Acordo fora da lei

Motorista de ônibus não pode ter só dez minutos de almoço

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5 de outubro de 2007, 13h37

Com apenas dez minutos para almoço e descanso, um motorista de ônibus conseguiu no Tribunal Superior do Trabalho o direito de receber o equivalente a 50 minutos extras diários pelo período não usufruído de intervalo para a refeição. A 1ª Turma do TST considerou a saúde e a segurança do trabalhador para rejeitar recurso da Urca Auto Ônibus. Para os ministros, em acordo coletivo não se pode negociar direitos indisponíveis do empregado.

A empresa pedia reforma do resultado obtido no Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG). Sustentava que o acordo coletivo da categoria permitia a redução do intervalo intrajornada e o fracionamento desse período.

Segundo o relator, ministro Lelio Bentes Corrêa, apesar de o artigo 7º, XXVI, da Constituição Federal consagrar o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, não se pode concluir haver autorização para negociar direitos indisponíveis do empregado, concernentes à proteção de sua saúde física e mental.

Durante o julgamento do processo, o ministro disse que “é uma questão de segurança do cidadão, porque esses empregados trabalham oito horas e cumprem intervalo, no decorrer da jornada, de apenas cinco minutos”. Para a ministra Dora Maria da Costa, a busca pelo acordo coletivo, nestes casos, “é para tentar contornar a lei, e tentar contornar a lei é impossível”.

De acordo com o ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, a lei não alude apenas ao tempo para alimentação: o intervalo é para alimentação e descanso. Ele ressaltou que, em determinadas rotas, o motorista está sujeito a assalto e completamente estressado, porque vai a regiões perigosíssimas. E ressaltou: “É uma das profissões que tem o maior índice de doenças profissionais, hipertensão, problemas cardíacos, pelo estresse ocasionado pela atividade de direção no trânsito da cidade grande. Se não se preservar nem o intervalo, fica mais complicado ainda”.

O ministro Vieira de Mello defendeu ainda uma jornada de seis horas para os motoristas, e nunca de oito, posição já firmada em dissídios coletivos em seu Tribunal Regional de origem. Para ele, o desgaste seria muito menor. “A tensão e a exposição às doenças decorrentes desse tipo de atividade por longos anos estariam bastante mitigadas se tivéssemos uma jornada equivalente de turno, de seis horas, por negociação”, concluiu.

Apesar de a Seção de Dissídios Coletivos adotar a posição de que os motoristas, dada a peculiaridade das condições de trabalho, podem cumprir intervalo intrajornada de forma fracionada, o relator, ministro Lelio Bentes, prefere ficar com a garantia constitucional. “A empresa alega que havia acordo coletivo que permitia o fracionamento. Eu estou mantendo a decisão do Tribunal Regional que não reconheceu valor a essa avença porque manifestamente contrária ao que dispõe o artigo 71, parágrafo 3º, da CLT”. Lembrou, ainda, que há três precedentes em sentido contrário da 4ª Turma do TST.

O processo

O motorista foi admitido em maio de 1989, aposentou-se por tempo de serviço em abril de 1994 e continuou prestando serviços até a dispensa em maio de 2000. Na reclamação trabalhista, informou não ter recebido pagamento de 100% a mais aos domingos e feriados, ser obrigado a comparecer 20 minutos antes de iniciar os trabalhos, para conferência de lataria, pneus, molas e pré-aquecimento do motor, e trabalhar em seu período de uma hora de intervalo para almoço e descanso. Pediu o recebimento de horas à disposição, horas extras e outras verbas rescisórias.

A empresa argumentou que tinha permissão, por acordo coletivo, para o intervalo de 30 minutos para almoço e repouso e a possibilidade de fracionamento desse intervalo. Após laudos periciais e testemunhais, em que foi comprovado que o intervalo de almoço oscilava entre cinco e dez minutos, a 1ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte atendeu parcialmente aos pedidos do motorista. Entre outros direitos, concedeu os 50 minutos extras diários por não ter usufruído do intervalo intrajornada.

As partes recorreram ao TRT da 3ª Região (MG), que entendeu ter o autor direito a uma hora de intervalo, e, comprovado que o empregado gozava de, no máximo, dez minutos por jornada, o julgou correto o deferimento de 50 minutos extras, com base no artigo 71, parágrafo 4º, da CLT.

A Urca Auto Ônibus apelou para o TST, mas seu recurso de revista não prosperou. A Turma, por unanimidade, julgou que a jurisprudência do TST é no sentido de limitar o poder de flexibilização atribuído às partes, estabelecido pela Constituição Federal. E também de excluir do seu campo de abrangência as normas que definem garantias mínimas, inclusive as que dizem respeito a higiene, saúde e segurança do trabalhador.

RR-1.432/2000-001-03-00.6

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