Imposto do cheque

PPS não obtém liminar para tirar CPMF da pauta da Câmara

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9 de outubro de 2007, 23h17

O PPS, partido de oposição ao governo federal, não conseguiu liminar para retirar da pauta do plenário da Câmara a Proposta de Emenda Constitucional 558/06, que trata da prorrogação da CPMF. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, negou liminar em Mandado de Segurança ajuizado pelo deputado Fernando Coruja (PPS-SC), líder da legenda na Câmara, e seus colegas. A Câmara dos Deputados tenta aprovar em segundo turno a prorrogação da CPMF até 2011 ainda nesta terça-feira (9/10).

Para o ministro Gilmar Mendes, ao menos a primeira vista, não há irregularidades no fato de o deputado Pedro Novais (PMDB-MA) ter sido um dos signatários da PEC e ter presidido a comissão especial que a analisou. A oposição afirmava que o fato violou o processo legislativo.

Na decisão, o ministro Gilmar Mendes sustentou que “a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reconhece a possibilidade de avançar na análise da constitucionalidade da administração ou organização interna das Casas Legislativas”. Mas ressaltou que “isso somente tem sido admitido em situações excepcionais, em que há flagrante desrespeito ao devido processo legislativo ou aos direitos e garantias fundamentais”. Para o ministro, não foi o caso.

Segundo Gilmar Mendes, ao tornar Novais presidente da comissão e mantê-lo como tal, a mesa da Câmara dos Deputados fez uma interpretação do regimento interno da casa que, “numa avaliação inicial”, mostrou respeito ao devido processo legal legislativo: “A partir dela, não se vislumbra, de forma imediata e incontestável, violação direta à Constituição”.

O pedido dos deputados do PPS foi feito com base no artigo 43 do regimento interno da Câmara. Pela regra, o parlamentar autor de uma proposição não poderá presidir a comissão em que a matéria será votada. O ministro entendeu que a aplicação do artigo, no caso, teria de ser restrita, como entendeu a presidência da Câmara.

“Imagine-se uma PEC que, por inegável oportunidade, tenha sido subscrita por todos os membros da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, de todos os partidos e blocos. Ou, ainda, o caso de várias PECs apensadas que, no seu conjunto, contenham as assinaturas de todos os membros da Casa. Quem haveria de relatá-la, a prevalecer tal entendimento? Quem poderia Presidir a Comissão Especial, nessas circunstâncias? Estariam todos os parlamentares subscritores impedidos?”.

Leia a decisão

DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar, impetrado por Carlos Fernando Coruja Agustini e outros Deputados Federais, contra decisão do Presidente da Câmara dos Deputados (fls. 30-31) que indeferiu o Recurso nº 104/2007, e, consequentemente, manteve decisão que indeferiu questão de ordem, na qual se sustentava o impedimento do Deputado Federal Pedro Novais para presidir Comissão Especial em Proposta de Emenda à Constituição da qual foi signatário.

Alega a inobservância do devido processo legislativo na tramitação da PEC nº 558/06, visto que do art. 43 do RICD (“Nenhum Deputado poderá presidir reunião de Comissão quando se debater ou votar matéria da qual seja autor ou Relator”) se extrai uma proibição peremptória regimental “de que o Deputado seja autor ou relator de alguma proposição e, ao mesmo tempo funcione como presidente da Comissão que vá debater ou votar aquela matéria” (fl. 16).

Argumenta que, caso prevalecesse o entendimento de que se o Deputado signatário da Proposta de Emenda à Constituição fosse impedido de ser Presidente de Comissão, criar-se-ia duas categorias de autores de proposições, a saber: a dos autores signatários e a dos autores intelectuais, o que contrariaria o art. 102, § 1º, do RICD.

Resume sua pretensão afirmando que “o presente mandado de segurança tem o escopo de evitar uma violação ao devido processo legislativo, que está sendo ilicitamente desrespeitado pela presença do Deputado Pedro Novais na presidência da Comissão Especial” (fls. 11-12).

Quanto à urgência, sustenta que “… a PEC nº 558-A/06 já está pronta para ser apreciada em primeiro turno pelo Plenário da Câmara dos Deputados, conforme prova a pauta de Plenário em anexo. Portanto, não há motivo que justifique a imposição aos impetrantes de terem que aguardar o julgamento do mérito. Ademais, na hipótese de ser indeferido o pedido liminar, haverá a perda do objeto do presente writ. ” (fl. 12).

