Persona ingrata

PF prende 40 acusados de fraude em comércio internacional

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16 de outubro de 2007, 19h02

Quarenta pessoas foram presas nesta terça-feira (16/10) na denominada Operação Persona, deflagrada em conjunto pela Receita Federal, Polícia Federal e Ministério Público Federal. O objetivo da operação era investigar um suposto esquema de fraude no comércio internacional envolvendo a empresa americana Cisco Systems e sua filial Cisco do Brasil.

Os mandados de prisão foram expedidos pelo juiz federal Alexandre Cassetari, da 4ª Vara Federal Criminal de São Paulo. Dentre os acusados encontram-se dirigentes e funcionários das empresas, servidores públicos, despachantes e uma advogada, também funcionária da Cisco. Os presos são acusados de formação de quadrilha, falsidade de documentos, uso de documentos falsos, descaminho, sonegação fiscal e corrupção passiva e ativa.

Em operações simultâneas na Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro, levadas a cabo por 650 agentes públicos, foram apreendidos também U$ 250 mil e R$ 240 mil em espécie, U$ 10 milhões em mercadorias (R$ 18 milhões), um jato comercial e 18 veículos nacionais e importados além de reter R$ 45 milhões em mercadorias na distribuidora do suposto esquema fraudulento.

O procedimento investiga uma organização criminosa que importa produtos eletrônicos e de telecomunicação de forma simulada, para ocultar os verdadeiros importadores e exportadores. O objetivo da suposta organização era obter redução de tributos devidos em razão dessas importações.

Até o momento, foi apurado que as simulações teriam como beneficiárias as empresas Cisco Systems Inc americana como exportadora e Cisco do Brasil como a importadora, com auxílio direto da fornecedora da Cisco no Brasil, Mude Comércio e Serviços e de outras empresas americanas e brasileiras, reais e fantasmas, que eram utilizadas como intermediárias para a simulação.

A quadrilha, de acordo com as informações da polícia, utilizava documentos falsos e fazia o subfaturamento dos preços das mercadorias e de empresas fantasmas ou laranjas, em operações comerciais simuladas com o propósito de ocultar os reais importadores ou exportadores. A polícia investiga, ainda, corrupção de fiscais da receita federal que, em tese, facilitaram ou participaram das simulações.

O grau de participação e poder de comando fizeram com que a PF dividisse os investigados em grupos para a correta identificação de cada um e de sua atuação. Os primeiros vinte investigados foram postos no primeiro nível e chamados de chefes, os investigados do segundo nível foram chamados de gerentes e os do terceiro nível foram chamados de colaboradores.

Dentre os investigados do primeiro nível estão os representantes legais da empresas Cisco do Brasil e Mude. Os demais investigados deste nível são representantes ou efetivos mandantes das demais empresas utilizadas nas fraudes. Em relação a eles, igualmente, há fortes indícios de participação ou, ao menos, de ciência das simulações e dos crimes.

Segundo o juiz, “a prisão temporária é cabível a todos os investigados desse grupo/nível”. Foram expedidos 14 mandados de prisão temporária para os chefes. O juiz entende que “além dos fortes indícios de suas participações nos delitos, seu grau de influência na atuação da quadrilha certamente poderá atrapalhar ou atravancar a continuidade da investigação”.

Os investigados do segundo nível (gerentes), embora não figurem como sócios, são administradores/gerentes das empresas envolvidas nas simulações/fraudes. Dentre os 13 investigados que tiveram prisões requeridas pela polícia neste segundo nível, 10 tiveram a prisão temporária decretada.

Para Cassetari, eles também, caso continuem em liberdade, poderão atrapalhar as investigações. Quanto às outras três pessoas, o juiz entendeu que “não ficou demonstrado pela representação policial que suas atuações específicas ensejem a imprescindibilidade de suas prisões temporárias”.

O terceiro nível (colaboradores) é composto por oito sócios “laranjas” das empresas envolvidas nas fraudes/simulações; 15

funcionários dessas empresas; quatro fiscais da receita federal; três

despachantes aduaneiros; uma advogada e o antigo presidente da Cisco Brasil.

Dentre os 32 pedidos deste nível, foram decretadas prisões para seis dos 15 funcionários (por ter uma atuação de maior mando e coordenação nas empresas), os três despachantes aduaneiros (por indícios de preparação e execução direta e final das simulações e liberações ilegais das mercadorias importadas), os quatro fiscais (por indícios de que agiam, em prejuízo de suas atividades oficiais, em favor da quadrilha investigada, inclusive com liberação de mercadorias sem atendimento do correto procedimento ou com irregularidades) e o ex-presidente da Cisco Brasil (por indícios de ter ainda grande participação na atividade diária da empresa Cisco e da empresa Mude).

Busca e apreensão

O juiz determinou, ainda, que sejam feitas buscas e apreensões nos endereços das pessoas jurídicas (Cisco do Brasil e Mude, além das demais empresas envolvidas nas simulações). Segundo ele, “certamente haverá elementos de prova para a coerente elucidação dos crimes investigados”.

O juiz disse que é inquestionável a necessidade de busca nos endereços residências de alguns dos investigados, pois “os dirigentes ou administradores das empresas, bem como os participantes externos da quadrilha possivelmente terão documentos ou elementos de prova em suas residências que auxiliarão na investigação”.

