Dois em um

Juiz em substituição não pode atuar como revisor em julgamento

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5 de outubro de 2007, 0h00

Antes mesmo de se dar início ao presente trabalho, cabe um esclarecimento: a par da citação de alguns dispositivos legais do Código de Processo Civil (CPC), é feita menção a diversos artigos do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (RITJGO), obviamente em razão da base geográfica em que atua o articulista. Entretanto, os fundamentos da tese aqui desenvolvida servem praticamente a todos os consulentes, haja vista a identidade ou semelhança entre os Regimentos Internos dos Tribunais de todo o País, mormente no que tange ao assunto em voga: a substituição de desembargadores por juízes de 1.ª Instância.

Pois bem.

É fato corriqueiro nos Tribunais pátrios a substituição de desembargadores por juízes de 1.ª Instância. No caso específico do TJ-GO, sempre que houver vacância ou afastamento de desembargador, a qualquer título (licença para tratamento de saúde, férias etc.), por prazo superior a trinta dias, será convocado um juiz de Direito de entrância final para substituí-lo (artigo 108 do RITJGO), cuja escolha deve ser feita pelo próprio desembargador substituído, ad referendum do Órgão Especial (§1.º do artigo 108 do RITJGO).

Nos limitamos, neste trabalho, a abordar uma das nulidades advindas da errônea atuação do juiz em substituição como revisor, eis que as nulidades relativas à participação do relator no julgamento são mais evidentes e, por isso mesmo, de mais fácil percepção (como, por ex., a hipótese de o desembargador que relatou o feito não participar de seu julgamento).

Com efeito, estabelece o artigo 151, IV, do Regimento Interno do TJ-GO, que “são juízes certos: os que houverem lançado nos autos o seu relatório, ‘visto’ ou pedido de dia para julgamento, ainda que eleitos Presidente do Tribunal e Corregedor-Geral da Justiça.”

Ao relator, quando do julgamento de apelação cível (abordaremos esta modalidade recursal por ser a mais comum no TJ-GO e nos demais pretórios nacionais), compete lançar nos autos o relatório, passando-os ao revisor (artigo 175, XXIX, “b” do RITJGO), a quem compete, por sua vez, “lançar o seu ‘visto’ nos autos, declarando concordar com o relatório, se houver, retificando-o, se for o caso, e pedindo dia para o julgamento” (artigo 180 do RITJGO). No caso específico da apelação cível, “declarando concordar com o relatório, ou retificando-o, o revisor, no prazo de 20 dias, pedirá designação de data para o julgamento” (artigo 375 do RITJGO).

Tais previsões regimentais nada mais são do que a confirmação daquilo que prevêem os artigos. 551 e 552 do CPC:

“Artigo 551. Tratando-se de apelação, de embargos infringentes e de ação rescisória, os autos serão conclusos ao revisor.

§1.º Será revisor o juiz que se seguir ao relator na ordem descendente de antigüidade.

§2.º O revisor aporá nos autos o seu “visto”, cabendo-lhe pedir dia para julgamento.

§3.º Nos recursos interpostos nas causas de procedimentos sumários, de despejo e nos casos de indeferimento liminar da petição inicial, não haverá revisor.

Artigo 552. Os autos serão, em seguida, apresentados ao presidente, que designará dia para julgamento, mandando publicar a pauta no órgão oficial.

§1.º Entre a data da publicação da pauta e a sessão de julgamento mediará, pelo menos, o espaço de 48 (quarenta e oito) horas.

§2.º Afixar-se-á a pauta na entrada da sala em que se realizar a sessão de julgamento.

§3.º Salvo caso de força maior, participará do julgamento do recurso o juiz que houver lançado o “visto” nos autos.” (destacamos)

Após lançado pelo desembargador (ou juiz em substituição) que seja o relator dos autos, o relatório, e submetido o feito à revisão, o desembargador (ou juiz em substituição) que funcione como revisor, por força dos arts. 151, IV, 180 e 375 do RITJGO c/c arts. 551, §2.º e 552, §3.º do CPC, fica vinculado ao julgamento (torna-se juiz certo), haja vista ter ele apreciado e concordado com o relatório, pedindo dia para julgamento.

Todavia, o que comumente se vê, no caso de substituição, é que na sessão de julgamento, o desembargador (ou juiz em substituição) que revisou os autos não participa do julgamento a que estava atrelado, fazendo-se substituir pelo juiz em substituição (ou mesmo pelo desembargador que reassumiu seu posto, no caso de ter sido o juiz em substituição que procedeu à revisão), que vota em lugar do substituído, mesmo sem ter revisado o feito.

Nesses casos, há manifesta nulidade do julgamento (corrigível por meio de embargos declaratórios com pedido de efeitos infringentes)1 haja vista que o juiz certo para a causa não participa do julgamento a que fizera a revisão.

A participação no julgamento do revisor que apôs seu “visto” nos autos é indispensável, dada a importância de que “mais um juiz tenha acesso à matéria probatória, de forma a permitir que os dois, conhecedores das circunstâncias de fato, possam com absoluta segurança transmitir aos demais integrantes do grupo julgador tudo aquilo que disser respeito ao ocorrido durante a instrução do feito e seja importante ao julgamento da causa” (palavras do Ministro do STJ Paulo Gallotti, no REsp 250.106/DF).