Por fim, pleiteiam em caráter liminar o deferimento do presente mandamuspara determinar-se à autoridade impetrada que retire a PEC nº 558-A, de 2006, da pauta do Plenário da Câmara dos Deputados” (fl. 12). No mérito, requerem a declaração de nulidade de todos os atos legislativos posteriores à eleição do Deputado Pedro Novais para presidir a Comissão especial destinada a apreciar a PEC nº 558-A/06, e que se determine a eleição de outro Presidente.


Passo a decidir tão-somente o pedido de liminar.

Se é certo que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reconhece a possibilidade de avançar na análise da constitucionalidade da administração ou organização interna das Casas Legislativas, também é verdade que isso somente tem sido admitido em situações excepcionais, em que há flagrante desrespeito ao devido processo legislativo ou aos direitos e garantias fundamentais.

Com reconhecimento do princípio da supremacia da Constituição como corolário do Estado Constitucional e, conseqüentemente, a ampliação do controle judicial de constitucionalidade, consagrou-se a idéia de que nenhum assunto, quando suscitado à luz da Constituição, poderá estar previamente excluído da apreciação judicial. Nesse sentido, afirma José Elaeres Teixeira, em estudo específico sobre o tema: “Assim, ainda que uma questão tenha conteúdo político, desde que apresentada ao Judiciário na forma de um que deva ser decidido em contraste com o texto constitucional, torna-se uma questão jurídica. Como juiz das suas atribuições e das atribuições dos demais Poderes, o Supremo Tribunal Federal está habilitado a se pronunciar sobre todo ato, ainda que político, praticado no exercício de uma competência constitucional. ” (TEIXEIRA, José Elaeres Marques. A doutrina das questões políticas no Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre : Fabris Editor, 2005, p.229).

A doutrina das questões políticas chegou ao Supremo Tribunal Federal com o famoso e polêmico julgamento do HC n° 300, impetrado por Rui Barbosa em 18 de abril de 189. Em sua petição inicial, Rui Barbosa defendeu, amparado na doutrina norte-americana da “political questions”, criada por influência da decisão de Marshall no célebre caso “Marbury vs. Madison”, que “os casos, que, se por um lado tocam a interesses políticos, por outro envolvem direitos individuais, não podem ser defesos à intervenção dos tribunais, amparo da liberdade pessoal contra as invasões do executivo”. Assim, “onde quer que haja um direito individual violado, há de haver um recurso judicial para a debelação da injustiça”(RODRIGUES, Lêda Boechat. História do Supremo Tribunal Federal. Tomo I/1891-1898: Defesa das liberdades civis. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991, p. 22).

Apesar da eloqüente defesa realizada por Rui Barbosa, o Supremo Tribunal Federal indeferiu o habeas corpus, por entender que não caberia ao Tribunal envolver-se em questões políticas do Poder Executivo ou Legislativo (RODRIGUES, Lêda Boechat. História do Supremo Tribunal Federal. Tomo I/1891-1898: Defesa das liberdades civis, cit. p. 20). Suas lições apenas foram devidamente apreciadas pelo Tribunal nos posteriores julgamentos dos Habeas Corpus n° 1.063 e 1.073, ambos de 1898, nos quais o Tribunal deixou assentado que a doutrina das questões políticas não poderia deixar ao desamparo as liberdades individuais (TEIXEIRA, José Elaeres Marques. A doutrina das questões políticas no Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2005, p. 93).

Os célebres ensinamentos de Rui Barbosa influenciaram decisivamente a formulação do art. 141, § 4º, da Constituição de 1946, precedente remoto do atual art. 5º, XXV, da Constituição de 1988 (“A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual” (Constituição de 1946, art. 141, § 4o). Observe-se que o texto de 1988 inova ao garantir o acesso à justiça também no caso de ameaça a direito).

A intenção do constituinte de 1946 era romper com a ordem constitucional conformada pela Constituição Polaca (de 1937), que prescrevia em seu art. 94 ser “vedado ao Poder Judiciário conhecer de questão exclusivamente política” (O art. 94 da Constituição de 1937 repetia o teor do art. 68 da Constituição de 1934: “É vedado ao Poder Judiciário conhecer de questões exclusivamente políticas. ”).

