Contra-ataque do Leão

Leia ação contra exclusão do ICMS da base de cálculo da Cofins

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19 de outubro de 2007, 23h00

O governo federal está amedrontado com a possibilidade do ICMS ser definitivamente retirado da base de cálculo da Cofins. O julgamento no Supremo Tribunal Federal já está seis a um pela exclusão do imposto. Segundo a Advocacia-Geral da União, a exclusão gerará uma perda na arrecadação de R$ 2 bilhões por ano, o que influenciará diretamente nos serviços de saúde e assistência social e nas alíquotas da Cofins.

Para evitar a perda bilionária, a AGU apresentou uma Ação Declaratória de Constitucionalidade no Supremo. A idéia é fazer com que a corte declare, definitivamente, que a inclusão do ICMS na base da Cofins é constitucional. O posicionamento do STF deverá colocar fim a entendimentos diversos dos diferentes tribunais. “A existência de decisões contraditórias afeta a imagem do Poder Judiciário perante a sociedade, desprestigiando-o”, diz a Advocacia.

Ainda que a chance de reverter a opinião para qual caminha o STF, a AGU aposta no bom senso do tribunal e na sua cautela ao rever jurisprudência que o governo considera pacificada na corte. Para o governo, não há qualquer motivo para mudar a jurisprudência. “A rejeição de jurisprudência remansosa e tradicional dos tribunais só pode ser admitida num Estado Democrático de Direito se razão relevantíssima surgir e impuser tal reforma de posição.”

Como argumentos jurídicos, a AGU defende que não há qualquer impedimento legal para que o ICMS faça parte da base de cálculo da Cofins. Segundo o governo, a Constituição Federal determina que cabe à legislação ordinária definir os critérios da cobrança de contribuição social. A legislação ordinária, por sua vez, tratou de excluir o IPI da base de cálculo da Cofins. A ausência de qualquer norma que exclua o ICMS também já legitima a sua inclusão, defende a Advocacia.

Para a AGU, o ICMS é considerado como custo na hora de definir o preço do produto. Portanto, como parte do preço do produto vendido, integra o faturamento. A Cofins, por lei, tem de ser calculada em cima deste faturamento. O governo entende que o próprio Supremo já sinalizou seu entendimento nesse sentido ao permitir que o ICMS integre a sua própria base de cálculo, na chamada “cobrança por dentro”.

A Advocacia-Geral da União usa como argumento para reforçar a sua tese a maneira como é cobrado o imposto sobre mercadoria nos Estados Unidos. Lá, o ICMS não compõe o preço da mercadoria. Ele é especificado separadamente e o vendedor tem de repassar o valor diretamente para o fisco. Senão, fica caracterizada o crime de apropriação indébita. Ou seja, o vendedor funciona como mediador entre o fisco e consumidor.

No Brasil, não é assim. O consumidor não sabe quanto está pagando de ICMS e o valor é integrado ao faturamento da empresa. Depois é que esta faz o devido repasse ao fisco. Caso não faça, fica caracterizado o crime de sonegação, e não apropriação indébita.

A AGU também teme que o Supremo decida pela exclusão do ICMS da base de cálculo da Cofins de maneira retroativa, ou seja, <I>ex tunc</I>. O governo calcula que, se assim for decidido, R$ 60 bilhões sairão dos cofres públicos, referente à cobrança nos últimos cinco anos. Portanto, pede para que, caso decida excluir o ICMS da Cofins, a decisão passe a valer só a partir de sua publicação, ou seja, com efeitos <I>ex nunc</I>.

Veja o pedido

EXCELENTÍSSIMA SENHORA MINISTRA-PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, representado pelo Advogado-Geral da União (art. 22 da Lei nº 9.028, de 1995, com a redação dada pela MP nº 2.216-37, de 2001), com fundamento no art. 103, I, da Constituição Federal, bem como na Lei nº 9.868, de 1999, vem, perante essa Suprema Corte, ajuizar

AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE

com pedido de medida cautelar, tendo por objeto o art. 3º, § 2º, I, da Lei 9.718, de 27 de novembro de 1998, fazendo-o pelos fundamentos a seguir expostos.

I. DO OBJETO DA AÇÃO

A presente ação tem como objeto a declaração de constitucionalidade do art. 3º, § 2º, I, da Lei 9.718, de 27 de novembro de 1998, que dispõe, verbis:


“Art. 3º O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa jurídica.

(…)

§ 2º Para fins de determinação da base de cálculo das contribuições a que se refere o art. 2º, excluem-se da receita bruta:

I – as vendas canceladas, os descontos incondicionais concedidos, o Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI e o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação — ICMS, quando cobrado pelo vendedor dos bens ou prestador dos serviços na condição de substituto tributário.”

Trata-se de dispositivo que regulamenta a base de cálculo sobre a qual serão apurados os valores da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS e dos Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PIS/PASEP.

II. DA CONTROVÉRSIA JUDICIAL

A fim de atender ao disposto no art. 14 da Lei nº 9.868/1999, passa-se a demonstrar a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do dispositivo objeto da ação declaratória.

Atualmente, no âmbito dos Tribunais Regionais Federais, são encontradas decisões com entendimentos divergentes a respeito da norma impugnada.

Assim, por um lado, ao se analisar o conteúdo do art. 3º, § 2º, I, da Lei nº 9.718/1998, alguns julgados concluíram pela validade da norma, incluindo o valor do ICMS na base de cálculo da COFINS. Nesse sentido, destacam-se os seguintes entendimentos[1]:

Súmulas do Superior Tribunal de Justiça:

68 – A parcela relativa ao ICM inclui-se na base de cálculo do PIS.

94 – A parcela relativa ao ICMS inclui-se na base de cálculo do FINSOCIAL[2].

Acórdão do Superior Tribunal de Justiça:

“TRIBUTÁRIO. BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS. INCIDÊNCIA DOS VALORES REFERENTES AO ICMS E AO IPI. As parcelas relativas ao ICMS e ao IPI incluem-se na base de cálculo do PIS e da COFINS. Recurso improvido.” (RESP nº 746.038/RS. Rel. Min. João Otávio de Noronha. Órgão Julgador: 2ª Turma. Decisão: 2/8/2007.)

Acórdãos de Tribunais Regionais Federais:

DIREITO TRIBUTÁRIO. ICMS. BASE DE CÁLCULO DA COFINS E PIS. POSSIBILIDADE.

1. Os valores devidos à conta do ICMS integram a base de cálculo da contribuição para financiamento da seguridade social. Súmula n. 94/STJ.


2. Inexiste ofensa ao princípio da não-cumulatividade. A COFINS tem a natureza jurídica de contribuição social, da competência residual da União, e no caso desses tributos tal violação só se configura quando se tratar de novas fontes, não previstas na Carta Federal.

3. Não há violação ao princípio da seletividade, porque essa regra manifesta as opções políticas do legislador, que o Poder Judiciário só deve afastar no caso de manifesta ilegalidade.

4. Lei nº 9718/98. Constitucionalidade formal. A Suprema Corte já entendeu que, em matéria tributária, os conceitos receita bruta e faturamento se identificam (RE Nº 150.764 – PE, DJ 02.04.93, pp.1.526) .

