmente criminoso mas sim de representação direta manifestamente impertinente” – (INQ nº 2.285/DF, de minha relatoria, decisão monocrática de 3.3.2006 , DJ 13.3.2006)]

[No Agravo Regimental na PET nº 2.998/MG, de minha relatoria, julgado em 26.9.2006, DJ 6.11.2006, a Segunda Turma asseverou:

“Agravo Regimental em Petição. 1. Suposta existência de crimes contra a Administração Pública e contra a Administração da Justiça. 2. Crimes contra a Administração Pública e contra a Administração da Justiça são passíveis de apuração por meio de ação penal pública incondicionada, porquanto incide, na espécie, a norma geral consagrada no artigo 100, caput, do Código Penal (‘A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido’). 3. O Ministério Público é parte legítima para propor a ação penal incondicionada, independente de quem tenha formulado representação para fins criminais perante o Parquet. Ilegitimidade ativa do requerente. Precedentes: INQ nº 149/DF, Rel. Min. Rafael Mayer, Pleno, unânime, DJ de 27.10.1983 e PET (ED–AgR) nº 1.104/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, Pleno, unânime, DJ de 23.05.2003. 4. Ainda que superada essa questão preliminar, não procede o pedido formulado pelo requerente porque o próprio Procurador-Geral da República reconheceu a falta de plausibilidade e a necessidade da apuração dos fatos imputados na representação do requerente. 5. Negado provimento ao agravo regimental” – [PET (AgR) nº 2.998/MG, de minha relatoria, 2ª Turma, unânime, julgado em 26.9.2006, DJ 6.11.2006].

Penso que, neste ponto, valeria o esforço no sentido de diferençar as regras e procedimentos aplicáveis ao inquérito policial em geral, tal como previsto nos art. 4º ao art. 23 do Código de Processo Penal, daquele inquérito originário, de competência originária do Supremo Tribunal Federal, a ser processado nos termos do art. 102, I, “b”, da CF e do regramento do RI/STF.

O referido dispositivo constitucional assegura a determinadas autoridades a prerrogativa de foro para a investigação, a apreciação e o julgamento de delitos eventualmente por elas cometidos nessa condição. Trata-se, em nosso sistema constitucional, de uma garantia voltada não exatamente para os interesses dos titulares de cargos relevantes, mas, sobretudo, para a própria regularidade das instituições em razão das atividades funcionais por eles desempenhadas.


Como já lembrado em assentadas anteriores, cabe, aqui, a lição de Hely Lopes, no sentido de que tais prerrogativas têm por escopo garantir o livre exercício da função do agente político. Percebeu o ilustre administrativista, sobretudo, a peculiaridade da situação dos que governam e decidem – os chamados agentes políticos -, em comparação àqueles que apenas administram e executam encargos técnicos e profissionais. Nas palavras de Hely:

“Realmente, a situação dos que governam e decidem é bem diversa da dos que simplesmente administram e executam encargos técnicos e profissionais, sem responsabilidade de decisão e opções políticas. Daí por que os agentes políticos precisam de ampla liberdade funcional e maior resguardo para o desempenho de suas funções. As prerrogativas que se concedem aos agentes políticos não são privilégios pessoais; são garantias necessárias ao pleno exercício de suas altas e complexas funções governamentais e decisórias. Sem essas prerrogativas funcionais os agentes políticos ficariam tolhidos na sua liberdade de opção e decisão, ante o temor de responsabilização pelos padrões comuns da culpa civil e do erro técnico a que ficam sujeitos os funcionários profissionalizados” (Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros Editores, 29ª edição, 2004, cit., p. 78).

Não é outro o ethos da prerrogativa de foro entre nós, conforme se extrai da lição de Victor Nunes:

“A jurisdição especial, como prerrogativa de certas funções públicas, é, realmente, instituída não no interesse da pessoa do ocupante do cargo, mas no interesse público do seu bom exercício, isto é, do seu exercício com o alto grau de independência que resulta da certeza de que seus atos venham a ser julgados com plenas garantias e completa imparcialidade. Presume o legislador que os tribunais de maior categoria tenham mais isenção para julgar os ocupantes de determinadas funções públicas, por sua capacidade de resistir, seja à eventual influência do próprio acusado, seja às influências que atuarem contra ele. A presumida independência do tribunal de superior hierarquia bilateral, garantia contra e a favor do acusado”. (grifo nosso)

No mesmo sentido, forte na lição de Frederico Marques, é o entendimento do eminente Márcio Bonilha, Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em artigo de 2002, verbis:

“No mundo jurídico, a precisão conceitual constitui exigência essencial indeclinável, para evitar distorções e equívocos na interpretação e valoração de fatos e normas. Esse requisito hermenêutico é lembrado a propósito da controvérsia instaurada sobre a jurisdição competente, em relação ao julgamento de infrações relativas à improbidade administrativa, no tocante a certos agentes públicos.

