Letras que ferem

Advogado é o único responsável por ofensas em petição

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13 de outubro de 2007, 0h01

A imunidade profissional de advogados voltou a ser discutida no Tribunal de Justiça de Santa Catarina em um caso de pensão alimentícia. A 2ª Câmara de Direito Civil reconheceu que o advogado é responsável por aquilo que escreve em sua petição inicial. Entretanto, no caso concreto, o advogado não foi condenado. Motivo: a ação por danos morais foi ajuizada contra o seu cliente, parte ilegítima para responder pelas ofensas.

Tudo começou quando a mãe de uma garota disse que se sentiu ofendida com o histórico traçado pelo advogado do pai na petição sobre a briga por pensão alimentícia. Segundo o advogado do pai, “já na primeira vez em que a mãe da autora se fez presente em uma destas ‘festinhas’ realizadas na ‘república’, mostrou-se um tanto liberal para os padrões da época, pois já naquele final de semana, mal tendo conhecido o réu, manteve com ele relações sexuais. Alguns dias depois a mãe da autora voltou à ‘república’ e manteve relações sexuais com um colega do réu que lá também morava. Nessa mesma época (meados de 1976), a mãe da autora, embora freqüentando as festas na ‘república’, e tendo mantido relações sexuais com mais de um morador daquele local, dizia ter um namorado de nome xxx que trabalhava no Besc. Assim, na época que engravidou, a mãe da autora manteve relações sexuais com pelo menos três pessoas diferentes”.

Para o advogado Hélio Marcos Benvenutti, que representou a mãe da garota na ação de indenização, a petição continha “injúrias e difamações”, além de “falsidades”. E pior: caracterizou a mãe “como uma puta, que teria mantido relações sexuais com vários amigos” do pai da garota em “festinhas de sacanagem”.

Benvenutti disse que as afirmações são mentirosas. Segundo o advogado, os dois tiveram um relacionamento estável e ela era fiel. “Ao tomar conhecimento das barbaridades (mentirosas) acima transcritas, a filha da recorrente ficou violentamente abalada moralmente, e deu conhecimento de tais fatos à sua mãe, a qual, por sua vez, como não poderia ser diferente, sofreu com as mentiras utilizadas pelo recorrido para escusar-se da responsabilidade”, afirmou o advogado. Ele pediu, então, 126 salários mínimos (R$ 47,8 mil) de indenização por danos morais e materiais em ação contra o pai.

Culpado é o outro

Em primeira instância, o juiz da Comarca de Camboriú extinguiu a ação porque a autora acionou o pai quando deveria ter processado o advogado dele. Em sua defesa, o pai disse que todos os fatos expostos naquela ação constituíam simples narrativa do que ocorreu.

No TJ, o entendimento foi parecido. O mérito da questão não chegou a ser debatido. Por unanimidade, os desembargadores julgaram o processo extinto.

No entanto, o desembargador Monteiro Rocha , relator do recurso, afirmou que os alegados insultos morais foram proferidos por advogado habilitado para o processo, apesar de a ação ter sido colocada em juízo em defesa dos interesses de seu cliente.

Para o desembargador, pelo fato de o advogado ser indispensável à administração da Justiça, sua atuação é inviolável quanto aos seus atos e manifestações no exercício da profissão. Mas, ele deve se enquadrar dentro dos limites da lei e sofrer sanções disciplinares da OAB pelos excessos que cometer.

“A imunidade profissional assegurada ao advogado visa garantir-lhe liberdade para elaborar a defesa necessária à discussão da causa, todavia, dita imunidade não é absoluta, cabendo ao profissional responder por eventuais danos decorrentes de excessos cometidos”, anotou Monteiro Rocha, relator do recurso.

Segundo o desembargador, “a outorga de mandato não implica em autorização para que o profissional se utilize de expressões ofensivas à honra de qualquer das partes do processo, notadamente porque ao advogado compete exercer a profissão observando os princípios e direitos constitucionalmente assegurados”.

A decisão do TJ-SC não é inédita. O relator citou decisão da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça de 1995. No Habeas Corpus, o então ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira entendeu que a parte não responde pelos excessos de linguagem cometidos pelo advogado na condução do caso. “O advogado, assim como qualquer outro profissional, é responsável pelos danos que causar no exercício de sua profissão. Caso contrário, jamais seria ele punido por seus excessos, ficando a responsabilidade sempre para a parte que representa”, anotou o ministro.

O advogado da mãe da garota não sabe se entra agora com uma ação contra o advogado. “Vou esperar os autos do processo para estudar melhor o caso. Penso que a decisão foi contraditória, pois responsabiliza o advogado, mas não o pune. Dependo ainda da cliente que não conversou comigo sobre a possibilidade”, finalizou ele.

Leia decisão:

Apelação cível 2005.033434-6, de Camboriú

Relator: Des. Monteiro Rocha

DIREITO CIVIL – OBRIGAÇÕES – RESPONSABILIDADE CIVIL – DANO MORAL – OFENSAS IRROGADAS EM JUÍZO – SENTENÇA IMPROCEDENTE – INCONFORMISMO DA AUTORA – ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM POR OFENSAS PROFERIDAS EM PROCESSO – ACOLHIMENTO – RECONHECIMENTO EX OFFICIO – EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO – RECURSO DA AUTORA PREJUDICADO.

