Manifestação cultural

Justiça permite romaria de santa por tribunais do Pará

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5 de outubro de 2007, 17h22

Fracassou a tentativa da ONG Brasil para Todos de suspender o movimento “Reverência do Judiciário à Virgem de Nazaré”, promovido pelo juiz federal Daniel Santos Rocha Sobral, da Seção Judiciária do Pará. O argumento da ONG era o de que, como vivemos em um Estado laico, o Judiciário não poderia fazer comemorações religiosas.

Com as comemorações, o Tribunal de Justiça do estado recebe visitas da imagem peregrina da santa. Em cada local, uma missa é rezada.

A representação foi rejeitada pelo desembargador Jirair Aram Meguerian, corregedor-geral da Justiça Federal da 1ª Região (PA). Para ele, não se pode ignorar a manifestação cultural da religião nas tradições brasileiras.

O desembargador embasou o seu entendimento na recente decisão tomada pelo Conselho Nacional de Justiça. Na ocasião, o CNJ ressaltou que o uso de símbolos religiosos em órgãos da Justiça não fere o princípio de laicidade do Estado. O entendimento do CNJ ficou expresso no julgamento de quatro Pedidos de Providência que questionavam a presença de crucifixos em dependências de órgãos do Judiciário.

Jirair Aram ressaltou, também, que o movimento, a peregrinação do Círio de Nazaré, que ocorre nas primeiras semanas deste mês de outubro, “é tão tradicional na cultura do Pará que o seu prestígio entre os paraenses transcende os aspectos específicos de um culto próprio de uma igreja determinada, equivalendo, em importância, às festas de Natal e Reveillon”.

Ele rebateu também o argumento da ONG de que a peregrinação viola o preceito constitucional do artigo 19 da Constituição Federal. O artigo diz que o público não pode estabelecer cultos religiosos. Segundo o desembargador, o evento assegura a preservação das tradições culturais do povo paraense cuja proteção compete ao Estado, nos termos do artigo 215 da Constituição.

Por fim, destacou que a visita da santa de Nazaré no Poder Judiciário não viola e não discrimina os direitos dos cidadãos que não queiram participar do evento. “A peregrinação se constitui em uma manifestação tradicional e secular da cultura paraense”, explicou.

Veja a decisão

PODER JUDICIARIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIAO

REPRESENTAÇÃO: 2007100991-PA

DECISÃO

1. Cuida-se de Representação formulada por Roberto Alves de Almeida, contra ato do Juiz Federal Diretor do Foro da Seca° Judiciária do Estado do Para, Dr. Daniel Santos Rocha Sobral, que permitiu a inclusão das dependências da Justiça Federal do Para

no itinerário de visitas da imagem de Nossa Senhora de Nazaré, a ser realizada no próximo dia 4 de outubro, as 15 horas.

2. O evento faz parte das atividades que antecedem o denominado Círio de Nazaré, peregrinação que vem sendo celebrada há mais de dois séculos na cidade de Belém do Para, e que, pela primeira vez, incluiu a Seção Judiciária do Estado como parte de sua programação.

3. O representante afirma que, ao permitir a realização de um evento dessa natureza, nas dependências da Justiça Federal, o Diretor do Foro ultrapassou os limites de suas prerrogativas, uma vez que tais eventos. por mais nobres, populares ou tradicionais que sejam, representam a idiossincrasia de seus fieis, tornando-se, portanto, acontecimentos excludentes.

4. Argumenta que o Estado brasileiro e laico e por definição neutra, estando as autoridades absolutamente impedidas de mostrar favorecimento a qualquer crença religiosa, sob pena de violação da liberdade de credo de que trata o artigo 5° da Constituição Federal.

5. Aduz que o Estado e suas repartições estão acima das convicções particulares, pois pertence a toda a população, não podendo os magistrados, no exercício de suas prerrogativas de agentes do Estado, por em praticas as suas crenças religiosas.

6. Dessa forma, com base nas argumentações acima expostas, e considerando que o evento este marcado para o próximo dia04 de outubro de 2007, o autor requer, LIMINARMENTE, (antes, portanto, das informações a serem prestadas/pelo representado, na forma do artigo 9° do Regimento Interno da Corregedoria), que o trajeto da peregrinação do Círio de Nazaré não se realize nas dependências da Justiça Federal do Pará.

8. A insurgência do representante teve como base as noticias veiculadas, no dia 13/09/07, pelo site da Seção Judiciária do Estado do Para, nos seguintes termos:

“Diretor do Foro anuncia programação religiosa e lança campanha o diretor do Foro da Seção Judiciária do Pará, juiz federal Daniel Santos Rocha Sobral, anunciou nesta quinta-feira 13, a programação da visita da imagem peregrina de Nossa Senhora de Nazaré a Justiça Federal, marcada para as 15h do próximo dia 4 de outubro, e o lançamento da Campanha “Solidariedade é Vida”, que a partir desta segunda-feira, 17, Vai arrecadar gêneros alimentícios não perecíveis e material escolar que serão doados a instituições beneficentes.