Alexandre Cassetari disse que é incabível somente as buscas nos endereços residenciais dos investigados “laranjas” e dos meros funcionários das empresas. “Nos casos dos ‘laranjas’, quase que certamente nada será encontrado em suas casas, uma vez que não há provas de que efetivamente tinham ciência do que seria feito com as empresas em que figurariam como sócios”.

Com isso, foram indeferidos os pedidos de busca residencial em nome de 23 investigados. Os demais pedidos foram deferidos, tanto de pessoas jurídicas quanto de pessoas físicas, para o fim de obtenção de documentos (inclusive eletrônicos), dados, objetos, bens e valores que constituam elementos de prova da existência dos crimes investigados.

Leia nota da Receita Federal:

OPERAÇÃO PERSONA

Mega-operação conjunta da Receita Federal do Brasil, da Polícia Federal e do Ministério Público Federal desarticula esquema fraudulento de comércio exterior, criado por empresários brasileiros para beneficiar multinacional americana, líder mundial no segmento de serviços e equipamentos de alta tecnologia para redes corporativas, para internet e para telecomunicações.

Desde a madrugada de hoje (16/10/2007), cerca de 650 servidores dos órgãos envolvidos estão cumprindo 93 mandados judiciais de busca e apreensão e 44 de prisão, simultaneamente, nos Estados de São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro. Os mandados, expedidos pela Justiça Federal de São Paulo-SP, abrangem empresas do esquema, depósitos de mercadorias, escritórios de advocacia, escritórios de contabilidade, comissarias de despacho aduaneiro e residências dos envolvidos.

Após dois anos de investigações, verificou-se que a organização criminosa perpetrou ações de interposição fraudulenta em importações, ocultação de patrimônio, crimes de descaminho, sonegação fiscal, falsidade ideológica e material, evasão de divisas, corrupção ativa e passiva, entre outros ilícitos.

O modus operandi do esquema consistia em estabelecer, nas operações de importação, uma cadeia fraudulenta de empresas de fachada entre a multinacional americana e o cliente final no Brasil. Estas empresas interpostas apresentam seus quadros societários constituídos por empresas off-shores, localizadas em paraísos fiscais como Panamá, Bahamas e Ilhas Virgens Britânicas, e por pessoas com reduzida capacidade econômico-financeira.

O esquema de interposição fraudulenta utilizado pelo grupo, detalhado em ANEXO, além de possibilitar a ocultação da participação do real importador e encomendante nas operações de importação e dos reais beneficiários, trouxe as seguintes vantagens aos fraudadores: quebra da cadeia do IPI; não pagamento do ICMS na importação pela simulação de industrialização, pagamento a menor de ICMS, nas importações para revenda; constituição indevida de crédito de ICMS; burla aos controles exercidos pela Aduana brasileira; criação de meios para remessas de recursos ao exterior, entre outras. Além disso, todas as nacionalizações foram declaradas ao Fisco como operações de compra e venda de mercadorias (importações por conta própria das empresas de fachada).

A investigação identificou, ainda, que a organização também se valia de operações comerciais simuladas lastreadas em notas fiscais ideologicamente falsas ou inexistentes, de subfaturamento das importações, de redução dolosa da base de cálculo de tributos aduaneiros e quantificação incorreta nas declarações de importação. A criatividade dos fraudadores levou a criação de novas situações como importações a custo zero e concessões de descontos, que, em alguns casos atingiam 100% do valor das mercadorias, inviabilizando a cobrança dos tributos aduaneiros pela ausência da base de cálculo.

No comando da cadeia de importação encontram-se os dirigentes brasileiros da multinacional americana e de sua distribuidora, sediada em São Paulo/SP, que conseguem abastecer o mercado nacional com seus produtos, mesmo sem industrializar tais equipamentos no país, e sem participar, formalmente, de qualquer processo de importação.

Na criação e administração das empresas off-shores, atua renomado escritório de advocacia especializado em direito internacional e financeiro, com sede no Panamá, que possui entre seus principais clientes, a multinacional americana. Este escritório, conforme noticiário internacional, apresentou participação ativa em diversos episódios envolvendo operações irregulares ocorridas, nos últimos anos, em países latino-americanos.

Todo esse esquema de interposição fraudulenta tem produzido enormes danos à economia nacional, pois a internação dos produtos estrangeiros é feita sem o devido controle aduaneiro e correspondente recolhimento de tributos. Entretanto, o prejuízo do Estado não fica restrito ao campo tributário, na medida em que os tributos sobre o comércio exterior e todo o controle aduaneiro têm um caráter extra-fiscal (ou econômico) e não meramente arrecadatório.

A Aduana baseia-se na defesa da economia contra importações danosas ao mercado nacional. A entrada de milhões de dólares em mercadorias acabadas sem os devidos recolhimentos de tributos, como no caso em questão, propicia, além das perdas aos cofres públicos, a concorrência desleal. Tal prática causa sérios prejuízos ao parque industrial instalado no país, pelas dificuldades em se competir com empresas que, pelas fraudes praticadas, conseguem colocar seus produtos no mercado a um preço mais competitivo. O prejuízo social causado pelo grupo sob investigação é incalculável, em função das perdas de inúmeros postos de trabalho.

Por fim, vale salientar que nos últimos cinco anos o grupo teria importado, de forma fraudulenta, aproximadamente U$ 500 milhões, em valores declarados, de produtos para a multinacional americana da área de redes corporativas, em um volume mensal de cerca de 50 toneladas de mercadorias. Considerando esse mesmo período, a Receita Federal do Brasil acredita que os lançamentos tributários possam alcançar a cifra de R$ 1,5 bilhão.

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