5. Apelação desprovida.

(TRF 1ª Região. AMS nº 2001.34.00.028918-1/DF. Relator: Des. Federal Carlos Olavo. Órgão Julgador: 4ª Turma. Decisão: 25/2/2003. DJ de 21/3/2003.);

TRIBUTÁRIO. BASE DE CÁLCULO. PIS E COFINS. ICMS. INCLUSÃO. SÚMULAS 68 E 94 DO STJ. ARTIGO 3º, § 2º, INCISO III, DA LEI 9.718/98. NORMA DEPENDENTE DE REGULAMENTAÇÃO. REVOGAÇÃO PELA MEDIDA PROVISÓRIA N.º 1991-18/2000. Conforme se depreende da leitura do inciso I, § 2º do art. 3º da Lei 9.178/98, a condição de se efetuar o desconto do ICMS para fins de determinar a base de cálculo do PIS e da COFINS seria a cobrança pelo vendedor dos bens ou prestador de serviços agindo na condição de substituto tributário do verdadeiro contribuinte. Sendo o ICMS um imposto indireto, embutido no preço da mercadoria, integra a receita bruta, e, portanto, deve constar da base de cálculo das contribuições em comento. A matéria já se encontra sumulada pelo Eg. Superior Tribunal de Justiça (Súmula 68) e pelo extinto Tribunal Federal de Recursos (Súmula 258). Com relação à COFINS, contribuição que substituiu o FINSOCIAL, não é cabível a dedução pleiteada, conforme entendimento pacificado e sumulado pela egrégia Corte Superior em relação ao FINSOCIAL (Súmula 94), que, por analogia, estende-se à COFINS. No que se refere ao inciso III, do § 2º do artigo 3º da mencionada lei, a 1ª Seção do eg. Superior Tribunal de Justiça igualmente pacificou o entendimento de que tal inciso jamais teve eficácia, por se tratar de norma cuja aplicação dependia de regulamentação pelo Poder Executivo, que jamais foi editada até sua revogação pela MP 1.991/00. (TRF 2ª Região. AC nº 2002.51.04.000411-4/RJ. Rel. Des. Alberto Nogueira. Órgão Julgador: 4ª Turma Esp. Decisão: 6/9/2005. DJ de 6/10/2005.);

TRIBUTÁRIO. PIS E COFINS. BASE DE CÁLCULO. INCLUSÃO DA PARCELA DO ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. EXTENSÃO POR EQÜIDADE AO ICMS EMBUTIDO NO PREÇO DA MERCADORIA. INCABIMENTO.

1. Inclui-se na base de cálculo do PIS a parcela relativa ao ICMS devido pela empresa na condição de contribuinte (Súmulas 258 TFR e 68 do STJ).


2. A substituição tributária ‘para frente’ foi reconhecida pela CF/88 através da adição do par. 7º ao art. 150 da CF/88 pela EC 3/93, configurando o ICMS cobrado na condição de substituto tributário em mera antecipação do tributo devido pelo varejista na operação subseqüente de venda a consumidor final.

3. Na cobrança do ICMS por substituição, o industrial age como mero intermediário entre o Fisco e seu cliente ostentando ainda condição de depositário do ICMS cobrado na condição de substituto tributário, razão por que essa verba não se confunde com faturamento – ainda que cobrada na nota fiscal – e, por isso mesmo, o ordenamento permite sua exclusão da base de cálculo.

4. O emprego da eqüidade não pode resultar na dispensa do pagamento do tributo ex vi do par. 2º do art. 108 do CTN.

5. Apelação improvida.

(TRF 4ª Região. AMS nº 2000.71.06.001506-1/RS. Rel. Des. Federal Alcides Vettorazzi. Órgão Julgador: 2ª Turma. Decisão em 26/6/2001. DJ de 29/8/2001.).

No mesmo sentido, os processos abaixo:

STJ

– AGI nº 781.469/SP, Relator Min. Castro Meira. Acórdão de 05/10/06;

TRF 1º Região

– AGI nº 2007.01.00.008964-8/MT, Relator Desembargador Federal Catão Alves. Decisão liminar de 03/04/07;

TRF 2º Região

– Agravo Interno em AGI nº 2007.02.01.000821-6, Relator Juiz Federal José Neiva. Acórdão de 27/03/07;

TRF 3º Região

– ED-AC nº 2006.03.99.040116-9/SP, Relatora Desembargador Federal Consuelo Yoshida. Acórdão de 23/05/07;

TRF 4º Região

– AC-MS nº 2006.71.02.006407-5/RS, Relatora Juíza Federal Taís Schilling Ferraz. Acórdão de 25/07/07;

– ED na AMS nº 2003.71.07.010653-2/RS, Relator Desembargador Federal Antonio Albino Ramos de Oliveira. Acórdão de 07/06/07;

– AC nº 2005.71.07.003476-1/RS, Relatora Juíza Viviane Josete Pantaleão Caminha. Acórdão de 14/03/07;

– AMS nº 2005.72.00.005871-7/SC, Relator Desembargador Federal Vilson Darós. Acórdão de 13/12/06;

– AGI nº 2006.04.00.03.2501-8/PR, Relator Desembargador Federal Otávio Roberto Pamplona. Acórdão de 12/12/2006;

– AMS nº 2006.71.07.000230-2/RS, Relator Juiz Joel Ilan Paciornik. Acórdão de 12/07/06;

– AC nº 2002.70.00.030634-3/PR, Relator Desembargador Federal Álvaro Eduardo Junqueira. Acórdão de 09/11/06;

– AGI nº 2006.04.00.037671-3/SC, Relator Desembargador Federal Dirceu de Almeida Soares. Acórdão de 03/04/07;

– AMS nº 2006.71.02.006407-5/RS, Relator Juíza Federal Taís Schilling Derraz. Acórdão de 25/07/07;

Varas Federais


– 1ª Vara de Londrina/PR. MS nº 2006.70.01.006578-0/PR, Relator Juiz Federal Oscar Alberto Mezzaroba Tomazoni. Sentença de 26/06/07;

– 1ª Vara de Londrina/PR. MS nº 2006.70.01.006085-0/PR, Relator Juiz Federal Oscar Alberto Mezzaroba Tomazoni. Sentença de 30/03/07;

– 1ª Vara de Londrina/PR. MS nº 2006.70.01.002761-4/PR, Relator Juiz Federal Substituto Alexei Alves Ribeiro. Sentença de 12/02/07;

– 1ª Vara de Londrina/PR. MS nº 2007.70.01.001960-9/PR, Relator Juiz Federal Oscar Alberto Mezzaroba Tomazoni. Sentença de 26/06/07.

Ocorre que, apesar da pacificação da matéria já há muitos anos, algumas decisões recentes, inspiradas no julgamento ainda em curso do RE nº 240.785-2/MG e desconsiderando a presunção de validade da norma legal, estão sendo proferidas a fim de excluir o valor pago a título de ICMS da base de cálculo da COFINS. Nesse sentido, verbis:

TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXCLUSÃO DO ICMS DA BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS. PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO E PERIGO DE DANO DEMONSTRADOS. COMPENSAÇÃO EM SEDE DE LIMINAR. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 212 DO STJ.

1. No julgamento iniciado e não concluído do Recurso Extraordinário 240.785-2/MG (Informativo 437, do STF), o Supremo Tribunal Federal, pelo voto do Relator, Ministro Marco Aurélio, deu provimento ao recurso, por entender violado o art. 195, I, da CF, por estar incluído na base de cálculo da COFINS, como faturamento, o ICMS.

2. O entendimento alcança também a contribuição para o PIS, posto que o raciocínio que se utiliza para justificar a não inclusão do ICMS na base do COFINS autoriza, também, a exegese para sua não utilização na base de cálculo do PIS.

3. O periculum in mora, por sua vez, reside no desequilíbrio financeiro gerado ao contribuinte, ao realizar o pagamento do tributo, nos termos em que lhe está sendo cobrado, redundando em risco às suas atividades operacionais, ou, em caso de inadimplência, em penalidades, oriundas da exigibilidade do crédito tributário, como a negativa de seu direito em obter certidões negativas de débitos e inscrição do seu nome no CADIN.

4. Não é possível o deferimento de liminar que objetiva compensação de crédito tributário, nos termos da Súmula 212 do STJ. Ademais, o deferimento de tal pedido esvaziaria o objeto da demanda no mandado de segurança.