Desde logo se assinala que prerrogativa de foro não se confunde com foro privilegiado, pois a prerrogativa de função é distinta de privilégio de pessoa. A imprecisão terminológica pode gerar na opinião pública uma falsa idéia de favorecimento pessoal, no tratamento da matéria, em relação a certas autoridades, na aferição da responsabilidade funcional, pondo em dúvida a igualdade na distribuição da justiça.

Compete ao Supremo Tribunal Federal (STF) processar e julgar, originariamente, nas infrações penais comuns, o presidente da República e os demais integrantes dos órgãos de cúpula dos Poderes e, nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, outras altas autoridades nacionais.

A instituição da prerrogativa de foro, relativamente a esses agentes, não traduz favorecimento pessoal, pois contempla as exigências de garantia constitucional pertinentes aos respectivos cargos e funções, pela relevância que representam nos Poderes correspondentes e nos escalões hierárquicos, cuja dignidade funcional cumpre resguardar.

Assim é, no interesse nacional, pouco importando as inferências no plano político e o subjetivismo de opiniões contrárias.

Bem por isso, a discussão sobre o tema deve ser travada à luz objetiva dos princípios e normas constitucionais, sem especulações ideológicas, muito menos as infundadas suspeitas de solução personalista.

O foro especial, que decorre da prerrogativa da função, é instituído para melhor permitir o livre desempenho de certas atividades públicas. É garantia da função, que não pode ficar à mercê de paixões locais. Não é honraria pessoal nem representa privilégio. É proteção que nasce com o exercício do cargo ou função, pelo reconhecimento da elevada hierarquia funcional e dos poderes que emanam de seu exercício, visando à segurança e à isenção na distribuição da justiça. Resguarda-se dessa forma o prestígio das instituições.


No Direito brasileiro, vigoram os princípios do juiz natural e da igualdade de todos perante a lei, sendo proibido o juízo ou tribunal de exceção, mas são legítimos os foros por prerrogativa de função.

Segundo Frederico Marques, ‘é errôneo o entendimento’ de que ‘os casos de competência originária dos tribunais superiores para o processo e julgamento de determinadas pessoas constituem exceções de direito estrito, porque a competência ratione personae dos tribunais superiores não constitui <foro privilegiado>, nem se regula pelos preceitos pertinentes aos juízos especiais. Não mais existe o foro privilegiado, como o disse o desembargador Márcio Munhoz, e sim competência destinada a melhor amparar o exercício de certas funções públicas. Não se trata de privilégio de foro, porque a competência, no caso, não se estabelece por amor dos indivíduos, e sim em razão do caráter, cargo ou funções que eles exercem’.” (Prerrogativa de foro, O Estado de São Paulo, 10 de dezembro de 2002)

A decisão judicial que determina abertura de inquéritos originários para a apuração de condutas eventualmente imputadas a autoridades dotadas de prerrogativa de foro perante esta Corte há de ser entendido de maneira a evitar a interpretação de que as competências constitucionais dos órgãos do Poder Judiciário – em especial a deste Supremo Tribunal Federal – estariam definidas em numerus clausus. A pretensa decorrência imediata de tais argumentos é a suposta exigência de norma constitucional para a disciplina específica do tema.

Para justificar o afastamento dessa tese, basta-me afirmar que aqueles que, hoje, labutam com o mínimo de honestidade e decência em torno do Direito Constitucional sabe que, a toda hora, estamos a fazer colmatação de lacunas constitucionais.

Há muito a jurisprudência deste STF admite a possibilidade de extensão ou ampliação de sua competência expressa quando esta resulte implícita no próprio sistema constitucional. Nesse sentido, o precedente da relatoria do eminente e saudoso Ministro Luiz Gallotti, nos autos da Denúncia no 103, julgada em 5 de setembro de 1951.

Na Rcl. 2.138/DF, de relatoria do Min. Nelson Jobim, cujo julgamento foi realizado em 13.6.2007, iniciou-se no Plenário a discussão sobre a competência plena e exclusiva do STF para processar e julgar, nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado, conforme a hipótese do art. 102, I, “c”, da Constituição. Do voto de Nelson Jobim, destaco:

Não impressiona o argumento concernente à competência estrita ou da inextensibilidade da competência deste Tribunal ou de outros Tribunais Federais para conhecer de determinadas ações.