Assim, alternando momentos de maior e menor ativismo judicial, o Supremo Tribunal Federal, ao longo de sua história, tem entendido que a discricionariedade das medidas políticas não impede o seu controle judicial, desde que haja violação a direitos assegurados pela Constituição.

Mantendo essa postura, o Supremo Tribunal Federal, na última década, tem atuado ativamente no tocante ao controle judicial das questões políticas, nas quais observa violação à Constituição. Os diversos casos levados recentemente ao Tribunal envolvendo atos das Comissões Parlamentares de Inquérito corroboram essa afirmação. No julgamento do MS n° 23.452/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, deixou o Tribunal assentado o entendimento segundo o qual “os atos das Comissões Parlamentares de Inquérito são passíveis de controle jurisdicional, sempre que, de seu eventual exercício abusivo, derivarem injustas lesões ao regime das liberdades públicas e à integridade dos direitos e garantias individuais”(MS 23.452/RJ, Relator Celso de Mello, DJ 12.5.2000).

Tal juízo, entretanto, não pode vir desacompanhado de reflexão crítica acurada. A doutrina tradicional da insindicabilidade das questões interna corporis sempre esteve firmada na idéia de que as Casas Legislativas, ao aprovar os seus regimentos, estariam a disciplinar tão-somente questões internas, de forma que a violação às normas regimentais deveria ser considerada apenas como tais (ZAGREBELSKY, Gustavo. La giustizia costituzionale. Bologna, Mulino, 1979, p. 36.)

Muito embora minoritária hoje, não se pode negar que tal postura contempla uma preocupação de ordem substancial: evitar que a declaração de invalidade de ato legislativo marcado por vícios menos graves, ou adotado em procedimento meramente irregular, mas que tenha adesão de ampla maioria parlamentar, seja levada a efeito de forma corriqueira e, por vezes, traduzindo interferência indevida de uma função de poder sobre outra. (ZAGREBELSKY, Gustavo. La giustizia costituzionale. Bologna, Mulino, 1979, p. 37.)

Ainda Zagrebelsky afirma, por outro lado, que se as normas constitucionais fizerem referência expressa a outras disposições normativas, a violação constitucional pode advir da violação dessas outras normas, que, muito embora não sejam formalmente constitucionais, vinculam os atos e procedimentos legislativos, constituindo-se normas constitucionais interpostas. (ZAGREBELSKY, Gustavo. La giustizia costituzionale. Bologna, Mulino, 1979, p.40-41).

Na verdade, o órgão jurisdicional competente deve examinar a regularidade do processo legislativo, sempre tendo em vista a constatação de eventual afronta à Constituição (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional, apud MENDES, Gilmar. Controle de Constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos. Saraiva, 1990, p. 35-36), mormente, aos direitos fundamentais.


O caso dos autos remete à uma questão que envolve interpretação sistemática do regimento interno da Câmara dos Deputados:

Art. 43. Nenhum Deputado poderá presidir reunião de Comissão quando se debater ou votar matéria da qual seja Autor ou Relator.

Parágrafo único. Não poderá o Autor de proposição ser dela Relator, ainda que substituto ou parcial.”

Art. 102. A proposição de iniciativa de Deputado poderá ser apresentada individual ou coletivamente.

§ 1º Consideram-se Autores da proposição, para efeitos regimentais, todos os seus signatários, podendo as respectivas assinaturas ser apostas por meio eletrônico de acordo com Ato da Mesa. (Parágrafo com redação dada pela Resolução nº 22, de 2004).

§ 2º As atribuições ou prerrogativas regimentais conferidas ao Autor serão exercidas em Plenário por um só dos signatários da proposição, regulando-se a precedência segundo a ordem em que a

subscreveram.”

Art. 202. A proposta de emenda à Constituição será despachada pelo Presidente da Câmara à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, que se pronunciará sobre sua admissibilidade, no prazo de cinco sessões, devolvendo-a à Mesa com o respectivo parecer.(“Caput” do artigo com redação adaptada à Resolução nº 20, de 2004)

§ 1º Se inadmitida a proposta, poderá o Autor, com o apoiamento de Líderes que representem, no mínimo, um terço dos Deputados, requerer a apreciação preliminar em Plenário.

