Cálculo do risco

Promotor atropela e mata três pessoas no interior de São Paulo

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10 de outubro de 2007, 16h35

O promotor de justiça Wagner Juarez Grossi vai ser denunciado por triplo homicídio culposo na modalidade concurso formal. Essa é até agora a única certeza reinante na cúpula do Ministério Público paulista. O promotor atropelou e matou um casal e uma criança de 7 anos ao invadir na contramão a pista da Rodovia Elyeser Montenegro Magalhães, no domingo, em Araçatuba (SP). As testemunhas ouvidas pela Polícia confirmaram a versão. No caso, se for condenado por esse tipo penal, o promotor não irá para a prisão, bastando prestar serviços à comunidade, pois sua pena será inferior a quatro anos de detenção.

Esse não é o primeiro caso em que um integrante do Ministério Público Estadual de São Paulo é acusado por imprudência, negligência e imperícia ao volante. Pelo menos dois outros membros da instituição responderam a processos no Tribunal de Justiça por crime de trânsito. No primeiro, um promotor da capital foi a julgamento por ter atropelado com sua caminhonete uma deficiente física de 69 anos. O promotor foi absolvido por maioria de votos. No segundo, um procurador de justiça foi condenado por dirigir alcoolizado e provocar dois acidentes numa avenida de Campinas. O procurador era reincidente, pois tinha se envolvido em outro acidente na Rodovia Washington Luís.

Wagner Juarez Grossi é promotor de justiça das execuções criminais e está no Ministério Público desde 1992. Além da prerrogativa de foro — que no caso o livra de ir a julgamento no tribunal do Júri — o promotor tem a seu favor mais duas figuras jurídicas: a do homicídio culposo (provocar a morte de uma ou mais pessoas por imprudência, negligência ou imperícia) e a do concurso formal (praticar dois ou mais crimes, idênticos ou não, por meio de uma só ação). A primeira prevê pena que varia de um a no máximo três anos de detenção. A segunda aplica a pena do crime mais grave e acresce o tempo de um sexto até a metade. Assim, a única maneira de Wagner Grossi ir para a prisão é se for condenado à pena máxima – o que daria quatro anos e meio – algo impensável nas decisões dos tribunais.

O chefe do Ministério Público paulista, Rodrigo César Rebello Pinho, aguarda relatório preliminar do procurador Hermann Herschander, coordenador do Setor de Competência Originária – braço da Procuradoria Geral de Justiça. Herschander acompanhou as investigações feitas pela Polícia Civil em Araçatuba e voltou nesta quarta-feira (10/11) a São Paulo. O procurador já fez um relatório verbal ao chefe do Ministério Público. Rodrigo Pinho tem a atribuição para denunciar Wagner Grossi. Nos próximos dias, o procurador-geral de Justiça terá de formar convicção para sanar a dúvida sobre se a conduta do promotor pode ser enquadrada em homicído culposo ou dolo eventual.

Wagner Grossi ainda poderá sofrer punição de caráter administrativo. Uma sindicância para investigar sua conduta foi aberta pela Corregedoria do Ministério Público. O resultado dessa investigação será apreciado pelo corregedor geral do Ministério Público ao Conselho Superior da instituição. A pena aplicada pode ser de advertência, censura, suspensão por até 90 dias e demissão ou disponibilidade.

Investigação

Em público, Hermann Herschander diz que até agora não vê indícios para enquadrar a conduta do promotor como dolosa, mas essa tese não está de todo descartada. Tudo vai depender do resultado das provas periciais e testemunhais. Ainda é cedo para uma conclusão se as provas serão capazes de sustentar o argumento de que o promotor dirigia embriagado e, com essa conduta, assumiu o risco pelas mortes.

“Não houve racha e precisamos saber em quais circunstâncias ele transitou em alta velocidade na contramão”, disse Herschander. Não existindo prova mínima que indique a prática de dolo (intenção) eventual no triplo homicídio causado por acidente de trânsito, só restará a Rodrigo Pinho enquadrar a conduta do promotor de justiça na modalidade de crime culposo.