5. Agravo de instrumento a que se dá parcial provimento.

(TRF 1ª Região. AG nº 2006.01.00.046648-2/AM. Rel. Des. Federal Maria do Carmo Cardoso. Órgão Julgador: 8ª Turma. Julgamento: 25/5/2007. DJ de 22/6/2007.);

TRIBUTÁRIO. PIS/COFINS. BASE DE CÁLCULO. INCLUSÃO DO ICMS. NÃO CABIMENTO. IRRETROATIVIDADE DA LEI COMPLEMENTAR 118/05. COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO TAXA SELIC E JUROS DE MORA.

I. A jurisprudência, inclusive do excelso Pretório, vem se dirigindo no sentido de entender violado o art. 195, I, da Constituição, em hipótese que tal, por estar incluído na base de cálculo da COFINS, como faturamento, o ICMS

II. Em atenção à segurança jurídica, não há de se falar em retroatividade do comando da Lei Complementar 118/2005, independentemente da discussão sobre sua natureza, se interpretativa ou não.


III. São compensáveis créditos decorrentes do indevido recolhimento, a título do PIS e da COFINS, com qualquer outro tributo arrecadado e administrado pela Secretaria da Receita Federal, sendo irrelevante se o destino das arrecadações seja outro.

IV. Sobre os valores devidos até a data de 31 de dezembro de 1995, os juros moratórios aplicáveis são de 1% ao mês, a contar da data do trânsito em julgado da sentença, conforme os dispositivos do art. 161 c/c 167 do Código Tributário Nacional. Sobre os valores devidos a partir de 1º de janeiro de 1996, aplicável a Taxa SELIC, nos termos do art. 39, § 4º, da Lei 9.250/95, contados a partir dos recolhimentos indevidos das exações, sendo vedada, em razão da natureza da taxa, a cumulação desta com outro índice de juros, sob pena de incorrer em bis in idem.

V. Apelação provida.

(TRF 1ª Região. AMS nº 2002.32.00.005081-4/AM. Rel. Des. Federal Carlos Fernando Mathias. Órgão Julgador: 8ª Turma. Julgamento em 14/8/2007. DJ de 14/8/2007.).

No mesmo sentido, são os processos abaixo:

STJ

– AGI nº 666548 – RJ, Relator Min. Luiz Fux. Decisão de 27/09/06;

TRF 1º Região

– AGI nº 2007.01.00.024248-9/DF, Desembargadora Maria do Carmo Cardoso. Decisão de 24/07/07;

Varas Federais

– 2º Subseção Judiciária – Dourados/MS. 2º Vara Federal. MS nº 2007.60.02.003329-6, Juiz Federal Substituto Ronaldo José da Silva. Decisão liminar de 07/08/07;

– 1º Vara Federal do Estado de São Paulo. MS nº 2006.61.12.011856-0, Juíza Federal Substituta Maria Catarina de Souza Martins Fazzio. Sentença de 05/06/07;

– 7ª Vara Federal de Minas Gerais. MS nº 2006.38.00.037350-4, Juiz Federal Substituto Rodrigo de Godoy Mendes. Sentença de 15/06/07;

– 19ª Vara Federal de Minas Gerais. MS individual nº 2007.38.00.001144-3, Juiz Federal Substituto João César Otoni de Matos. Sentença de 12/06/07;

-13ª Vara Federal de Minas Gerais. MS nº 2007.38.00.002862-5, Juíza Federal Luciana Pinheiro Costa Mayer Soares. Sentença de 01/05/07;

– 5ª Vara Federal de Mato Grosso. MS coletivo nº 2006.36.00.016296-5, Juiz Federal José Pires da Cunha. Sentença de 16/04/07;

– 2ª Vara de Mato Grosso. MS individual nº 2007.36.00.005137-4, Juiz Federal Jeferson Schneider. Sentença de 29/06/07;

– 5ª Vara de Mato Grosso. MS individual nº 2006.36.00.016651-3, Juiz Federal José Pires da Cunha. Sentença de 04/06/07;

– 2ª Vara de Mato Grosso. MS individual nº 2007.36.00.002615-8, Juiz Federal Jeferson Schneider. Sentença de 29/06/07;

– 1ª Vara de Londrina/PR. MS nº 2007.70.01.001069-2/PR, Juiz Federal Substituto Alexei Alves Ribeiro. Sentença de 11/07/07;

– 1ª Vara de Londrina/PR. MS nº 2007.70.01.000521-0/PR, Juiz Federal Substituto Alexei Alves Ribeiro. Sentença de 10/07/07.

Desse modo, desde o reinício do julgamento pelo Excelso Pretório do RE nº 240.785/MG, em que se examina, com base no art. 2º, § único, da Lei Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991, se o ICMS pode ser incluído na base de cálculo da COFINS, diversas decisões têm sido prolatadas, pelos mais diversos órgãos judiciais do país, infirmando a presunção de constitucionalidade da Lei nº 9.718/98 (que não é objeto daquele julgamento já iniciado).

Nesse contexto, teme-se que a má compreensão acerca da legitimidade do art. 3º, § 2º, I, da Lei nº 9.718/1998, em face do art. 195, I, da Constituição Federal, cause grave insegurança jurídica em milhares de relações tributárias, bem como significativo comprometimento de receitas tributárias. Destaque-se, ainda, a repercussão do entendimento sobre as contribuições relativas ao PIS/PASEP, na medida em que possuem mesma metodologia de cálculo da COFINS.


Assim, ante a relevante controvérsia jurisprudencial configurada, mostra-se de particular importância a decisão definitiva desse Colendo Supremo Tribunal Federal pela via do controle concentrado sobre a matéria.

III. DO PARÂMETRO DE CONTROLE

A presente ação tem o objetivo de ver declarada a constitucionalidade do art. 3º, § 2º, I, da Lei nº 9.718/1998, em face da previsão contida no art. 195, I, da Carta Política.

Especificamente, demonstrar-se-á a validade do dispositivo legal a partir do fato de que a Constituição Federal permite, desde sua redação originária, a cobrança de contribuição social incidente sobre o faturamento do empregador.

No caso em exame, é importante observar que, ainda que o texto constitucional tenha sido alterado pela Emenda Constitucional nº 20/1998, a norma que prevê dita contribuição se mantém no ordenamento jurídico nacional[3]. Desse modo, a modificação na redação da Lei Maior não prejudica o exame de validade da lei ordinária pela via concentrada, na medida em que o parâmetro de controle que se pretende utilizar (norma) é vigente à época da edição da lei e perdura nos dias atuais.

Em suma, permanecendo íntegra a norma constitucional que autoriza o legislador federal ordinário a instituir contribuição incidente sobre o faturamento das empresas para o financiamento da Seguridade Social, há de ser conhecida a presente ação declaratória.

IV. DA CONTROVÉRSIA CONSTITUCIONAL

IV.1 – Referências normativas da matéria.

A Constituição Federal, no Título VIII, “Da Ordem Social”, ao prever o financiamento da seguridade social, reservou ao legislador ordinário a regulamentação da matéria. Em sua redação originária, estabelecia o art. 195 o seguinte:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I – dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro;

II – dos trabalhadores;

III – sobre a receita de concursos de prognósticos.” (Destacou-se)

Na vigência dessa norma, no âmbito federal, editou-se a Lei Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991, que “institui contribuição para financiamento da Seguridade Social”. Em seu art. 2º, ficou estabelecido que, verbis:

"Art. 2° A contribuição de que trata o artigo anterior será de dois por cento e incidirá sobre o faturamento mensal, assim considerado a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza.

Parágrafo único. Não integra a receita de que trata este artigo, para efeito de determinação da base de cálculo da contribuição, o valor:

a) do imposto sobre produtos industrializados, quando destacado em separado no documento fiscal;


b) das vendas canceladas, das devolvidas e dos descontos a qualquer título concedidos incondicionalmente."