A interpretação extensiva do texto constitucional, também em matéria de competência, tem sido uma constante na jurisprudência do STF e do judiciário nacional em geral.

(…)

Recentemente, o STF reconheceu a sua competência para processar todo mandado de segurança, qualquer que fosse a autoridade coatora, impetrado por quem teve a sua extradição deferida pelo Tribunal (RCL 2.069, VELLOSO, sessão de 27.06.2003)” – (Voto proferido pelo Ministro Nelson Jobim).

Após o voto do Relator, Ministro Nelson Jobim, o Pleno do STF julgou procedente a reclamação, conforme noticia o Informativo nº 471/STF:

“Iniciado o julgamento de reclamação na qual se alega ter havido a usurpação da competência originária do STF para o julgamento de crime de responsabilidade cometido por Ministro de Estado (CF, art. 102, I, c), por juiz federal de primeira instância, em razão de ter julgado procedente ação de improbidade administrativa contra o então Ministro-Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Preliminarmente, o Tribunal, por maioria, assentou a ilegitimidade da Procuradora da República, autora da ação de improbidade, e da Associação Nacional do Ministério Público para, na qualidade de interessados, impugnarem a reclamação porquanto o Ministério Público Federal perante o Supremo Tribunal Federal é representado pelo Procurador-Geral da República. Vencidos os Ministros Carlos Velloso, Celso de Mello, Ilmar Galvão, Sepúlveda Pertence e Marco Aurélio que reconheciam a qualidade de interessada à Procuradora da República nos termos do art. 159 do RISTF, por entenderem que os Procuradores da República que subscrevem a petição inicial qualificam-se como órgãos agentes e não como fiscais da lei, não havendo identidade de posição processual na causa com o Procurador-Geral da República (RISTF, art. 159: ‘Qualquer interessado poderá impugnar o pedido do reclamante.’). Em seguida, o Min. Nelson Jobim, relator, fazendo a distinção entre os regimes de responsabilidade político-administrativa previstos na CF, quais sejam, o previsto no art. 37, § 4º, e regulado pela Lei 8.429/92, e o regime de crime de responsabilidade fixado no art. 102, I, letra c, e disciplinado pela Lei 1.079/50, votou pela procedência do pedido formulado na reclamação por entender que os agentes políticos, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade, não respondem por improbidade administrativa com base na Lei 8.429/92, mas apenas por crime de responsabilidade em ação que somente pode ser proposta perante o STF nos termos do art. 102, I, c, da CF (‘Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originariamente: … c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente;’). Em síntese, o Min. Nelson Jobim proferiu voto no sentido de julgar procedente a reclamação para assentar a competência do STF e declarar extinto o processo em curso na 14ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, que gerou a reclamação, no que foi acompanhado pelos Ministros Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Maurício Corrêa e Ilmar Galvão. Após, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Min. Carlos Velloso. Rcl 2.138-DF, rel. Min. Nelson Jobim, 20.11.2002. (Rcl-2138)” – (Informativo nº 291/STF).


“Retomado julgamento de reclamação na qual se alega usurpação da competência originária do STF para o julgamento de crime de responsabilidade cometido por Ministro de Estado (CF, art. 102, I, c) — v. Informativo 291. Na espécie, o reclamante insurge-se contra sentença proferida por juiz federal de primeira instância que, julgando procedente pedido formulado em ação civil pública por improbidade administrativa, condenara o então Ministro-Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República nas penalidades do art. 12 da Lei 8.429/92 e do art. 37, § 4º, da CF, em virtude da solicitação e utilização indevidas de aeronaves da Força Aérea Brasileira – FAB, bem como da fruição de Hotel de Trânsito da Aeronáutica. Abrindo divergência, o Min. Carlos Velloso, em voto-vista, julgou improcedente a reclamação por considerar que, no caso, a competência é do juízo federal de 1º grau. Entendendo que os agentes políticos respondem pelos crimes de responsabilidade tipificados nas respectivas leis especiais (CF, art. 85, parágrafo único), mas, em relação ao que não estiver tipificado como crime de responsabilidade, e estiver definido como ato de improbidade, devem responder na forma da lei própria, qual seja, a Lei 8.429/92, aplicável a qualquer agente público, concluiu que, na hipótese dos autos, as tipificações da Lei 8.429/92, invocadas na ação civil pública, não se enquadram como crime de responsabilidade definido na Lei 1.079/50. Após o voto do Min. Cezar Peluso, que acompanhava o voto do Min. Nelson Jobim, relator, pediu vista dos autos o Min. Joaquim Barbosa. Rcl 2138/DF, rel. Min. Nelson Jobim, 14.12.2005. (Rcl-2138)” – (Informativo nº 413/STF).