A programação religiosa e a campanha de solidariedade integram a serie de eventos que marcam os 40 anos da Seção Judiciária, transcorridos em abril passado. “A Justiça Federal no Pará pretende tornar setembro e outubro mesas especiais de solidariedade e fé valores tão esquecidos nestes tempos marcados pela indiferença e pelo individualismo” afirma o diretor do Foro na mensagem em que pede a todos apóiem a iniciativa em favor da população carente e convida para que participem da missa a ser celebrada no dia 4 de outubro, no auditório da Seção Judiciária.

Presidente da comissão que organiza a visitação da imagem de Nossa Senhora de Nazaré e a campanha de solidariedade, o servidor Felipe Bastos Guimarães ressaltou que a programação religiosa e a doação de gêneros alimentícios pretendem integrar servidores, magistrados, empregados que prestam serviços terceirizados a Justice e quem mais se disponha a ser solidário. Da comissão participam ainda os servidores Silvia Mary Cardoso, Helena Demétrio Gaia. Esmeralda Franca de Souza, Conceição Coutinho, Jehud Alves da Silva, Lauriano Pinto dos Anjos e André Araújo.

Segundo Felipe, a visitação da imagem de Nossa Senhora de Nazaré acontece pela primeira vez, em 40 anos de funcionamento da Justiça Federal no Estado e foi acertada com a Diretoria do Círio de Nazaré em junho passado. A imagem chegará ao prédio da Justiça as 15h do dia 4, uma quinta-feira, e será recebida por uma comissão de quatro pessoas. A saudação ficara a cargo da banda de música da Policia Militar do Pará.

Felipe informou que ainda do lado de fora do prédio na área do estacionamento, a imagem da Virgem de Nazaré será homenageada com uma chuva de papel picado, enquanto o tenor Francisco Campos canta “Ave Maria”, de Schubert. Em seguida, começará a missa que será celebrada no auditório pelo frei Juraci Estevam, pároco da igreja de Santo Antonio de Lisboa, em Batista Campos, com o acompanhamento de um coral de crianças atendidas pelo Projeto Cururu e dos cantores Rodrigo Valdez e Beth Valdez. Na saída da imagem do edifício da Justiça Federal; a servidora Helena Gala cantará a “Ave Maria”, de Gounold.

7- Eis a súmula dos fatos. Passo ao exame da questão

8. A insurgência do representante teve como base nas noticias veiculadas, no dia 13/09/07, pelo site da Seção Judiciária do Estado do Para, nos seguintes termos:

“Diretor do Foro anuncia programação religiosa e lança campanha o diretor do Foro da Seção Judiciária do Pará, juiz federal Daniel Santos Rocha Sobral, anunciou nesta quinta-feira 13, a programação da visita da imagem peregrina de Nossa Senhora de Nazaré a Justiça Federal, marcada para as 15h do próximo dia 4 de outubro, e o lançamento da Campanha “Solidariedade é Vida”, que a partir desta segunda-feira, 17, Vai arrecadar gêneros alimentícios não perecíveis e material escolar que serão doados a instituições beneficentes.

A programação religiosa e a campanha de solidariedade integram a serie de eventos que marcam os 40 anos da Seção Judiciária, transcorridos em abril passado. “A Justiça Federal no Pará pretende tornar setembro e outubro mesas especiais de solidariedade e fé valores tão esquecidos nestes tempos marcados pela indiferença e pelo individualismo” afirma o diretor do Foro na mensagem em que pede a todos apóiem a iniciativa em favor da população carente e convida para que participem da missa a ser celebrada no dia 4 de outubro, no auditório da Seção Judiciária.

Presidente da comissão que organiza a visitação da imagem de Nossa Senhora de Nazaré e a campanha de solidariedade, o servidor Felipe Bastos Guimarães ressaltou que a programação religiosa e a doação de gêneros alimentícios pretendem integrar servidores, magistrados, empregados que prestam serviços terceirizados a Justice e quem mais se disponha a ser solidário. Da comissão participam ainda os servidores Silvia Mary Cardoso, Helena Demétrio Gaia. Esmeralda Franca de Souza, Conceição Coutinho, Jehud Alves da Silva, Lauriano Pinto dos Anjos e André Araújo.

Segundo Felipe, a visitação da imagem de Nossa Senhora de Nazaré acontece pela primeira vez, em 40 anos de funcionamento da Justiça Federal no Estado e foi acertada com a Diretoria do Círio de Nazaré em junho passado. A imagem chegará ao prédio da Justiça as 15h do dia 4, uma quinta-feira, e será recebida por uma comissão de quatro pessoas. A saudação ficara a cargo da banda de música da Policia Militar do Pará.

Felipe informou que ainda do lado de fora do prédio na área do estacionamento, a imagem da Virgem de Nazaré será homenageada com uma chuva de papel picado, enquanto o tenor Francisco Campos canta “Ave Maria”, de Schubert. Em seguida, começará a missa que será celebrada no auditório pelo frei Juraci Estevam, pároco da igreja de Santo Antonio de Lisboa, em Batista Campos, com o acompanhamento de um coral de crianças atendidas pelo Projeto Cururu e dos cantores Rodrigo Valdez e Beth Valdez. Na saída da imagem do edifício da Justiça Federal; a servidora Helena Gala cantará a “Ave Maria”, de Gounold.