Note-se, desde logo, que, se o legislador precisou excluir o IPI (tributo indireto), quando destacado em nota fiscal, da base de cálculo da COFINS, é porque, a contrario sensu, estaria ele naturalmente incluído por força do caput. Como o ICMS não foi excepcionado, legitimou-se o entendimento de que estava ele compreendido na base imponível da contribuição sobre o faturamento.

É importante ressaltar que o citado artigo teve sua constitucionalidade reconhecida quando do julgamento da ADC nº 1. Nesse sentido, confira-se o acórdão proferido na ocasião, verbis:

“Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em conhecer em parte da ação, e, nessa parte, julgá-la procedente, para declarar, com os efeitos vinculantes previstos no parágrafo 2º do art. 102 da Constituição Federal, na redação da Emenda Constitucional nº 03/93, a constitucionalidade dos artigos 1º, 2º e 10, bem como da expressão ‘a contribuição social sobre o faturamento de que trata esta lei complementar não extingue as atuais fontes de custeio da Seguridade Social’, contida no artigo 9º, e também da expressão ‘esta lei complementar entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir do primeiro dia do mês seguinte aos noventa dias posteriores, àquela publicação, …’, constante do artigo 13, todos da Lei Complementar nº 70, de 30.12.1991. Brasília, 1º de dezembro de 1993.” (Destacou-se)

Posteriormente, a inclusão do valor referente ao ICMS na base de cálculo da COFINS (e do PIS/PASEP) passou a ter supedâneo legal no art. 3º, § 2º, I, da Lei 9.718/98 (ora impugnado), também entendido a contrario sensu, verbis:

"Art. 3º O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa jurídica.

(…)

§ 2º Para fins de determinação da base de cálculo das contribuições a que se refere o art. 2º, excluem-se da receita bruta:

I – as vendas canceladas, os descontos incondicionais concedidos, o Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI e o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, quando cobrado pelo vendedor dos bens ou prestador dos serviços na condição de substituto tributário; (…)"

Desse modo, observa-se que a lei só excluiu o ICMS da base imponível das contribuições em exame quando for ele pago em regime de substituição tributária. Esse regime, por sua vez, é excepcional e depende de expressa previsão legal (art. 150, § 7º, CRFB). Logo, em regra geral, não sendo o valor pago a título de ICMS decorrente de substituição tributária, não deve ser ele deduzido da base de cálculo da COFINS e do PIS/PASEP.

Em 15 de dezembro de 1998, editou-se a Emenda Constitucional nº 20, que alterou a redação do art. 195 da Lei Maior, cujo texto restou assim escrito, verbis:

“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:


I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

b) a receita ou o faturamento;

c) o lucro; (…)” (Destacou-se)

Conforme se verifica, seja em sua redação originária, seja a decorrente da EC nº 20/98, a Constituição prevê a possibilidade de cobrança de contribuição social incidente sobre o faturamento do empregador. Tal norma, que existe desde 1988, em que pese a mudança de texto, continua em vigor.

Mais recentemente, foram ainda editadas as Leis nºs 10.637, de 30 de dezembro de 2002, que regula a cobrança da contribuição do PIS/PASEP, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003, que trata da COFINS. Seguindo a tradição, ambas prevêem que a base de cálculo dessas contribuições é o faturamento das empresas.

Vale destacar que referidas leis não revogaram, nem expressa nem tacitamente, o art. 3º, § 2º, I, da Lei nº 9.718/98. Pelo contrário, a especialidade desta norma, que excepciona quais elementos serão excluídos da base de cálculo daquelas exações, impõe sua permanência no ordenamento jurídico e deve ser observada quando da aplicação das leis posteriores.

IV.2 – A questão da inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS

IV.2.a – Do ICMS na composição do faturamento

A questão da inclusão do custo dos tributos indiretos – no caso, o ICMS – no preço dos produtos, com reflexos no cálculo das exações que têm suas bases de cálculo compostas total ou parcialmente pelo preço das mercadorias ou serviços, é antiga na história jurídica brasileira.

Em 1999, essa Egrégia Corte analisou a constitucionalidade do cálculo do ICMS compondo sua própria base e decidiu, definitivamente, a validade desse sistema, chamado incidência “por dentro”. Nesse sentido, restou assim ementado o caso paradigma, verbis:

“Constitucional. Tributário. Base de cálculo do ICMS: inclusão no valor da operação ou da prestação de serviço somado ao próprio tributo. Constitucionalidade. Recurso desprovido. (RE nº 212.209/RS. Relator: Min. Marco Aurélio. Relator para acórdão: Min. Nelson Jobim. Julgamento em 23/6/1999. DJ de 14/2/2003.)

Reconheceu-se, na ocasião, que a incidência do ICMS é sobre a operação como um todo, isto é, o preço da mercadoria, computados seus custos. Somente assim se realizaria, no caso deste imposto, o princípio da não-cumulatividade. Nas palavras do Min. Moreira Alves:

“Há que fazer duas observações. Se o ICMS não for um imposto por dentro, jamais chegaremos ao que se deve chegar com a observância do princípio da não-cumulatividade, com o seu jogo de compensações. Ademais, o fato gerador é que decorre da Constituição, mas é a lei complementar que impõe a base de cálculo, e ela só seria inconstitucional, nesse ponto, se estabelecer base de cálculo que não se coadune com o fato gerador, o que não corre aqui, em que a base de cálculo é a única que se compatibiliza com o próprio imposto, inclusive para a observância do princípio da não-cumulatividade.”

O entendimento de que o ICMS compõe a sua própria base de cálculo impõe a outro, a saber, o de que o valor desse imposto corresponde a custos a cargo da empresa, que são levados em conta na formação do preço. A respeito, pertinente destacar as palavras do Min. Eros Grau em voto proferido no julgamento do RE nº 240.785/MG, que, apoiado na norma contida no art. 166 do Código Tributário Nacional, afirmou, verbis:


[O ICMS] É custo, tal como o salário, a energia elétrica, sendo irrelevante a atividade e a classificação contábil para tais receitas.”

Entende-se por custo do produto todos os gastos idealmente calculados como necessários especificamente para sua produção ou aquisição. Justamente por compor o custo do produto, o ICMS acaba sendo agregado em seu preço. Esse é o método que permite o trespasse do ônus econômico ao consumidor final.

O termo “custo” tem significação específica nas Ciências Contábeis. Eis sua definição pelo IBRACON – Instituto Brasileiro de Contadores[4]:

“É o preço pelo qual se obtém um bem, direito ou serviço. Por extensão, é também o montante do preço da matéria-prima, mão-de-obra e outros encargos incorridos para a produção dos bens e serviços. Ele é, pois, tanto o preço pelo qual é adquirido um bem ou serviço, como o incorrido no processo interno da empresa para a prestação de serviços ou obtenção de bens, para venda ou uso interno”.

Custo que é, seu ingresso torna-se parte do faturamento da empresa. Por faturamento, de acordo com a jurisprudência do STF, deve-se entender a soma das receitas operacionais da empresa. É a chamada receita bruta operacional. Esta é composta pelos resultados de operações – negócios jurídicos – típicos da atividade empresarial desempenhada pelo empresário; noutros termos, pelas receitas derivadas da exploração específica do objeto social da empresa. Conforme explicou o Min. Eros Grau, em voto no RE nº 357.950/RS, faturamento corresponde ao:

“resultado econômico das operações empresariais do agente econômico, como ‘receita bruta das vendas de mercadorias e mercadorias e serviços de qualquer natureza’ (art. 22 do decreto-lei n. 2.397/87). Esse entendimento foi consagrado no RE 150.764, Relator o Ministro Ilmar Galvão, e na ADC n. 1, Relator o Ministro Moreira Alves.”

Logo, a noção de custo está para a de preço assim como a noção de despesa operacional está para a de faturamento. O preço faz frente ao custo do produto, enquanto que o faturamento possibilita o pagamento das despesas que a empresa efetua para alcançar seus fins econômicos.