“Retomado julgamento de reclamação na qual se alega usurpação da competência originária do STF para o julgamento de crime de responsabilidade cometido por Ministro de Estado (CF, art. 102, I, c) — v. Informativos 291 e 413. Na espécie, o reclamante insurge-se contra sentença proferida por juiz federal de primeira instância que, julgando procedente pedido formulado em ação civil pública por improbidade administrativa, condenara o então Ministro-Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República nas penalidades do art. 12 da Lei 8.429/92 e do art. 37, § 4º, da CF, em virtude da solicitação e utilização indevidas de aeronaves da Força Aérea Brasileira – FAB, bem como da fruição de Hotel de Trânsito da Aeronáutica. Inicialmente, o Ministério Público Federal suscitou preliminar de não conhecimento, apontando a incompetência superveniente do Supremo para a apreciação da matéria em razão de ter ocorrido, depois do início do julgamento da reclamação, a cessação do exercício da função pública pelo interessado e o reconhecimento, na ADI 2797/DF (DJU de 19.12.2006), da inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do art. 84 do CPP, com a redação dada pela Lei 10.628/2002. Após os votos dos Ministros Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa — que também suscitava preliminar no sentido da perda do objeto da reclamação em face da cessação da investidura funcional motivadora da prerrogativa de foro —, Ricardo Lewandowski e Carlos Britto, todos acolhendo a preliminar argüida pelo Ministério Público Federal, pediu vista o Min. Eros Grau. Rcl 2138/DF, rel. Min. Nelson Jobim, 1º.3.2007. (Rcl-2138)” – (Informativo nº 457/STF).

“O Tribunal concluiu julgamento de reclamação proposta pela União contra o Juiz Federal Substituto da 14ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal e contra o relator da apelação interposta perante o TRF da 1ª Região, na qual se alegava usurpação da competência originária do STF para o julgamento de crime de responsabilidade cometido por Ministro de Estado (CF, art. 102, I, c) — v. Informativos 291, 413 e 457. Na espécie, o juízo federal de 1ª instância julgara procedente pedido formulado em ação civil pública por improbidade administrativa e condenara o então Ministro-Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República nas penalidades do art. 12 da Lei 8.429/92 e do art. 37, § 4º, da CF, em virtude da solicitação e utilização indevidas de aeronaves da Força Aérea Brasileira – FAB, bem como da fruição de Hotel de Trânsito da Aeronáutica. Rcl 2138/DF, rel. orig. Min. Nelson Jobim, red. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, 13.6.2007. (Rcl-2138)” – (Informativo nº 471/STF).

Considerando o entendimento conferido pelo Pleno nesse precedente, assevero que antes de se cogitar de uma interpretação restritiva ou ampliativa, compete ao intérprete constitucional verificar se, mediante fórmulas pretensamente alternativas, não se está a violar a própria decisão fundamental do constituinte ou, na afirmação de Pertence, “Se nossa função é realizar a Constituição e nela a largueza do campo do foro prerrogativo de função mal permite caracterizá-lo como excepcional, nem cabe restringi-lo nem cabe negar-lhe a expansão sistemática necessária a dar efetividade às inspirações da Lei Fundamental” (voto proferido por Sepúlveda Pertence na questão de ordem no Inquérito nº 687/SP, rel. Sydney Sanches, DJ de 09.11.2001).


Sobre essa questão, diz Canotilho:

A força normativa da Constituição é incompatível com a existência de competências não escritas salvo nos casos de a própria Constituição autorizar o legislador a alargar o leque de competências normativo-constitucionalmente especificado. No plano metódico, deve também afastar-se a invocação de ‘poderes implícitos’, de ‘poderes resultantes’ ou de ‘poderes inerentes’ como formas autônomas de competência. É admissível, porém, uma complementação de competências constitucionais através do manejo de instrumentos metódicos de interpretação (sobretudo de interpretação sistemática ou teleológica). Por esta via, chegar-se-á a duas hipóteses de competência complementares implícitas: (1) competências implícitas complementares, enquadráveis no programa normativo-constitucional de uma competência explícita e justificáveis porque não se trata tanto de alargar competências mas de aprofundar competências (ex.: quem tem competência para tomar uma decisão deve, em princípio, ter competência para a preparação e formação de decisão); (2) competências implícitas complementares, necessárias para preencher lacunas constitucionais patentes através da leitura sistemática e analógica de preceitos constitucionais.” (J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 5 ed., Coimbra: Almedina, p. 543).