No particular data máxima vênia entendo que a interpretação não tem lugar, porque não há no ordenamento qualquer norma jurídica vigente que determine a colocação de símbolo religioso — que seria uma negação ao Estado laico, como também não há lei que proíba tal colocação. Prevalece, portanto, o principio fundamental do interesse público, de garantir direitos individuais e, ao mesmo tempo, coletivos, uma vez que todos são iguais perante a lei e “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (CF. art 50. 11).

(…)

Tenho, portanto, que há muito vivemos num Estado laico, desde 1890, sem estabelecer subvencionar embaraçar ou de alguma forma se associar com qualquer culto religioso, exatamente nos termos do inciso 1. do artigo 19, da Constituição Federal. Alias, em meados do mesmo século XIX, em Portugal ocorreu experiência semelhante, decerto mais radical, mais viva, dada a cultura então vigente.

O insuspeito historiador e pensador português Alexandre Herculano, feroz combatente do Estado clerical, distinguiu muito bem a situação afirmando com toda pertinência que o interesse individual contido na cultura de uma sociedade não afeta ou viola qualquer tipo de interesse coletivo, sobretudo quando — aqui, aludindo a presença do simbolismo — o fato não perturba ou tolhe os direitos e a ação de outrem ou dos outros”.

Por assim ver, na medida em que não vislumbro a invocada inconstitucionalidade na pratica apontada, muito menos qualquer ilegalidade, dada a ausência de norma jurídica especifica em vigor, contendo obrigação de fazer ou de não fazer, considerando que o interesse público primário (a sociedade), por sua legitima representação, o Poder Legislativo, nenhuma norma jurídica expediu sobre a matéria e assim, por entender que essa matéria não se comporta no controle exercido pelo Egrégio Conselho. sendo de competência Única, exclusiva interna e totalmente autônoma dos Tribunais de Justiça detentores do interesse público secundário; e por considerar que a presença de um símbolo religioso in casu o crucifixo, numa dependência de qualquer órgão do Poder Judiciário não viola, agride, discrimina ou, sequer, “perturba ou tolhe os direitos e ações de outrem ou dos outros” (sic). são razões para não acolher a pretensão.

Pedindo vênia, ao eminente Conselheiro Relator, ouso discordar da proposta para dispense qualquer Consulta Pública — ate porque, a meu juízo, inócua, face a cultura crista brasileira — para votar, no mérito, no sentido da total improcedência da pretensão.

O voto.

OSCAR ARGOLLO”

10. Com efeito, a peregrinação do Círio de Nazaré, realizada no segundo domingo do mês de outubro, e uma festa tão enraizada — e tão tradicional — na cultura do Estado do Paraná.

Pára que o seu prestigio, entre os paraenses, transcende dos aspectos religiosos.

específicos de urn culto próprio de uma igreja determinada equivalendo, em importância, as festas de Natal e Reveillon.

11. Como reiteradas vezes tem sido noticiado pelos meios de comunicação, a peregrinação e composta de centenas de milhares de pessoas do estado do Pare e de outras unidades da federação, o que faz com que, a cada ano, esse evento continue se consolidando como uma das maiores manifestações culturais daquele estado.

12. Como se vê, as festividades do Círio de Nazaré transcendem o significado meramente religioso, evidenciando-se contornos do verdadeiro evento de confraternização e folclore, que atinge proporções grandiosas de massificação de costumes e atitudes, com inegáveis reflexos no folclore e na cultura popular. Não podendo se olvidar, outrossim, que é um evento incluído no calendário turístico da região.

13. Dessa forma. não obstante os argumentos apresentados na Representação sob exame, a verdade e que a peregrinação do Círio de Nazaré pela sede da Seção Judiciária do Para não viola o preceito constitucional inscrito no artigo 19, inc. I da Carta Magna, ao contrario, tal evento assegura a preservação das tradições culturais do povo paraense cuja proteção compete ao Estado, nos exatos termos do art. 215 da mesma Carta.

Pelo exposto, tendo em vista a inexistência de indícios de que a visita da imagem peregrina pela Justiça Federal do Pará fosse violar, agredir ou discriminar os direitos dos cidadãos que não queiram participar do evento, bem como por reconhecer que a peregrinação se constitui em uma manifestação tradicional e secular da cultura paraense,JULGO IMPROCEDENTE A PRESENTE REPRESENTACAO consequentemente, indefiro o pedido de liminar formulado por Roberto Alves de Almeida.

Comunique-se ao representante Roberto Alves dos Santos. dando-lhe ciência da presente decisão.

Oficie-se ao Juiz Federal Diretor do Foro da Seção Judiciária do Estado do Pará, Dr. Daniel Santos Rocha Sobral, também para dar-Ihe ciência.

Brasilia-DF, 2-de outubro de 2007

Desembargador Federal Jirair Aran Meguerian

Corregedor-Geral da Justiça Federal da 1ª Região

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