Fidelidade não basta

Judiciário deve forçar a prática da democracia nos partidos

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12 de outubro de 2007, 13h39

Nos Estados Unidos, a Corte Suprema cumpriu função extraordinária para a harmonia e a estruturação da sociedade americana. Ela consolidou a Constituição interpretando o seu espírito. Foi assim no caso dos direitos civis, no acesso dos negros às escolas. Na ausência da lei, ela cumpriu sua parte. Não estou defendendo que o STF assuma o poder de legislar, mas, já que entrou para fazer avançar a reforma política que o Congresso não fez, deve prosseguir em outros temas.

A fidelidade é a primeira vontade de quem deseja entrar na política.

Fiel a uma agremiação política que seja fiel a si mesmo, a seus ideais, a sua motivação de participar da vida pública. Mas esse gesto tem que ter a segurança de que sua fidelidade será respeitada, e não traída. Os projetos de lei que circulam no Congresso e a decisão do STF acreditam que a coerção pode acabar com a onda de infidelidade.

Acho que o processo é mais profundo e tem origem no sistema eleitoral. O voto proporcional, uninominal, anacrônico, banido do mundo inteiro e remanescente no Brasil como um fóssil político, não dá margem à formação de partidos, e sim a uma disputa interna que torna o voto mais pessoal que partidário. Nas eleições, ninguém discute idéias ou programas. Os candidatos disputam com seus próprios companheiros, que são seus concorrentes.

O partido brasileiro é, na realidade, apenas um número na máquina de votar e um cartório de registro de candidaturas. As comissões executivas dos partidos não são compostas em correntes programáticas, mas na base de grupos pessoais que se apoderam da direção partidária. A fidelidade, assim, passa a ser a pessoas, e não a partidos.

Agora, STF e TSE devem forçar os partidos a que sejam democráticos, e não simples clubes políticos. As direções têm domínio absoluto sobre o fundo partidário e os programas eleitorais, distribuindo tempo, quem deve falar, quem deve aparecer e quem deve ser financiado. Os estatutos partidários têm um dispositivo ditatorial de intervenção, pela comissão executiva e até em ato isolado do presidente, em qualquer secção partidária, expulsando muitas vezes pessoas que há anos militam no partido, para entregar a legenda a cristãos novos, por motivos pessoais e algumas vezes inconfessáveis, como evitar que tenham candidatos em barganhas com outras legendas facilmente identificáveis.

Assim, para que a fidelidade partidária seja efetiva, é necessário que o TSE examine o devido processo legal no funcionamento dos partidos, suas prestações de contas, sua democracia interna, sob pena de sua decisão atingir o contrário do que deseja: não fidelidade aos eleitores, mas obediência cega ao mandonismo pessoal.

[Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo em 12/10/2007

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