A respeito, José Alfredo Ferrari Sabino ressalta que as parcelas que compõem o preço das mercadorias e serviços também compõem a receita operacional das empresas e que são excluídas destas os valores que correspondem a meros repasses e reembolsos (custos de terceiros). São suas palavras[5]:

“Portanto, pode-se sinteticamente afirmar que (i) formam a receita das vendas, e portanto incluem-se na base de cálculo do PIS e da Cofins, todas as parcelas que compõem o preço do produto vendido, por representarem a contrapartida do fornecimento de bens e serviços; (ii) não compõem a receita das empresas, e assim estão fora da base de cálculo do PIS e da Cofins, os ingressos que serão repassados a terceiros ou que constituam meros reembolsos por despesas ou custos a cargo de terceiros (vale dizer, custos de terceiros).”

Diante de tais considerações, percebe-se que, sendo o ICMS repassado para “dentro” do preço de venda, sua importância correspondente deve ser tributada pelas exações que incidem sobre o faturamento ou a receita bruta total das empresas; no caso, a COFINS e o PIS/PASEP.

Assim, é possível afirmar que, uma vez que o ICMS incide sobre a operação, sua inclusão na base de cálculo há de ser considerada custo na formação do preço pelo alienante. Logo, o ingresso de valores relativos ao preço, incluída aí a parcela do ICMS, representa faturamento da empresa. Em suma, o valor integral do preço, e não a diferença entre este o valor do imposto, é tido por faturamento do agente econômico.


Incluído no conceito de faturamento, na medida em que o ICMS é imposto indireto que se agrega ao preço da mercadoria, verifica-se a legitimidade da cobrança da COFINS levando em consideração esse tributo.

Referida contribuição social incide sobre o faturamento das empresas, nos termos do art. 195, I, da Constituição Federal, art. 2º da Lei Complementar nº 70/1991 e art. 2º da Lei 9.718/1998.

Ora, conforme se demonstrou, o ICMS compõe o faturamento do agente, porque representa custo da produção e está integrado ao preço da mercadoria ou serviço. Logo, a COFINS há de incidir levando-se em conta essa parcela.

Note-se, por fim, que se inconstitucional fosse a incidência da COFINS sobre o valor do ICMS embutido no preço das mercadorias e serviços, também o seria, com muito mais razão, a incidência do ICMS sobre o próprio ICMS (o chamado ICMS “por dentro”). Ora, sendo o faturamento conjunto continente do preço de cada produto alienado, não há como o ICMS servir de base imponível para o próprio ICMS e não o servir para a COFINS ou o PIS/PASEP. E o STF, relembre-se, já pacificou há muito tempo sua jurisprudência no sentido de que é legítima a técnica de tributação do ICMS “por dentro” (RE 212.209/RS).

IV.2.b – O caso do IPI

É interessante destacar que tal sistemática jamais poderia ocorrer com o imposto sobre produtos industrializados. Por sua natureza, o IPI não pode integrar a base de cálculo da COFINS.

Muito embora ICMS e IPI sejam impostos ditos indiretos[6], eles não oneram a cadeia econômica da mesma forma. É que, enquanto o ICMS representa custo na formação do preço, a permitir seu cálculo por dentro, o mesmo não acontece com o IPI, cujo cálculo é realizado sem a integração deste imposto em sua própria base de cálculo. Conforme explica Aliomar Baleeiro[7], “o IPI é calculado por fora do valor da operação de que resulta a saída pela industrialização”.

Essa lógica de apuração distingue o tratamento que deve ser dado ao valor referente ao IPI e ao ICMS na formação da base de cálculo das contribuições sobre o faturamento, uma vez que o IPI é cobrado em separado.

Tal explicação é fundamental para se compreender os motivos que levaram o legislador a excluir, expressamente, o IPI da base de cálculo da COFINS. Não se trata de mera medida em favor do contribuinte. Com acerto, trata-se de reconhecer, desde a edição da Lei Complementar nº 70/1991, seguida da Lei nº 9.718/1998, que esse imposto, por sua natureza, não pode onerar a contribuição social em exame.

Por outro lado, o mesmo não se verifica com o ICMS, na medida em que, agregando-se ao preço da mercadoria ou serviço, esse imposto compõe custo de produção do bem.

Assim, verifica-se que a legislação teve a preocupação de evitar controvérsias futuras, afinal ambos os impostos são classificados segundo a doutrina como indiretos. Todavia, apenas o ICMS é considerado internamente no preço da operação, razão por que, com louvor, a legislação optou por esclarecer, desde logo, que o IPI não integrará a base de cálculo da contribuição social.

IV.2.c – Da declaração de inconstitucionalidade do art. 3º, § 1º, da Lei nº 9.718/98

Na mesma linha de raciocínio, outro argumento a ser destacado diz respeito ao entendimento firmado por esse Egrégio Supremo Tribunal Federal quanto à inconstitucionalidade do § 1º do art. 3º da Lei nº 9.718/98, cujo teor é o seguinte, verbis:

“Art. 3º O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa jurídica.

§ 1º Entende-se por receita bruta a totalidade das receitas auferias pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil para as receitas.”


No julgamento dos RREE nºs 357.970/RS e 346.084/PR, declarou-se a inconstitucionalidade da norma supratranscrita, na medida em que ela excederia, sem justificativa ou amparo no Texto, a noção de faturamento, de modo a tornar equivalentes os conceitos de faturamento e, não receita bruta propriamente, mas o gênero receita.

Com efeito, o Excelso Pretório observou que a lei ordinária não poderia elastecer o sentido da expressão receita bruta a ponto de considerar como base de cálculo da COFINS qualquer ingresso, independentemente de sua natureza ou causa. Desse modo, foi declarada a inconstitucionalidade da norma, conforme se verifica abaixo, verbis:

“CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE – ARTIGO 3º, § 1º, DA LEI Nº 9.718, DE 27 DE NOVEMBRO DE 1998 – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20, DE 15 DE DEZEMBRO DE 1998. O sistema jurídico brasileiro não contempla a figura da constitucionalidade superveniente. TRIBUTÁRIO – INSTITUTOS – EXPRESSÕES E VOCÁBULOS – SENTIDO. A norma pedagógica do artigo 110 do Código Tributário Nacional ressalta a impossibilidade de a lei tributária alterar a definição, o conteúdo e o alcance de consagrados institutos, conceitos e formas de direito privado utilizados expressa ou implicitamente. Sobrepõe-se ao aspecto formal o princípio da realidade, considerados os elementos tributários. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL – PIS – RECEITA BRUTA – NOÇÃO – INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 9.718/98. A jurisprudência do Supremo, ante a redação do artigo 195 da Carta Federal anterior à Emenda Constitucional nº 20/98, consolidou-se no sentido de tomar as expressões receita bruta e faturamento como sinônimas, jungindo-as à venda de mercadorias, de serviços ou de mercadorias e serviços. É inconstitucional o § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98, no que ampliou o conceito de receita bruta para envolver a totalidade das receitas auferidas por pessoas jurídicas, independentemente da atividade por elas desenvolvida e da classificação contábil adotada. (RE nº 357.950/RS. Rel. Min. Marco Aurélio. Julgamento em 9/11/2005. DJ de 15/8/2006. Destacou-se.).

Desse modo, é importante perceber que, ao declarar a inconstitucionalidade do § 1º do art. 3º da Lei nº 9.718/98, essa Corte Maior evitou que, a pretexto de se conceituar receita bruta, sinônimo de faturamento, se ampliasse seu sentido a ponto de igualá-lo ao gênero receita. Conforme destaca-se do voto do Relator, Min. Marco Aurélio, a norma, naqueles termos, “fez-se incluir no conceito de receita bruta todo e qualquer aporte contabilizado pela empresa, pouco importando a origem, em si, e a classificação que deva ser levada em conta sob o ângulo contábil”. Dessa forma, “o passo mostrou-se demasiadamente largo, olvidando-se, por completo, não só a Lei Fundamental como também a interpretação desta já proclamada pelo Supremo Tribunal Federal [ADC nº1].

