Notícia x sentença

Reportagem não tem de ser fundamentada como decisão judicial

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14 de outubro de 2007, 1h00

Reportagens não têm de ser fundamentadas com a mesma clareza que se exige dos juízes em uma sentença condenatória. Graças a esse entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo a Editora Abril se livrou de indenizar o comerciante libanês Assad Ahmad Barakat por tê-lo chamado de terrorista em reportagem publicada pela revista Tudo, com o título: “Guerra: terrorista brasileiro”.

A revista afirmou que Barakat seria membro de organização terrorista e que era procurado por suspeita de enviar dinheiro para a rede Al-Quaeda, comandada por Osama bin Laden.

A 4ª Câmara de Direito Privado do TJ paulista analisou se o título e o conteúdo da reportagem implicavam prejulgamento da conduta do comerciante, que teria sido considerado criminoso sem condenação definitiva. A turma julgadora, por maioria de votos, entendeu que não houve nenhum ato ilícito na reportagem e que a revista agiu no estrito dever de divulgar assunto de interesse público.

Em primeira instância, a Editora Abril havia sido condenada a pagar indenização de R$ 30 mil por danos morais. O juiz que assinou a sentença argumentou que a notícia era injuriosa. Para ele, a revista divulgou como fato consumado a investigação sobre suposta ligação do comerciante com uma rede terrorista.

A empresa recorreu ao Tribunal de Justiça contra a sentença alegando que a notícia foi legítima, feita no exercício do direto de informar. A tese foi acolhida. Para os desembargadores, não ocorreu abuso no exercício do direito de informação porque o fato da notícia seria verdadeiro. Barakat era considerado membro da organização terrorista e estava radicado na região da tríplice fronteira (Argentina-Brasil-Paraguai).

“Não devemos exigir que o jornalista emita nota com o mesmo grau de clareza que o juiz exige para pronunciar uma sentença condenatória”, disse o desembargador Ênio Zuliani. “A imprensa reproduziu os acontecimentos, não tendo fantasiado a ocorrência, distorcido a situação ou simulado episódio, o que afasta a tese de lesão a direitos individuais do cidadão”, completou.

“A liberdade de imprensa não exime os jornalistas do dever de cautela no preparo de toda a notícia que será veiculada, inclusive do título da mesma”, contestou o desembargador Francisco Loureiro, que defendeu que o comerciante tinha direito ao pagamento de indenização por dano moral.

Para Loureiro, “o princípio da liberdade de imprensa deve ser exercitado com consciência e responsabilidade, em respeito à dignidade alheia. Não é tolerável que a apelante tenha se referido ao autor na Revista Tudo de forma tão imprudente, estampando sua fotografia, e se referindo a ele como ‘terrorista brasileiro’, sem haver condenação transitada em julgado”.

Em seu voto, Francisco Loureiro defendeu o pagamento da indenização na metade do valor estabelecido em primeira instância. Sustentou que a quantia era suficiente para cumprir o duplo papel de punir a revista pela lesão causada ao comerciante e compensar a vítima, sem provocar enriquecimento sem causa. Ficou vencido pelos votos de Ênio Zuliani e Jacobina Rabello.

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