Sonho de paz

Endurecimento penal é populismo punitivo, diz professor

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10 de outubro de 2007, 15h51

O Direito Penal que impõe penas pesadas, redução drástica das garantias fundamentais do indivíduo e defende a prisão como antídoto milagroso contra a criminalidade não passa de uma resposta política para tranqüilizar a população amedrontada. Na prática não resolve problema algum. Segundo o professor da Universidade de Málaga, José Luis Díez Ripollés, a Espanha está sofrendo com este populismo punitivo inadequado, uma vez que o país tem um dos índices de criminalidade mais baixos do mundo. Por ano, acontecem 1.300 homicídios. E 57% dos delitos são de furtos ou roubos.

Na verdade, o rigor penal na Espanha é justificado pela alta exposição do país ao terrorismo. Depois de anos submetida aos atentados dos separatistas bascos do ETA, a Espanha foi vítima de uma série de atentados supostamente de autoria da rede terrorista Al Qaeda, no dia 11 de março de 2004. Bombas explodiram em quatro estações de metrô da capital espanhola, matando 192 pessoas e deixando mais de 2 mil feridos.

Modelo de luta

Esse modelo característico do combate ao terrorismo está se generalizando ao redor do mundo, em países de alta e de baixa criminalidade, alvos de ações de grupos extremistas ou não. Mas não consegue atingir os objetivos a que se propõe. Ripollés ressalta que os maiores atingidos por essas medidas são os responsáveis por crimes graves que sempre fizeram parte de qualquer sociedade, e não os terroristas.

O sentimento de medo e de insegurança vividos pela sociedade acaba legitimando esse tipo de política criminal, diz o espanhol, que também é diretor do Instituto Andaluz de Criminologia. Segundo ele, as classes políticas se aproveitam do medo em benefício próprio. “Não existe mais esquerda ou direita. Os políticos renunciaram a suas convicções para defender a opinião popular, que não é especialista, e transformá-la em leis”, critica.

O professor não concorda que as decisões político-criminais sejam regidas pelo sentimento popular, muitas vezes direcionado pela imprensa. “Estamos em um momento em que os técnicos e estudiosos são obrigados a descer da torre de marfim e sair às ruas para expor o que pensam”, declarou durante o 13º Seminário Internacional de Ciências Criminais, promovido pelo Ibccrim.

O medo e a insegurança, de acordo com a análise de Ripollés, são frutos da sociedade tecnológica onde há dificuldade de se responsabilizar uma pessoa concreta pelos danos. “Hoje, várias atividades desenvolvidas pelas empresas são perigosas e falta conhecimento técnico para avaliar o risco que se corre. Isso causa insegurança”, diz. Ele fala das empresas que lidam com o meio ambiente, informática, energia nuclear, genética.

O especialista defende a expansão do Direito Penal, para que intervenha em negócios arriscados. Dessa forma chegaria a instâncias em que não costuma chegar. “Com esse modelo, o Direito Penal deixaria de ser só para os pobres. Alcançaria também as classes mais poderosas, que criam insegurança na população.”

Quando questionado sobre a possibilidade de outros segmentos do Direito ocuparem esse espaço, Ripollés diz que o Direito Penal é o que tem maior poder de persuasão, e por isso, seria mais efetivo.

A imprensa, para o espanhol, tem grande responsabilidade sobre o clima de terror. Os dados apresentados por ele demonstram a situação da criminalidade na Espanha e mesmo assim, reclama, é habitual que os jornais dêem destaque na primeira página para os crimes. “Eu lembro de um período em que os jornais sérios evitavam colocar essas notícias na manchete. Hoje, a questão é econômica”, lamenta e observa que é uma forma de aumentar as vendas e a audiência, mesmo não retratando a realidade concreta.

Outro lado

Um dia antes da palestra de Ripollés, o também espanhol Esteban Sola Reche, professor de Direito Penal da Universidade de La Laguna, mostrou como a Espanha reagiu diante do terrorismo. Segundo o professor, que de certa forma avalizou o rigor penal contra o terrorismo na Espanha, o país renunciou à tentativa de reintegrar à sociedade membros de grupos terroristas. “O objetivo é mantê-los inativos pelo maior tempo possível”, disse Reche, no seminário do IBCCrim, na terça-feira (19/10).

O professor lembrou que, o Código Penal da Espanha prevê punições que reduzem as garantias do indivíduo que pratica atos de terrorismo. Um criminoso comum na Espanha recebe pena de, no máximo, 25 anos. O terrorista pega até 40 anos de prisão, sem direito a progressão de regime. Prisão preventiva contra acusados de terrorismo é concedida com mais facilidade, bem como o acesso a seus dados fiscais, bancários e telefônicos.

Segundo Reche, os Estados têm a obrigação de formalizar a existência de crimes de terrorismo e determinar as medidas e punições possíveis para acabar com condutas que desestabilizem o sistema democrático, através de previsões legislativas.

Em paralelo a esses dispositivos pouco democráticos, o professor diz que a luta contra o terrorismo também deve contar com compromissos internacionais, além da adesão à Democracia dos países que ainda não se enquadrem nela – seja lá o que isso significa. Para ele, não se pode falar em terrorismo em países não democráticos. Nesse caso, o combate fica mais complicado.

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