Incumbe ao advogado, e não à parte que lhe outorgou mandato, responder por supostos danos morais acarretados à parte contrária por eventuais excessos de linguagem.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. 05.033434-6, da Comarca de Camboriú (Vara Única), em que é apelante V. da S., sendo apelado V. C:

ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por votação unânime, ex officio, julgar extinto o processo, sem julgamento de mérito (art. 267, VI, do CPC), prejudicado o recurso da autora.

Custas na forma da lei.

RELATÓRIO:

Trata-se de ação indenizatória movida por V. da S. contra V.C. sob o argumento de que sofreu abalo moral em virtude das agressões morais que lhe foram dirigidas pelo réu no curso da ação de investigação de paternidade movida pela filha em face do requerido.

Por tal fato, requereu a condenação do requerido ao pagamento de indenização por danos morais.

Devidamente citado, o réu contestou alegando que todos os fatos expostos naquela ação constituem simples narrativa do ocorrido.

Realizada audiência de conciliação, esta restou inexitosa.

O autor interpôs Agravo de Instrumento contra a decisão interlocutória proferida em audiência que afastou as preliminares por ele alegadas.

Instruído o feito e apresentadas alegações finais, sobreveio sentença na qual consta o seguinte dispositivo:

“a) JULGO EXTINTO o feito em relação ao pedido de indenização por danos materiais, na forma do art. 267, VI, do CPC. b) JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado pela autora, com fulcro no inciso I do art. 269 do CPC. Condeno à autora ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.000,00 (art. 20, §4º, do CPC), contudo todos estes valores ficam suspensos, na forma do artigo 12 da Lei 1.060/50, uma vez que a demandante postula sob os benefícios da assistência judiciária gratuita. Transitada em julgado, arquivem-se os autos, com a baixa na estatística” (fl. 188).

Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação reiterando os argumentos iniciais.

O réu apresentou contra-razões.

É o relatório.

VOTO:

Conheço do recurso, porquanto presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

Os alegados insultos morais proferidos contra a requerente foram utilizados por advogado habilitado nas peças processuais por ele elaboradas, e opostas em juízo para a defesa dos interesses de seu cliente.

Nos termos do art. 133 da CF “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

E ainda, conforme preconiza o art. 7º, § 2º do Estatuto da OAB:

“O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer”.

A imunidade profissional assegurada ao advogado visa garantir-lhe liberdade para elaborar a defesa necessária à discussão da causa, todavia, dita imunidade não é absoluta, cabendo ao profissional responder por eventuais danos decorrentes de excessos cometidos.

Como leciona Edson Jacinto da Silva:

“Tratando-se de imunidade funcional, como a própria lei diz, refere-se ela exclusivamente as manifestações que guardem relação de causalidade com a atividade do advogado e guardem relação de pertinência e necessidade com essa mesma atividade. […] Se a ofensa ultrapassar tal limite, ou seja, não for decorrente da necessidade imposta por determinada causa inexiste qualquer imunidade e responderá o advogado como qualquer pessoa. […]” (A Imunidade Judiciária do Advogado, São Paulo: LED, 2001, p. 48/49).

Nesse contexto, se à parte advieram prejuízos em razão de palavras ofensivas utilizadas por advogado em peças por ele produzidas, incumbe ao advogado, e não à parte que lhe outorgou o mandato, responder pelos danos ocasionados.

A outorga de mandato não implica em autorização para que o profissional se utilize de expressões ofensivas à honra de qualquer das partes do processo, notadamente porque ao advogado compete exercer a profissão observando os princípios e direitos constitucionalmente assegurados, dentre os quais em seu art. 5º, inciso X, encontra-se a proteção “a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

“Não responde a parte pelos eventuais excessos de linguagem cometidos pelo advogado na condução da causa” (HC nº 4.090/ RO, DJ. 13/03/95).

O advogado, assim como qualquer outro profissional, é responsável pelos danos que causar no exercício de sua profissão. Caso contrário, jamais seria ele punido por seus excessos, ficando a responsabilidade sempre para a parte que representa, o que não tem respaldo em nosso ordenamento jurídico, inclusive no próprio Estatuto da Ordem (STJ, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio De Figueiredo Teixeira, REsp nº 163221/ES, j. em 28/06/2001)

Da jurisprudência do TJRS colhe-se o seguinte julgado:

O cliente não é parte legítima passiva em processo de indenização por danos morais decorrentes de ofensas irrogadas em juízo quando ausente nexo causal entre o uso das expressões e a outorga do mandato (TJRS, 6ª Câmara Cível, Rel. Des. João Batista Marques Tovo, Ap. Cív. nº 70003049061, j. em 10/12/2003)

Ressalto, por fim, que a ilegitimidade de parte é matéria de ordem pública, não se sujeitando à preclusão, devendo ser conhecida pelo juiz, inclusive de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição.

Pelo exposto, ex officio, julgo extinto o processo, sem julgamento de mérito (art. 267, VI, do CPC), prejudicado o recurso da autora.

É o voto.

DECISÃO:

Nos termos do voto do relator, resolve esta Segunda Câmara de Direito Civil, à unanimidade, ex officio, julgar extinto o processo, sem julgamento de mérito (art. 267, VI, do CPC), prejudicado o recurso da autora.

Participou do julgamento o Exmo. Sr. Desembargador Luiz Carlos Freyesleben.

Florianópolis, 12 de abril de 2007.

MAZONI FERREIRA

Presidente com voto

MONTEIRO ROCHA

Relator

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