O juiz não pode ser punido por rebater ofensas recebidas no exercício da função. A decisão é do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, que rejeitou representação da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo contra juiz que comparou os argumentos de uma defensora pública aos de um “rábula velhaco”.
O corregedor-geral de Justiça paulista, Gilberto Passos de Freitas, recomendou a abertura de processo disciplinar contra o juiz. Mas foi vencido. A maioria dos desembargadores acompanhou o voto do vice-presidente do tribunal, Canguçu de Almeida, para quem não cabe processar o juiz “pelo uso de palavras, quando muito, descorteses”.
Em seu voto, Canguçu afirmou que o juiz, titular de Vara da Infância e Juventude, tinha suas ordens desrespeitadas por defensores públicos nas audiências e foi acusado injustamente de cerceamento de defesa.
De acordo com o desembargador, em diversas ocasiões, os procuradores ajuizaram pedidos de Habeas Corpus contra decisões do juiz, onde afirmavam, injustamente, que ele não respeitou o princípio do contraditório. Canguçu relata que, depois de concordarem com o encerramento da instrução e de afirmar não terem mais provas a produzir, os defensores recorriam da sentença com a alegação de “nulidade decorrente de cerceamento do direito de defesa e do devido processo legal. Acrescentavam, até, estar ocorrendo abuso de poder”.
Para o vice-presidente do TJ paulista, diante disso, é “compreensível, então, até natural, a irritação do juiz em face de tal procedimento, vez que a própria defesa, que com tudo concordara, venha agora atribuir ao magistrado a prática de ilegalidades de existência evidentemente questionável”.
Com exceção do corregedor, o Órgão Especial acolheu o voto de Canguçu de Almeida e entendeu que o juiz não faltou com o dever de urbanidade ao dizer que a atitude da defensora se igualou à de um rábula velhaco. Para os desembargadores, no contexto em que foi proferida tal expressão, como resposta à acusação de que o juiz desrespeitou direitos de menores infratores, não houve falta funcional.
“O magistrado que, ainda que com alguma veemência, reconhecida indignação e até deselegância, rebate conceituação que lhe é dirigida dando-o como autor de arbitrariedade, não merece ser punido”, afirmou o desembargador.
Leia o voto de Canguçu de Almeida
ÓRGÃO ESPECIAL:
Expediente nº 4949/06
REPRESENTANTE: Procuradoria Geral do Estado de São Paulo
REPRESENTADO: Â. M. (Juiz de Direito)
VOTO nº 16.611
Representação para abertura de processo disciplinar – Juiz de Direito que teria, em informações prestadas quando da impetração de habeas corpus, utilizado expressão ofensiva a advogados – Procuradores do Estado que sistematicamente desistiam da produção de outras provas e, mais tarde, em advindo condenação, impetravam habeas corpus imputando ao Juiz a prática de ilegalidades – Comportamento evidentemente malicioso, a justificar a repulsa apresentada pelo magistrado – Retorsão a acusação indevida, feita de forma veemente e até mesmo deselegante, que não caracteriza ofensa ao dever de urbanidade, porque não dissociada do contexto fático em discussão na causa em que proferida – Inteligência do artigo 41 da LOMAN – Representação arquivada.
1. Trata-se de representação apresentada pela Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, contra o Juiz de Direito Dr. A. M., a quem vem imputada a prática de diversos atos que, em tese, poderiam caracterizar infrações disciplinares, postulando, por isso, a instauração do competente processo administrativo, para que, afinal, seja imposta ao magistrado a justa sanção que fizer por merecer.
A solução proposta pelo douto relator, o Excelentíssimo Desembargador o Corregedor Geral da Justiça, depois de recusadas seis das imputações então feitas, porque inconsistentes e por não amparadas pela prova, é no sentido de que seja instaurado processo administrativo, tão somente em razão de suposto tratamento não urbano que o magistrado teria dispensado a Procuradores do Estado, a quem se referira como “rábulas velhacos”, tudo de forma a caracterizar afronta à regra inscrita no inciso IV, do artigo 35 da LOMAN.
Mas, pese, embora o respeito devido ao eminente Desembargador Passos de Freitas, atrevo-me, com toda vênia, a divergir da proposta, trazendo à consideração do Egrégio Órgão Especial solução diversa daquela. Na esteira, aliás, do que já sugeriram, em sessão anterior, os eminentes Desembargadores Ivan Sartori, Pedro Gagliardi e Renato Sartorelli.
Ao fazê-lo, ressalto, inicialmente, que não se pode aqui desvincular a imputação trazida à consideração desta Corte, da própria situação vivenciada pelo magistrado, à frente da Vara de que é titular.
Comentários de leitores
39 comentários
Directus (Advogado Associado a Escritório)
Ah, e juiz eleito, no Brasil, só interessa a duas classes de pessoas: as que não conseguem passar no concurso e as que querem comprar decisões. O resto é pura conversa fiada. E já que alguém aí embaixo generalizou, diga-se que a educação média dos que passam nos concursos (inclusive em exames psicossociais)é muito superior à da maioria (não de todos) os advogados. Basta consultar os antecedentes criminais...
Directus (Advogado Associado a Escritório)
Como ex-Procurador do Estado de São Paulo e atualmente Juiz de Direito no mesmo Estado, só tenho a parabenizar a decisão do desembargador Canguçu de Almeida. Os Procuradores, em sua maioria, são combativos e competententes, mas sempre há alguns que se acham no direito de agir como rábulas. Bons advogados não precisam mentir, não precisam de chicanas para obstruir a Justiça. Em sete anos como Procurador e em três como Juiz, nunca fui representado nem precisei representar ninguém. Para isso, bastou sempre saber meu lugar (advogado pede, juiz decide e tribunal julga o recurso), defender meus direitos (os que de fato existem) e respeitar os demais profissionais com o respeito que exijo para mim mesmo. Será que isso é tão difícil?
ruialex (Advogado Autônomo - Administrativa)
Parabéns ao desembargador Canguçu de Almeida que fez prevalecer o bom senso, finalmente.
Comentários encerrados em 26/10/2007.
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