Contudo, neste julgamento, se por um lado se pretendeu evitar, com a declaração de inconstitucionalidade da norma, sentido demasiado largo ao § 1º do art. 3º da Lei nº 9.718/98, por outro, não o reduziu, a ponto de afastar do conceito de faturamento o valor do ICMS incluído no preço. Pelo contrário, reafirmou-se o entendido na ADC nº 1, no qual receita bruta e faturamento são expressões sinônimas, as quais levam em conta apenas aqueles elementos que compõem o custo e influenciam na formação do preço do bem, conforme já bem explicou o Min. Eros Grau o sentido desses conceitos.

Por esta razão, a declaração de inconstitucionalidade do § 1º do art. 3º da Lei nº 9.718/98 reforça a tese de que o ICMS, ao contrário do que ocorre com o IPI, integra a base de cálculo da COFINS, na medida em que seu ingresso faz parte do faturamento da empresa.

IV.2.d – Comparação entre o ICMS e o Sales Tax norte-americano

Nas linhas acima, se verificou que o ICMS, calculado “por dentro”, faz-se integrar ao preço do produto. E, se este é pago pelo adquirente ao alienante, ele (o preço) ingressa totalmente no patrimônio do vendedor, inclusive a parcela correspondente ao ônus tributário.

Segundo Hugo de Brito Machado, é fundamental, na análise do ICMS, verificar a questão da sujeição passiva desse imposto. Segundo o jurista, há de se perceber que o comerciante-vendedor não é um intermediário entre o comprador e o Estado, um mero agente arrecadador. No sistema brasileiro, esse imposto, que onera a circulação de mercadorias, é devido pelo empresário que promove a saída do bem. O adquirente suporta o ônus tributário somente por meio do pagamento do preço. Desse modo, o agente econômico que vende o bem é, verdadeiramente, o contribuinte do imposto, não mero responsável tributário[8].


Segundo Brito Machado, a tese de que o ICMS não deve ser computado na base de cálculo da COFINS somente seria correta se o nosso sistema fosse idêntico ao operante na ordenação jurídica norte-americana. Lá, o sales tax, correspondente ao ICMS, não compõe o preço da mercadoria. Vale dizer: ele é cobrado “por fora”, em destaque, sabendo o consumidor exatamente quanto está pagando ao vendedor e quanto está pagando aos cofres públicos. O valor é destacado na nota fiscal, não por mera liberalidade do empresário alienante, mas por dever da legislação, visto que, naquela ordem tributária, o contribuinte de direito é o comprador. Dessarte, no sistema norte-americano, o valor correspondente ao sales tax, verdadeiramente, não ingressa no patrimônio do alienante, não compondo seu faturamento. Lá, o vendedor é intermediador entre o adquirente e o Estado.

No Brasil, distintamente, ainda que o alienante informe ao adquirente o valor do tributo, tal informação não desnatura a relação jurídica tributária, porquanto quem paga o ICMS é o vendedor; o comprador paga tão-só o preço da mercadoria, não sendo ele contribuinte de direito, senão de fato.

Ainda, segundo o tributarista, a distinção de sistemas provoca conseqüência no campo do direito consumeirista. Lá, a oferta pública é feita pelo valor livre do imposto de circulação e pode o comerciante exigir do comprador que, além do preço do produto, pague o tributo. Aqui, opostamente, se o empresário anuncia um produto à venda por um dado preço, deve vendê-lo por esse exato valor, não lhe sendo lícito exigir qualquer acréscimo tributário.

Brito Machado ainda aponta efeito penal dessa diferença de mecanismos de tributação. Nos Estados Unidos da América, como o vendedor é mero intermediador entre o Fisco e o contribuinte, se ele recebe deste o sales tax e deixa de repassar à Administração Tributária, comete crime de apropriação indébita tributária, pois está conduzindo a seu patrimônio o que não lhe pertence. No Brasil, diferentemente, o vendedor, recebendo o preço do produto, apropria-se licitamente de seu valor bruto, ainda que não pague o ICMS. A ausência de pagamento deste, se feita por meio de fraude, pode até caracterizar sonegação tributária[9], mas nunca apropriação indébita tributária, já que o valor correspondente ao ICMS, integrado ao preço, ingressa naturalmente no patrimônio do alienante.

Na mesma linha, Anselmo Henrique Cordeiro Lopes[10] acrescenta que é prova de que o ICMS incorporado ao preço ingressa no patrimônio do vendedor o fato de que, ainda que este não pague esse imposto, terá o comprador arcado com o ônus tributário. Vale dizer, no caso de não-pagamento do tributo, o patrimônio do alienante terá, de fato e de direito, sido majorado, enriquecido pelo repasse de um custo tributário que ainda não foi suportado.

Deve-se, ainda, salientar que o raciocínio aqui desenvolvido é válido ainda que o ICMS seja destacado no documento fiscal. Em verdade, o destaque na nota fiscal destina-se tão-só a permitir a apuração do ICMS a ser creditado e o valor a ser pago na próxima operação, servindo à concretização do princípio da não-cumulatividade[11].

Enfim, acolhendo a assertiva de que a pessoa jurídica empresarial alienante é contribuinte de direito do ICMS, os custos com o pagamento desse tributo são custos seus e não custos de terceiros, sendo certo que somente estes – os custos de terceiros – podem ser excluídos do faturamento da empresa.

IV.3 – Conclusão do tópico

Atendendo à interpretação lógico-sistemática do Diploma Fundamental e da legislação infraconstitucional, conclui-se que é plenamente legítima a inclusão do ICMS acoplado ao preço do produto ou serviço na base de cálculo da COFINS, do PIS/PASEP e de qualquer tributo que incida ou venha a incidir sobre o faturamento das pessoas jurídicas. De fato, o custo relativo ao ICMS, quando incorporado ao preço da mercadoria (ou serviço), passa a compor a representação de valor do bem que circula economicamente, sendo, logo, também representação de circulação de riqueza, estando, assim, sujeito à tributação.


Portanto, a norma contida no art. 3º, § 2º, I, da Lei 9.718/98, ao determinar a inclusão do valor do ICMS na base de cálculo da COFINS e do PIS/PASEP, quando não for caso de substituição tributária, está abrangida pelo conceito de “faturamento” estabelecido na norma de competência do art. 195, I, da Constituição da República.

IV.4 – Da segurança jurídica

A prática de se admitir a inclusão de tributo na base de cálculo de outro tributo é admitida tradicionalmente na jurisprudência brasileira. Com base nesse entendimento jurisprudencial, os entes da Federação têm planejado seus sistemas tributários. A eleição dessa forma de tributação influencia, inclusive, a instituição da alíquota de cada exação. Por exemplo, se não se admitisse que o ICMS pudesse compor a base de cálculo dele próprio, certamente os Estados elevariam sua alíquota formal. O mesmo se pode dizer com relação à COFINS e ao PIS.

Deve-se observar que a jurisprudência, quando enraizada numa dada comunidade, é fonte de interpretação do direito. O chamado costume jurisprudencial acaba por integrar a cultura jurídica de uma dada sociedade estatal. Essa cultura jurídica é formada também pela opinião dominante na doutrina e pelo juízo popular de legitimidade das condutas. Todos esses elementos do que se diz cultura jurídica geram uma opinio necessitatis tanto no cumprimento espontâneo de deveres pelos particulares, quanto na prática de atos administrativos ou na produção de atos político-legislativos[12].