§ 2º Admitida a proposta, o Presidente designará Comissão Especial para o exame do mérito da proposição, a qual terá o prazo de quarenta sessões, a partir de sua constituição para proferir parecer.

§ 3º Somente perante a Comissão Especial poderão ser apresentadas emendas, com o mesmo quorum mínimo de assinaturas de Deputados e nas condições referidas no inciso II do artigo anterior, nas primeiras dez sessões do prazo que lhe está destinado para emitir parecer.

§ 4º O Relator ou a Comissão, em seu parecer, só poderá oferecer emenda ou substitutivo à proposta nas mesmas condições estabelecidas no inciso II do artigo precedente.

§ 5º Após a publicação do parecer e interstício de duas sessões, a proposta será incluída na Ordem do Dia.

§ 6º A proposta será submetida a dois turnos de discussão e votação, com interstício de cinco sessões.

§ 7º Será aprovada a proposta que obtiver, em ambos os turnos, três quintos dos votos dos membros da Câmara dos Deputados, em

votação nominal.”

§ 8º Aplicam-se à proposta de emenda à Constituição, no que não colidir com o estatuído neste artigo, as disposições regimentais relativas ao trâmite e apreciação dos projetos de lei.

A discussão posta para debate no presente mandado de segurança não é nova na dinâmica do processo legislativo perante a Câmara dos Deputados.

Na Questão de Ordem nº 10.330/96, de autoria da Deputada Sandra Starling, que questionava a indicação do Deputado José Múcio para relator da PEC 01/1995 (Reeleição de Presidente da República, Governadores e Prefeitos), o argumento era de que, sendo a PEC de iniciativa coletiva, dever-se-ia considerar todos os subscritores da PEC como seus autores, para os efeitos do art. 43, parágrafo único, e, nos termos do art. 102, §1º, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Naquela ocasião, a referida questão de ordem foi rejeitada pelos seguintes fundamentos:

(…)É da tradição do Congresso Nacional e dos Parlamentos a assinatura de proposições como mero apoiamento político, sem implicação de autoria. Essa praxe constava expressamente do Regimento anterior da Câmara (art. 114, §8º, da Resolução nº 30, de 1972) e ainda vigora no Regimento interno do Senado Federal (art. 243).

Por essa razão, viu-se o legislador interno na contingência de, ao editar o atual Regimento, estabelecer uma presunção legal no sentido de considerar autores todos os signatários, para inadmitir, dali em diante, as assinaturas de simples apoiamento.

Vê-se assim que nem todos que assinam uma proposição o fazem na condição de autores, no sentido comum do termo, isto é, de criadores,de idealizadores da peça produzida. Na maioria das vezes, o trabalho de criação e a iniciativa política é de um determinado Parlamentar que, de posse de um anteprojeto da matéria, passa a buscar o apoio dos pares, especialmente em se tratando de proposição para a qual a iniciativa coletiva é constitucionalmente imposta.

Essas considerações nos levam à conclusão de que os dispositivos regimentais relativos à autoria que não reproduzam mandamentos da Lei Maior devem ser interpretados no contexto do próprio Regimento e da prática parlamentar, atendendo inclusive à intenção de quem pratica o ato do processo legislativo e não exclusivamente a sua forma. É a partir dessa perspectiva que consideramos o parágrafo único do artigo 43.

A intenção inequívoca desse dispositivo é a de impedir que o autor de determinada proposição, como seu proponente e idealizador, venha a examiná-la, como Relator, no âmbito de Comissão, em virtude de seu notório posicionamento sobre a matéria e interesse, mais do que todos, na sua aprovação, o que poderia torná-lo menos imparcial no exame das sugestões e emendas dos demais membros do Colegiado. Trata-se, portanto, de preceito de natureza

essencialmente ética.

Tal assertiva é absolutamente verdadeira no caso da iniciativa individual, pois a identificação do signatário com a proposição é absoluta e completa. Vale, ainda, nos casos em que a co-autoria é assumida voluntariamente por vários Deputados.

Todavia, no caso da iniciativa coletiva imposta por mandamento constitucional ou regimental, a praxe da Casa tem consagrado uma interpretação restritiva dessa vedação regimental, tendo em vista que o fato de ter oferecido sua assinatura a determinada proposição que requeira certo número de subscritores para viabilizar sua tramitação não vincula o Deputado ao seu conteúdo, circunstância muitas e repetidas vezes declarada por Parlamentares até mesmo em Plenário.