De igual modo, no que se refere às “competências implícitas” do STF –, adotou-se a interpretação extensiva ou compreensiva do texto constitucional, em diversas hipóteses:

a) Mandado de Segurança contra ato de Comissão Parlamentar de Inquérito. Precedentes: MS 23.619/DF, rel. Octávio Gallotti, Plenário, DJ 7.12.2000; MS 23.851/DF, MS 23.868/DF e MS 23.964/DF, rel. Celso de Mello, Plenário, DJ 21.6.2002;

b) Habeas Corpus contra a INTERPOL, em face do recebimento de mandado de prisão expedido por magistrado estrangeiro, tendo em vista a competência do STF para processar e julgar, originariamente, a extradição solicitada por Estado estrangeiro (art. 102, I, g, CF). Precedentes: HC 80.923/SC, rel. Néri da Silveira, Plenário, DJ 21.6.2002; HC 82.686/RS, rel. Sepúlveda Pertence, Plenário, DJ 28.3.2003 e HC 82.677/PR, por mim relatado, Plenário, DJ 13.6.2003;

c) Mandado de Segurança contra atos que tenham relação com o pedido de extradição (art. 102, I, g, CF). A propósito, Rcl 2.069/DF, rel. Carlos Velloso, Plenário, DJ 1º.8.2003 e Rcl 2.040/DF, Plenário, DJ 27.6.2003;

d) No julgamento do AgRg no MS 24.099/DF, rel. Maurício Corrêa, Plenário, DJ 2.8.2002, firmou-se o entendimento de que a competência do STF para julgar mandado de segurança contra atos da Mesa da Câmara dos Deputados (art. 102, I, d, 2ª parte) alcança os atos individuais praticados por parlamentar que profere decisão em nome desta;

e) O Tribunal, ao examinar a Questão de Ordem no HC 78.897/RJ, Plenário, em sessão de 09.06.1999, rel. Nelson Jobim, “entendeu que o STF é competente para examinar pedido de habeas corpus contra acórdão do STJ que indeferiu recurso ordinário de habeas corpus. Considerou-se que o STF é a última instância de defesa da liberdade de ir e vir do cidadão, podendo qualquer decisão do STJ, desde que configurado o constrangimento ilegal, ser levada ao STF.” (Informativo STF 152).

Vejam, portanto, numa Constituição tão detalhada como a nossa, que não há como não fazer essa interpretação compreensiva do texto constitucional. Resulta impossível não se fazer esse tipo de compreensão com relação à competência para aquilo que o Min. Sepúlveda Pertence denomina como atividade constitucional de “supervisão judicial (e nada mais do que isso) do Supremo Tribunal Federal” (Voto proferido pelo Min. Sepúlveda Pertence na RCL no 2.349-TO, DJ de 05.08.2005).

Nosso sistema constitucional não repudia, por conseguinte, a idéia de competências implícitas complementares, desde que necessárias para colmatar lacunas constitucionais evidentes. Parece-me que este argumento está fortemente consolidado. Por isso considero incorreta e contrária à jurisprudência pacífica a afirmação segundo a qual a competência desta Corte há de ser interpretada de forma restritiva.


Para o caso específico da apreciação das questões incidentes nos inquéritos originários, invoco o precedente firmado no julgamento da RCL no 2.349-TO, Red. para o acórdão Min. Cezar Peluso, Rel. originário Min. Carlos Velloso (DJ de 05.08.2005). Nesse julgado, o Plenário, por maioria, asseverou a necessidade de garantia da competência do STF para, nos termos do art. 102, I, “b”, fazer incidir o foro por prerrogativa de função com relação a parlamentares sempre que intimados com o objetivo de esclarecerem imputação, ao menos em tese, criminosa na condição de investigado e/ou testemunha. Eis o teor da Ementa desse julgado:

“EMENTA: COMPETÊNCIA. Parlamentar. Senador. Inquérito policial. Imputação de crime por indiciado. Intimação para comparecer como testemunha. Convocação com caráter de ato de investigação. Inquérito já remetido a juízo. Competência do STF. Compete ao Supremo Tribunal Federal supervisionar inquérito policial em que Senador tenha sido intimado para esclarecer imputação de crime que lhe fez indiciado” (RCL no 2.349-TO, Red. para o acórdão Min. Cezar Peluso, Rel. originário Min. Carlos Velloso, Plenário, por maioria, DJ de 05.08.2005).

