Juiz justiceiro

Juiz não pode extravasar seu caráter político na hora de julgar

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15 de outubro de 2007, 0h00

Uma das mais concorridas conferências do Instituto Brasileiro de Direito Criminal, no congresso internacional recentemente realizado em São Paulo, tratou de uma pergunta simples — o juiz tem compromisso com a luta contra o crime? É constante a incidência desse tipo de postura nos meios de comunicação, alguma cobrança acadêmica e muita pressão social pela assunção da postura jurídico-política mais afirmativa do magistrado. Resta saber se, na ótica constitucional de garantias, é possível conviver com a figura do togado às voltas com esse compromisso como roteiro ideológico.

Na mesa do simpósio, Malheiros Filho e debatendo Luis Guilherme Vieira, além do procurador da República Rodrigo Grandis e do juiz federal Fernando Gonçalves. Estavam, num ponto, unânimes — o juiz não pode extravasar seu caráter político no ato do julgamento, transbordando de conceitos subjetivos nas decisões que despacha. E, finalmente, o peremptório “não” de todos os conferencistas se fez ouvir, na resposta sobre o compromisso judicial com o combate ao crime e a sonora negativa deve chegar às plagas mato-grossenses.

Juiz não é justiceiro e não pode se embriagar da mídia no mister de julgar, avançando os semáforos constitucionais que desautorizam a tomada de partido pelo magistrado. Rechaçaram-se quaisquer compromissos prévios da carreira que não a observância dos direitos e garantias individuais no processo penal. A discussão fermentou na palavra do caríssimo colega, correspondente e amigo Luis Guilherme que desancou os atos judiciais de ofício no processo penal, como a oitiva de testemunhas pela vontade exclusiva do magistrado, a prisão preventiva decretada sem requerimentos e a produção de provas pela iniciativa judicial.

Com o advento da novel Carta Magna, temos que o juiz deve se conservar imparcial e os elementos de condenação devem ser produzidos pela intervenção processual da parte acusadora. Rematou a crítica sobre o aspecto bipolar, declaradamente esquizofrênico, do Ministério Público, ao ser parte e fiscal da lei, em processos de segunda instância. Trata-se de aberração, na fala do insigne palestrante, onde de um dia para o outro um mesmo servidor torna-se imparcial como fiscal, onde era anteriormente promotor da ação penal.

Mas Dr. Luis Guilherme, interrompido diversas vezes que foi pela ovação de seu discurso apaixonado, fez mais – demonstrou a falência do sistema penal brasileiro, por meio de dados estatísticos oficiais do governo federal. Cerca de 65% das atuais vagas no sistema carcerário nacional estão tomadas por presos provisórios, onde imputa-se a detenção antecipatória à omissão judicial e ministerial por observar os excessos de prazo e assumir que a segregação é a forma de conter o avanço da criminalidade, transformando equivocadamente o processo penal em método de segurança pública. E mais — 70% dos atualmente encarcerados voltam a delinqüir, índice que é uma denúncia à gestão governamental, incapaz de fazer valer um discurso mentiroso de recuperação social e recolocação no mercado de trabalho.

E, finalmente, alcunhou a prática da delação premiada com a expressão “extorsão premiada”, ao denunciar as práticas sombrias de acordos à socapa que o Ministério Público celebra com acusados que passam a ser testemunhas, sem que os termos do negócio jurídico possam ser revelados ao próprio acusado. Deveras fascista o sistema que exclui o direito de acesso, publicidade, imparcialidade e desarma completamente a defesa, à base da pressão, da barganha, do mercado de denúncias, numa palavra. Era mesmo preciso dizer com todas as letras tais verdades.

Estamos com ele nesse apostolado que é a defesa das liberdades civis. Trata-se de um sacerdócio que não se corrompe pela pressão de autoridades. Os advogados devem continuar firmes no intuito de por meio da “opinião publicada” fazer com que a verdadeira “opinião pública” saiba que a era dos direitos sociais e individuais não pode soçobrar pelo constrangimento autoritário das personalidades que detém o poder. Todos nós passados — o que não passará será a evolução legislativa ou o retrocesso científico, se dermos mais ou menos crédito à política do terror penal.

Adiantando uma conclusão, nem mesmo o promotor de justiça poderá ser comprometido a nada que não seja o ordenamento constitucional. A ótica inquisitiva de combate ao crime organizado não poderá contaminar a mente dos servidos públicos que são forjados para a justiça e não para ser justiceiros.

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