Não raro, quem assina a proposição o faz motivado pela inspiração democrática de ver aquele tema debatido pela Casa, sendo tal gesto parte da convivência e cortesia parlamentar. Muitas vezes, ao fazê-lo, já antevê o assinante a perspectiva de até mesmo, eventualmente, opor-se ao conteúdo proposto através de emendas ou de debates políticos.


Por fim, a decisão sobre a Questão de Ordem nº 10.330/96 restou assim posta:

“(…) 1) o dispositivo regimental que impede o autor de proposição ser dela relator deve ser interpretado de forma restrita, aplicando-se de modo absoluto apenas à iniciativa individual e a autoria coletiva voluntária;

2) no caso de iniciativa coletiva imposta pela Constituição ou pelo Regimento, não há a presunção de vinculação obrigatória, no que diz respeito à autoria, dos subscritores com o conteúdo da proposição, à exceção do primeiro signatário.”

Seguindo a mesma linha de raciocínio, duas outras questões de ordem foram, recentemente, apresentadas e deliberadas pela Câmara dos Deputados.

Na Questão de Ordem nº 106/07, levantada por ocasião da construção de acordo de procedimentos para votação do Projeto de Lei nº 1.210/2007 (Reforma Política), do qual o Deputado Ronaldo Caiado, um dos signatários, poderia ser designado Relator, alegou-se que, nos termos do art. 110 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, qualquer um de seus proponentes estava impedido de ser indicado como Relator, ao contrário do que ocorre em Propostas de Emendas à Constituição. A decisão, entretanto, não obstante toda a argumentação buscando diferenciar a situação daquela em que se discute proposta de Emenda à Constituição, foi a seguinte:

“Indefere a questão de ordem do Deputado Arnaldo Faria de Sá, citando precedente decidido pelo então Presidente, Deputado Luis Eduardo, na Questão de Ordem nº 10330, de 1996, onde ficou estabelecido que, no caso de iniciativa coletiva imposta pela Constituição ou pelo Regimento, não há presunção de vinculação obrigatória dos subscritores com o conteúdo da proposição, à exceção do primeiro signatário, podendo, os demais, serem

indicados para relatá-la”.

Por fim, na Questão de Ordem nº 175/07, cuja decisão é objeto do presente mandado de segurança, assim restou posta a questão:

“Por meio do ofício nº 1.650/2007, indefere o recurso do Deputado Fernando Coruja por entender que o dispositivo que veda ao deputado presidir reunião de Comissão quando se debater ou votar matéria da qual seja autor deve ser interpretado de forma restrita, de modo que, para as proposições com subscrição de apoiamento, considera-se autor somente o primeiro signatário.

A jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Federal já vem colecionando decisões, em que se afasta o argumento da insindicabilidade dos atos internos das Casas Legislativas, reconhecendo o direito subjetivo dos parlamentares ao devido processo legislativo. Esclarecedor o precedente firmado pelo Plenário, no MS 23.831/DF, Relator Min. Celso de Mello, DJ 04/08/06:./jurisprudencia/l MS24831 / DF – D

(…) O CONTROLE JURISDICIONAL DOS ATOS PARLAMENTARES: POSSIBILIDADE, DESDE QUE HAJA ALEGAÇÃO DE DESRESPEITO A DIREITOS E/OU GARANTIAS DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL. – O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República, ainda que essa atuação institucional se projete na esfera orgânica do Poder Legislativo. – Não obstante o caráter político dos atos parlamentares, revela-se legítima a intervenção jurisdicional, sempre que os corpos legislativos ultrapassem os limites delineados pela Constituição ou exerçam as suas atribuições institucionais com ofensa a direitos públicos subjetivos impregnados de qualificação constitucional e titularizados, ou não, por membros do Congresso Nacional. Questões políticas. Doutrina. Precedentes. – A ocorrência de desvios jurídicoconstitucionais nos quais incida uma Comissão Parlamentar de Inquérito justifica, plenamente, o exercício, pelo Judiciário, da atividade de controle jurisdicional sobre eventuais abusos legislativos (RTJ 173/805-810, 806), sem que isso caracterize situação de ilegítima interferência na esfera orgânica de outro Poder da República.