O que se está chamando de cultura jurídica de uma sociedade estatal integra aquilo que Konrad Hesse denomina de contexto do âmbito normativo, que, conjugado com o programa normativo (o texto), dá luz à norma jurídica. Vale dizer, o intérprete e o aplicador do texto normativo, no momento de construção do sentido normativo, devem considerar a cultura jurídica da sociedade estatal de onde deriva o documento normativo. Sem levar em conta essa cultura jurídica, a interpretação não terá valor científico e resumir-se-á a mera construção intelectual individual do estudioso.

O respeito à cultura jurídica de um povo e, logo, à jurisprudência de seus tribunais produz previsibilidade na aplicação do direito. Esta, a previsibilidade, é corolário do princípio da segurança jurídica.

A chamada segurança jurídica é indispensável para o gozo seguro dos direitos subjetivos, livre de ameaças e contestações. Esse direito que têm os cidadãos e as pessoas jurídicas, de direito público ou privado, de gozar de seus direitos livres de ameaças e contestações é o próprio direito de segurança. A segurança é tão importante num Estado de Direito que o constituinte originário elevou-a, ao lado da vida, da liberdade, da igualdade e da propriedade, como bem jurídico fundamental (art. 5º, caput, CRFB). Como tal, dele decorrem diversos direitos fundamentais constantes do corpo da Constituição.

Tomando a questão jurídica concreta ora apresentada, anotamos que o respeito à jurisprudência historicamente firmada no Brasil (e, logo, à cultura jurídica da nação), no sentido da possibilidade de se incluir o ICMS na base de cálculo dos tributos que incidam sobre a circulação de riqueza, é imposição de ordem democrática; é, também, necessária para a tutela da segurança.

Não se está aqui defendendo a interpretação estática da Constituição; vale dizer, não se pretende argumentar que não possa evoluir a compreensão da Constituição, mormente pelo Supremo Tribunal Federal. Aceita-se a figura da mutação constitucional (Verfassungswandel[13]), por meio da qual a ordem constitucional é modificada sem alteração formal do texto constitucional. Nesse caso, a alteração ocorre no âmbito normativo e não no programa normativo, o que conduz à reforma informal de normas constitucionais. Em verdade, esse fenômeno não deve ser reservado à ordenação constitucional, sendo bastante plausível que ocorra, analogamente, mutação legal, principalmente em códigos seculares que precisam ser atualizados com base na interpretação.

Ocorre que a rejeição de jurisprudência remansosa e tradicional dos tribunais só pode ser admitida num Estado Democrático de Direito se razão relevantíssima surgir e impuser tal reforma de posição, sob pena de ofensa ao princípio da segurança jurídica. Essa preocupação foi bem compreendida pelo Min. Ilmar Galvão, quando, no precedente paradigmático do RE 212.209/RS, em que julgou o STF ser constitucional a inclusão do ICMS em sua própria base de cálculo, averbou que “se a tese ora exposta neste recurso viesse a prevalecer, teríamos, a partir de agora, na prática, um novo imposto. Trinta anos de erro no cálculo do tributo” (destacou-se).


Por essas razões, para se alterar a jurisprudência consagrada do Supremo Tribunal Federal (e também do Superior Tribunal de Justiça) e se negar a possibilidade de qualquer tributo integrar a base de cálculo de outro, dever-se-ia ter em mãos razão relevantíssima. Ainda nesse caso, o respeito à segurança jurídica aconselha que tal decisão seja reservada à Corte Constitucional e que só seja dotada de efeitos prospectivos. Isto é, que, nessa hipótese excepcional de revolução na interpretação do texto constitucional, o Supremo Tribunal Federal molde os efeitos da eventual declaração de inconstitucionalidade, concedendo-lhe eficácia ex nunc, pois, como já alertara o Min. Ilmar Galvão, a mudança de entendimento consolidado representa, na prática, o surgimento de um “novo tributo”.

No presente caso, não se vislumbra qualquer razão excepcional que determine a reorientação jurisprudencial. Assim, deve ser mantido o entendimento já enraizado no sistema tributário pátrio que permite que o custo tributário, uma vez incorporado aos preços dos produtos e serviços, integre a base de cálculo dos tributos que incidam sobre a circulação de riqueza.

Para os jurisdicionados (em que se inclui a Administração Tributária), a mutação constitucional – e até mesmo a mutação legal – equivale a uma inovação na ordem jurídica, e sua aplicação retroativa acaba sendo uma surpresa indesejável. Em linguagem jurídica, dir-se-ia que a imposição de mutação constitucional com efeitos antes de sua declaração pela Corte Constitucional fere o princípio da não-surpresa, que decorre do princípio da segurança jurídica, aqui tratado. Por isso, para se preservar o bem jurídico fundamental da segurança, deve-se respeitar a jurisprudência pátria até aqui consolidada e rejeitar-se a tese da obrigatoriedade da dedução do custo do ICMS da base de cálculo dos tributos que incidem sobre o faturamento das empresas.

Por fim, pedimos vênia para colacionar as conclusões lançadas por Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, em artigo jurídico citado na presente peça:

“Esse é o raciocínio que permeia a interpretação da legislação tributária, constitucional e infraconstitucional, há décadas na vida jurídica brasileira. Alterar essa percepção de nossa realidade normativa pode gerar grande instabilidade jurídica, o que não convém a um Estado Democrático de Direito.

Num país como o Brasil, em que a carga tributária é bastante expressiva, teses favoráveis aos contribuintes acabam sendo tratadas com bons olhos. Todavia, não se costuma conceber que a queda de arrecadação causada pela derrota judicial da Fazenda Nacional acaba gerando pressão para novas majorações da própria carga tributária. Essa pressão decorre não somente do cumprimento ex nunc da reorientação jurisprudencial, mas, principalmente, por vultosas compensações tributárias e expedições de precatórios em favor de grandes empresas, que são as principais contribuintes da COFINS, em razão da aplicação ex tunc da novel jurisprudência. O pequeno contribuinte é quem acaba sofrendo o ônus, pois, em grande parte das vezes, não consegue ser beneficiado pelo novo entendimento jurisprudencial e ainda sofre o peso de novas majorações de alíquotas e cortes de benefícios fiscais. (Destacou-se.).

De fato, eventual decisão do Supremo Tribunal Federal que determine, ex tunc, a dedução do “custo-ICMS” da base de cálculo da COFINS e do PIS/PASEP produzirá efeitos perversos nas contas públicas da União. As compensações tributárias que se seguirão serão astronômicas, gerando crise na execução orçamentária federal. Segundo dados passados pela Receita Federal do Brasil, o impacto econômico nos cofres públicos estará em torno de R$ 12.000.000.000,00 (doze bilhões de reais) por ano. Se pensarmos em indébitos tributários, repetidos ou compensados, dos últimos cinco anos, chegaremos à assustadora cifra de R$ 60.000.000.000,00 (sessenta bilhões de reais). E o mais grave é que a perda de receita da União estará vinculada ao orçamento da Seguridade Social, o que prejudicará inevitavelmente o financiamento dos serviços de saúde e da assistência social. Demais disso, a perda de receita deverá ser compensada por novas majorações de alíquotas, o que acabará prejudicando os pequenos contribuintes, os consumidores e a sociedade como um todo.


Por todas essas razões, caso venha a ser julgada improcedente a presente ação declaratória de constitucionalidade, requer-se, desde já, seja aplicado o art. 27 da Lei 9.868/99, de modo a conceder eficácia prospectiva à declaração de inconstitucionalidade, preservando-se a validade de todos os créditos tributários já constituídos ao tempo do trânsito em julgado deste processo.

V – DO PEDIDO CAUTELAR

Para concessão de liminar em ação declaratória de constitucionalidade, assim como nas medidas cautelares em geral, é necessária a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora.

Diante de tudo o que se expôs, não resta dúvida acerca da constitucionalidade da norma objeto desta ação declaratória.