Em outras palavras, se a Constituição estabelece que os agentes políticos respondem, por crime comum, perante esta Corte (CF, art. 102, I, b), não há razão constitucional plausível para que as atividades diretamente relacionadas à “supervisão judicial” (como é o caso da abertura de procedimento investigatório, por exemplo) sejam retiradas do controle judicial do STF.

Fixadas essas premissas, observa-se que é justamente por isso que está consagrada, em nosso sistema constitucional, a instituição da prerrogativa de foro. Além de estar destinada a evitar o que poderia ser definido como uma tática de guerrilha – nada republicana, diga-se – perante os vários juízos de primeiro grau, tal prerrogativa funcional serve para que os dirigentes das principais instituições públicas sejam julgados perante órgão colegiado – dotado de maior independência, pluralidade de visões e de inequívoca seriedade.

Trata-se de uma questão intimamente impregnada por elementos constitucionais que devem nortear políticas públicas criminais destinadas a esses agentes.

Daí o porquê da urgência da discussão das atribuições e competências no caso de investigação de supostos crimes cometidos por pessoas detentoras de prerrogativa de foro em sede de inquérito originário perante este STF.

Portanto, há de se fazer a devida distinção entre os inquéritos originários, a cargo e competência desta Corte (CF, art. 102), e aqueloutros de natureza tipicamente policial, os quais se regulam inteiramente pela legislação processual penal brasileira.

Sobre esse aspecto, assim manifestou-se o Procurador-Geral em seu parecer:

“6. O foro por prerrogativa de função tem sua justificativa na necessidade de assegurar garantias aos titulares de certos e determinados cargos, cuja importância é definida na Constituição, para que possam exercer em plenitude as atribuições que lhe são cometidas. O elemento de referência para o estabelecimento da garantia não é a pessoa que o titulariza em determinado momento, mas sim o plexo de atribuições do cargo.

7. Permitir que o procedimento de investigação predisposto à colheita de elementos probatórios, que suportarão eventual imputação penal contra titular de cargo a que se assegura foro especial, possa ser aberto por autoridade policial que integra o Departamento de Polícia Federal, e é órgão integrante da estrutura administrativa do Ministério da Justiça, certamente enfraquece a garantia que a Constituição consagra” – (fl. 128).

O despacho que admite o pedido diretamente apresentado pelo Procurador-Geral da República corresponde a ato judicial de natureza administrativa que imputa determinação procedimental de abertura de inquérito no âmbito desta Corte, o qual seve ser aqui autuado e numerado nos termos dos arts. 55, XIV; 56, V; e 231 do RI/STF.

A urgência dessa definição deve-se à exigência constitucional de evitar eventuais excessos por parte da Polícia Judiciária no sentido de se vislumbrar – conforme no excerto do ofício acima transcrito –, inclusive, e independentemente do controle jurisdicional deste Tribunal, a pretensão jurídica de instauração, “ex officio”, dos referidos inquéritos originários.

Assim, a discussão acerca dessa possibilidade não é uma mera formulação hipotética. Daí a necessidade de definição das competências constitucionais dos relatores desta Suprema Corte nos inquéritos originários.

Segundo a manifestação do Procurador-Geral da República, a iniciativa do procedimento investigatório deve ser confiada ao MPF contando com a supervisão do Ministro-Relator dessa Corte.

Nesse contexto, a Polícia Federal não estaria autorizada a abrir de ofício inquérito policial para apurar a conduta de parlamentares federais ou do próprio Presidente da República (no caso do STF).

Diante do exposto e na linha dos precedentes arrolados, voto no sentido de que a questão de ordem ora apreciada seja resolvida nos seguintes termos: no exercício de competência penal originária do STF (CF, art. 102, I, “b” c/c Lei no 8.038/1990, art. 2o), a atividade de supervisão judicial deve ser constitucionalmente desempenhada durante toda a tramitação das investigações (isto é, desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o eventual oferecimento, ou não, de denúncia pelo dominus litis).

Nestes termos, na linha do parecer da PGR, voto pela anulação do ato formal de indiciamento promovido pela autoridade policial em face do parlamentar investigado.

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