Evidenciou-se, neste precedente, a proposta de Hans Kelsen, que associava a jurisdição constitucional à democracia, exatamente na situação em que a atividade jurisdicional atua na defesa ou na proteção das minorias representativas.

É sabido de todos que a função de legislar não pode ser exercida por meio de qualquer procedimento, existindo normas constitucionais e regimentais a resguardar um devido processo também para a elaboração das normas.

Esta Corte, no presente caso, é acionada justamente para garantir eficácia ao direito da minoria parlamentar de ver garantido o direito ao devido processo legislativo, alegadamente, desrespeitado pela infringência da norma regimental específica.

Como se sabe, devemos a Kelsen a associação sistemática da jurisdição constitucional a esse aspecto importante do conceito de democracia, que é, exatamente, a possibilidade de sobrevivência e de proteção das minorias.


A opção de Kelsen pelo modelo democrático está vinculada à concepção teórica do relativismo. O sistema democrático não se legitima pela verdade, mas, sim, pelo consenso (KELSEN, Hans. Vom Wesen und Wert der Demokratie. 2 ed. 1929, p. 101).

Na famosa conferência proferida perante a Associação dos Professores de Direito Público alemães, Kelsen deixou claro que a jurisdição constitucional haveria de ter papel central em um sistema democrático moderno:

“Ao lado dessa significação geral comum a todas as Constituições, a jurisdição constitucional também adquire uma importância especial, que varia de acordo com os traços característicos da Constituição considerada. Essa importância é de primeira ordem para a República democrática, com relação à qual as instituições de controle são condição de existência. Contra os diversos ataques, em parte justificados, atualmente dirigidos contra ela, essa forma de Estado não pode se defender melhor do que organizando todas as garantias possíveis da regularidade das funções estatais. Quanto mais elas se democratizam, mais o controle deve ser reforçado.

A jurisdição constitucional também deve ser apreciada desse ponto de vista. Garantindo a elaboração constitucional das leis, e em particular sua constitucionalidade material, ela é um meio de proteção eficaz da minoria contra os atropelos da maioria. A dominação desta só é suportável se for exercida de modo regular.

A forma constitucional especial, que consiste de ordinário em que a reforma da Constituição depende de uma maioria qualificada, significa que certas questões fundamentais só podem ser solucionadas em acordo com a minoria: a maioria simples não tem, pelo menos em certas matérias, o direito de impor sua vontade à minoria. Somente uma lei inconstitucional, aprovada por maioria simples, poderia então invadir, contra a vontade da minoria, a esfera de seus interesses constitucionais garantidos.

Toda minoria — de classe, nacional ou religiosa — cujos interesses são protegidos de uma maneira qualquer pela Constituição, tem pois um interesse eminente na constitucionalidade das leis. Isso é verdade especialmente se supusermos uma mudança de maioria que deixe à antiga maioria, agora minoria, força ainda suficiente para impedir a reunião das condições necessárias à reforma da Constituição.

Se virmos a essência da democracia não na onipotência da maioria, mas no compromisso constante entre os grupos representados no Parlamento pela maioria e pela minoria, e por conseguinte na paz social, a justiça constitucional aparecerá como um meio particularmente adequado à realização dessa idéia. A simples ameaça do pedido ao tribunal constitucional pode ser, nas mãos da minoria, um instrumento capaz de impedir que a maioria viole seus interesses constitucionalmente protegidos, e de se opor à ditadura da maioria, não menos perigosa para a paz social que a da minoria. (Kelsen, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo : Martins Fontes, 2003, p. 181-182).”

Nesse contexto, os entes de representação devem agir dentro de limites prescritos, estando os seus atos vinculados a determinados procedimentos. Essas constituições pretendem, portanto, que os atos praticados pelos órgãos representativos possam ser objeto de crítica e controle (GRIMM, Dieter. Verfassungserichtsbarkeit – Funktion und Funktionsgrenzen in demokratischem Staat. In: Jus-Didaktik, Heft 4, Munique, 1977, p. 83-95). Trata-se, em verdade, de um modelo de fiscalização democrática dos atos do Poder Público.