Com efeito, a concessão de medida liminar, respaldada pelo art. 21 da Lei 9.868/99, faz-se necessária em razão da proliferação de decisões destoantes relativas à questão constitucional que se apresenta nesta ação.

A existência de decisões contraditórias afeta a imagem do Poder Judiciário perante a sociedade, desprestigiando-o. Demais disso, essa realidade atenta contra o princípio isonômico, basilar em nosso sistema constitucional (art. 5º, caput, CRFB). Quando pessoas (físicas ou jurídicas) em situações idênticas recebem prestações judiciais opostas, o bem da justiça é afetado, sendo coletiva a percepção da injustiça.

A persistência de decisões em sentidos opostos provoca ainda efeitos anticoncorrenciais, visto que alguns agentes econômicos logram obter “permissão judicial” para pagar menos tributos enquanto outros são obrigados a recolher valores maiores, não podendo deixar de pagá-los pontualmente, sob pena de arcarem com juros e multas moratórias.

A União também tem seu orçamento afetado, pois que diversos recursos deixam de adentrar seu caixa em razão de decisões supostamente cautelares que desobrigam os contribuintes litigantes de pagarem seus créditos tributários na forma preconizada pela lei.

Por sua vez, o requisito do periculum in mora mostra-se presente a partir de recentes decisões que, ignorando a jurisprudência construída nos últimos anos, modificam a sistemática de cálculo para a apuração da COFINS e do PIS/PASEP.

Assim, se, de um lado, a Administração Pública Federal tem aplicado a norma nas cobranças das contribuições que realiza, alguns órgãos do Poder Judiciário têm afastado sua aplicação, reiteradamente.

Logo, caso a norma permaneça com eficácia operante, prevalecerá a insegurança gerada por aplicações e interpretações contraditórias desse mesmo preceito normativo.

Portanto, presentes os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, requer-se a concessão de medida cautelar, nos seguintes termos:

(i) para que sejam sobrestados os julgamentos dos processos em que proferidas decisões que atentem contra a validade da norma objeto desta ação declaratória, até seu julgamento definitivo, nos termos do art. 21 da Lei nº 9.868/99, e

(ii) para que sejam suspensos os efeitos de quaisquer decisões, proferidas a qualquer título, que tenham afastado a aplicação do art. 3º, § 1º, I, da Lei nº 9.718/98, ou simplesmente desconsiderado essa norma, enquanto essa Suprema Corte não solucionar a controvérsia que se instaurou em relação à sua legitimidade.

VI – DOS PEDIDOS

Em face do exposto, requer:

a) o deferimento da medida cautelar, com fundamento no art. 21 da Lei 9.868/99, a fim de que se suspenda o julgamento de todos os processos em que se discuta a constitucionalidade do preceito objeto desta ação, assim como os efeitos das decisões que tenham afastado a aplicação ou simplesmente desconsiderado a norma; vale dizer, em que se questione a inclusão do custo do ICMS na base de cálculo da COFINS e do PIS/PASEP;

b) a abertura de vista ao Exmo. Sr. Procurador-Geral da República, para pronunciamento sobre a presente ação, em obediência ao art. 19 da Lei 9.868/99;


c) a procedência, ao final, da presente ação declaratória de constitucionalidade, declarando-se a validade formal e material da norma contida no art. 3º, § 2º, I, da Lei 9.718/98, a fim de se legitimar a inclusão na base de cálculo da COFINS e do PIS/PASEP dos valores pagos a título de ICMS e repassados aos consumidores no preço dos produtos ou serviços, desde que não se trate de substituição tributária;

d) subsidiariamente, caso não acolhido o pedido anterior, seja aplicado o art. 27 da Lei 9.868/99, concedendo eficácia tão-só prospectiva à declaração de inconstitucionalidade.

Seguem, em anexo, cópia do Diário Oficial da União por meio do qual foi publicada a Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1999; cópias de decisões que comprovam o cumprimento do requisito exigido pelo art. 14, III, da Lei 9.868/99; e documento emitido pela Receita Federal do Brasil, demonstrando o impacto econômico da causa para a União.

Eis os termos em que se pede deferimento.

Brasília, de de 2007.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Presidente da República

JOSÉ ANTONIO DIAS TOFFOLI

Advogado-Geral da União

GRACE MARIA FERNANDES MENDONÇA

Secretária-Geral de Contencioso

LEONARDO RAUPP BOCORNY

Advogado da União


[1] O inteiro teor de cada julgado encontra-se em anexo.

[2] Sendo a COFINS sucessora do FINSOCIAL, aplica-se-lhe, pelos Tribunais, a Súmula 94 do STJ.

[3] A respeito das diferenças entre texto e norma, conferir as lições de Eros Grau (in O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiros) e J. J. Gomes Canotilho (in Direito constitucional. Coimbra: Almedina).

[4] Princípios Contábeis, 2ª ed., São Paulo, Atlas, 1994, p. 113.

[5] SABINO, José Alfredo Ferrari. Da Não-Inclusão dos Reembolsos, pelos Distribuidores, do ICMS Retido pela Indústria na Base de Cálculo do PIS e da Cofins, in Revista Dialética de Direto Tributário, nº 42. – São Paulo: RT, 1999, p. 56.

[6] Segundo Luciano Amaro, “tributo indireto é o que, onerando embora o contribuinte (‘de direito’), atinge, reflexamente, um terceiro (o chamado contribuinte ‘de fato’); por oposição, o tributo direto atinge o próprio contribuinte ‘de direito (que ac BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11ª edição. – Rio de Janeiro: Forense, 2003. Pág. 414.umularia também a condição de contribuinte ‘de fato’)”. (AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 11ª edição. – São Paulo: Saraiva, 2005. Pág. 303.)

[7] BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11ª edição. – Rio de Janeiro: Forense, 2003. Pág. 414.


[8] Segundo Luciano Amaro, contribuinte e responsável são espécies do gênero sujeito passivo da obrigação tributária. Para o autor, contribuinte é a pessoa que realiza o fato gerador da obrigação tributária principal de modo direto, enquanto o responsável seria o sujeito passivo indireto. Assim, “a presença do responsável como devedor na obrigação tributária traduz uma modificação subjetiva no pólo passivo da obrigação, na posição que, naturalmente, seria ocupada pela figura do contribuinte. Contribuinte é alguém que naturalmente seria o personagem a contracenar com o Fisco, se a lei não optasse por colocar outro figurante em seu lugar (ou a seu lado), desde o momento da ocorrência do fato ou em razão de certos eventos futuros (sucessão do contribuinte, por exemplo).” (AMARO, pág. 303).

[9] Assim, por exemplo, se o empresário, conquanto tenha embutido o ICMS no preço do produto, deixa de fornecer nota fiscal, logrando enriquecimento desautorizado pela lei, comete ele o crime de sonegação fiscal, previsto no art. 1º, V, da Lei 8.137/90, mas não apropriação indébita tributária, pois não se apropriou de bem alheio; simplesmente, deixou-se de pagar tributo devido, por meio ilícito.

[10] LOPES, Anselmo Henrique Cordeiro. O ICMS e a Base de Cálculo da COFINS, disponível em http://www.neofito.com.br/artigos/art01/tribut 43.htm; data de acesso: 14.9.2007.

[11] HIGUCHI, Celso. Imposto de Renda das Empresas – Interpretação e Prática, 25ª edição. – São Paulo: Atlas, 2000. Pág 619.

[12] LOPES, Anselmo Henrique Cordeiro. O ICMS e a Base de Cálculo da COFINS, disponível em http://www.neofito.com.br/artigos/art01/tribut 43.htm; data de acesso: 14.9.2007.

[13] A respeito da mutação constitucional, consulte-se: HESSE, Konrad, Escritos de direito constitucional. – Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1983. Pág. 49. Vide, ainda: COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação Constitucional – Porto Alegre: Fabris Editor, 2005.

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