Depois de ouvir os depoimentos de sete testemunhas e analisar as provas iniciais do inquérito, o procurador Herschander afirmou que há “sérios indícios” de que o promotor Wagner Grossi cometeu triplo homicídio culposo, com agravante de dirigir embriagado, ao atropelar e matar um casal e uma criança, na noite de domingo. A polícia afirma que Grossi estava embriagado.

De acordo com o procurador, todas as testemunhas ouvidas confirmaram a versão de que o promotor estava alcoolizado, dirigia em alta velocidade e entrou na contramão antes de bater de frente com a motocicleta dirigida pelo metalúrgico Alessandro da Silva Santos, de 27 anos, que levava a namorada, Alessandra Alves, de 26, e o filho dela, Adriel Rian Alves, de 7. Os três morreram no local.

“Ele estava a mais de 100 quilômetros por hora”, afirmou a principal testemunha do atropelamento, o vigilante Nestor Feliciano. Segundo ele, a moto foi totalmente destruída no impacto.

Acidente

O acidente aconteceu às 20h40 de domingo. Segundo o boletim de ocorrência, Grossi passou, na contramão e em alta velocidade por um quebra-molas. Perdeu o controle da caminhonete Ranger que dirigia e bateu de frente numa motocicleta que aguardava passagem no acostamento. A moto era conduzida pelo metalúrgico Alessandro da Silva Santos, trnasportava ainda sua namorada, Alessandra e o filho dela, Adriel .

Testemunhas disseram que o promotor desceu do veículo sem saber o que tinha acontecido, com uma lata de cerveja na mão. Na Ranger, havia mais latas e uma garrafa de cerveja, que foram apreendidas. Um policial rodoviário que chegou ao local três minutos depois do acidente disse que Grossi estava “visivelmente embriagado, com odor etílico e fala mansa”.

Levado ao plantão policial, o promotor se recusou a fornecer sangue para o exame de dosagem alcoólica, obrigando o delegado Paulo de Tarso de Almeida Prado a convocar um médico para fazer um exame clínico. O médico Maurílio Albertino de Castro, constatou, por volta das 22 horas, que o promotor estava em estado de “embriaguez moderada”.

Grossi foi enquadrado no artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro, que pune o motorista por homicídio culposo e por dirigir embriagado. Ele não pôde ser autuado em flagrante porque, pela Lei Orgânica do Ministério Público, o representante da instituição envolvido em acidente ou alvo de investigação só pode ser preso em flagrante por ordem judicial ou por crime inafiançável.

Risco calculado

A defesa do promotor, a cargo do advogado Eduardo Cury, sustenta que seu cliente não estava alcoolizado quando causou o acidente. O advogado contesta a versão da Polícia de que o promotor estava com uma lata de cerveja na mão momentos depois do acidente. Também contesta a informação de que latas da bebida foram encontradas na caminhonete.

Quando provocado sobre o dolo eventual o Tribunal de Justiça de São Paulo tem entendimento firmado de que assumir o risco é algo mais que ter consciência de correr o risco. Para desembargadores, assumir o risco seria consentir previamente no resultado, caso venha este, realmente a ocorrer. Ou seja, não basta que o autor tenha consciência de que sua conduta poderá gerar um dano. Deverá ele, na posse desse conhecimento, permanecer no intento de agir, desconsiderando as implicações.

A existência de dolo eventual não se limitaria à previsão do resultado. Deve ser somada ao conhecimento dessa possibilidade de lesão e à vontade de aceitar a ocorrência do resultado. No caso específico, a acusação tem pela frente a missão de provar não apenas o excesso de velocidade e a embriaguez, mas a decisão e intenção conscientes do promotor de Justiça diante da conseqüência de seu ato.

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