Essa colocação tem a virtude de ressaltar que a jurisdição constitucional não se mostra incompatível com um sistema democrático, que imponha limites aos ímpetos da maioria e discipline o exercício da vontade majoritária. Ao revés, esse órgão de controle cumpre uma função importante no sentido de reforçar as condições normativas da democracia.

Também na ADI 3833/DF, relator Min. Carlos Britto; Redator para o acórdão Min. Marco Aurélio, DJ 13/02/07, a Min. Carmen Lúcia ressaltou a competência do Supremo Tribunal Federal para julgar atos políticos, trazendo à baila a lição de Pedro Lessa, que citando Ruy Barbosa, defendia que era de acabar “ (…)de uma vez com o equívoco, definindo (que)… uma questão pode ser distintamente política, altamente política, segundo alguns, até puramente política, fora dos domínios da justiça, e, contudo, em revestindo a forma de um pleito, estar na competência dos tribunais, desde que o ato, executivo ou legislativo, contra o qual se demande, fira a Constituição, lesando ou negando um direito nela consagrado. (…) Noutras palavras: a violação de garantias constitucionais, perpetrada à sombra de funções políticas, não é imune à ação dos tribunais. A estes compete sempre verificar se a atribuição política, invocada pelo excepcionante, abrange nos seus limites a faculdade exercida. Em substância, exercendo atribuições políticas e tomando resoluções políticas, move-se o poder legislativo num vasto domínio, que tem como limites um círculo de extenso diâmetro, que é a Constituição Federal. Enquanto não transpõe essa periferia, o Congresso elabora medidas e normas que escapam à competência do Poder Judiciário. Desde que ultrapasse a circunferência, os seus atos estão sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, que, declarando-os inaplicáveis por ofensivos a direitos, lhes tira toda a eficácia jurídica” (Lessa, Pedro. Do Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1915, p. 54 e ss).

No precedente, a discussão sobre a necessidade de decreto legislativo específico a ser aprovado em ambas as Casas do Congresso Nacional para a fixação de subsídios dos Congressistas acabou restando prejudicada em face do não conhecimento da ADI, por ter sido declarada sem eficácia a norma impugnada (ADI 3833/DF, relator Min. Carlos Britto; Redator para o acórdão Min. Marco Aurélio, DJ 13/02/07).

A questão dos presentes autos parece indicar que uma exegese literal (e ampliativa) do que está contido no art. 43 e parágrafo único do Regimento Interno da Câmara dos Deputados pode levar a situações paradoxais.

Especialmente no caso de propostas de emenda à Constituição, para as quais a iniciativa coletiva é obrigatória e importa um elevado número de assinaturas, a interpretação gramatical do referido dispositivo regimental pode conduzir a situações absurdas.

Imagine-se uma PEC que, por inegável oportunidade, tenha sido subscrita por todos os membros da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, de todos os partidos e blocos. Ou, ainda, o caso de várias PECs apensadas que, no seu conjunto, contenham as assinaturas de todos os membros da Casa. Quem haveria de relatá-la, a prevalecer tal entendimento? Quem poderia Presidir a Comissão Especial, nessas circunstâncias? Estariam todos os parlamentares subscritores impedidos?

Dessa forma, à primeira vista, parece que o caso dos autos apresenta-se dentre aqueles que invocam uma interpretação sistemática do próprio Regimento Interno da Câmara dos Deputados, já com tradição de deliberações, em questões de ordem envolvendo controvérsias semelhantes, no sentido da interpretação mais restritiva do art. 43, caput e parágrafo único, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, retirando-lhe do âmbito de proteção o processo legislativo das emendas constitucionais.

A interpretação conferida ao seu próprio Regimento pela Mesa da Câmara dos Deputados revela-se, numa avaliação inicial, consentânea com os princípios que regem o devido processo legal legislativo. A partir dela, não se vislumbra, de forma imediata e incontestável, violação direta à Constituição.

Assim sendo, ressalvada a possibilidade de melhor análise da questão quando do julgamento de mérito, indefiro o pedido de liminar, por não vislumbrar a presença inequívoca dos seus pressupostos autorizadores.

Comunique-se. Publique-se.

Após, solicitem-se informações.

Prestadas as informações, encaminhem-se os autos à Procuradoria-Geral da República.

Brasília, 8 de outubro de 2007.

Ministro Gilmar Mendes

Relator

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