O então Ministro Franciulli Netto, nesse mesmo julgamento, após relatar que “durante a minha [sua] vida toda de magistrado, quando em conversas informais, indagado sobre a diferença em votar como relator ou revisor, eu costumava dizer que a única era ao escrever o voto. Sempre gastei, praticamente, na análise dos autos o mesmo tempo seja como relator, seja como revisor”, fez constar em seu voto-preliminar que “em apelação, se a lei dispõe que há necessidade de revisor, é porque assim o exige o exame crítico da prova, que sempre é subjetivo. Isso quer dizer que a lei determina com muita sabedoria, no meu modo de ver, que dois juízes apreciem a prova para enquadrá-la à situação jurídica invocada; enfim, para compor o litígio.”

O acórdão a que se referiu acima — que acabou por anular o julgamento a fim de que outro se fizesse com a presença do revisor — restou assim ementado:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. APELAÇÃO. REVISÃO. AUSÊNCIA. ARTIGO 551 DO CPC. NULIDADE ABSOLUTA. PRECLUSÃO. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES.

1. A falta de revisor, nos casos em que a lei exige sua participação, importa em nulidade absoluta do julgamento.

2. Nessas hipóteses, verificando-se, somente na sessão de julgamento, que os autos não foram submetidos à revisão, não há que se falar em preclusão do direito da parte de argüir a nulidade na primeira oportunidade em que se manifestar.

3. Precedentes.”2

Poder-se-ia argumentar que o julgamento não teria sido feito sem revisor, dada a participação do juiz em substituição.

Entretanto, para que possa validamente participar do julgamento, é indispensável que o juiz em substituição tenha vista dos autos antes da sessão de julgamento, para que, após a devida análise (compreendendo, por óbvio, o exame das provas e teses dos autos), lance neles seu “visto” e peça dia para julgamento.

Não que o afastamento temporário de desembargador impeça a ocorrência de qualquer julgamento, já que há substituto a fazer-lhe as vezes. Este último estará apto a julgar mesmo os processos em que o desembargador já apôs seu “visto” e pediu dia para julgamento, mas desde que ele, o juiz em substituição, também examine previamente os autos, aprecie o relatório, aponha no feito o seu “visto” e peça dia para julgamento.

Caso contrário, perpetrada resta ofensa aos artigos. 151, IV, 180 e 375 do RITJGO, assim como aos artigos. 245, 551, §2.º e 552, §3.º do CPC. Quanto à violação a estes últimos dispositivos, o que abre ensanchas ao manejo de recurso especial, confira-se o seguinte julgado do STJ:

“APELAÇÃO. JULGAMENTO COM AUSÊNCIA DO REVISOR. NULIDADE ABSOLUTA. ARTIGOS 551 E 552, PARAGRAFO 3.º, DO CPC.

É nulo o julgamento de recurso que exige revisão, se o revisor que apôs seu ‘visto’, dele não participa. Nos casos de ausência do revisor, ou se adia o julgamento ou o magistrado afastado é substituído, procedendo-se a nova revisão.

Recurso especial. Pré-questionamento. Se a contrariedade a lei federal importa em nulidade formal do próprio acórdão, não há cogitar de embargos declaratórios para pré-questionamento, nem argumentar com suposta aquiescência tácita do sucumbente.

Recurso especial conhecido e provido.” 3

Do voto do então Ministro Athos Carneiro se extrai:

“Sustentam os recorrentes, em prefacial, a nulidade do v. aresto pela falta de revisão. Realmente, revisor era o desembargador. Cid Pedroso, que lançou seu ‘visto’ nos autos; fê-lo, aliás, por duas vezes, como se vê de fls. 91 e 92. Todavia, não integrou o colegiado julgador da apelação, ut fls. 95v. e 100, embora haja participado do aresto nos embargos declaratórios, fls. 106v. e 111.

Tratando-se de apelação, exceto nos casos de processos sob rito sumaríssimo, a revisão é de lei — artigo 551 do CPC. O juiz que apõe seu ‘visto’ estará vinculado ao feito (Barbosa Moreira, ‘Comentários ao CPC’, Forense, v. V, 5.ª ed., 353; Jônatas Milhomens, ‘Recursos Cíveis’, Forense, 1991, 109.3, pág. 343), e participará do julgamento, ‘salvo caso de força maior’, art. 552, §3.º. Nos casos de força maior, que poderá decorrer de afastamento definitivo do magistrado (v.g., aposentadoria, falecimento, exoneração) ou de afastamento temporário sem perda da jurisdição (v.g., moléstia, viagem urgente), o revisor deverá ser substituído por outro magistrado, nos termos regimentais, sendo o recurso submetido a nova revisão. Mas não se afigura admissível simplesmente levar a causa a julgamento sem a presença do revisor, pois tal proceder equivale à ausência de revisão, causando a insanável nulidade processual:

‘A falta de revisão, nas hipóteses em que seja de rigor, constitui motivo de nulidade. A despeito de inexistir na lei cominação expressa, não incide o art. 244: não se trata de ‘ato’ que tenha sido ‘realizado de outro modo’, sendo impossível sequer cogitar-se de indagação sobre se foi ou não alcançada a respectiva finalidade’ (Barbosa Moreira, ob. cit., 351)

Em caso similar, de revisão por magistrado impedido, esta Turma, no REsp 5.714, ac. de 13 de novembro de 1990, de que fui relator, veio a prover o recurso para anular o aresto recorrido.”

Destarte, seja pelo fato de o desembargador que tenha aposto seu “visto” nos autos não participar do julgamento (em razão de seu afastamento, a qualquer título), seja pela razão de o magistrado que o substitui não ter aposto seu “visto” nos autos e nem pedido dia para o julgamento, o certo é que, considerada uma ou outra falha, o julgamento é nulo de pleno direito!

Outro ponto que deve ficar claro é que não se pode, em nome do princípio da economia processual, desprezar-se regras regimentais e legais, mormente porque, in casu, um (ou ambos) dos recorrentes certamente será prejudicado com o resultado do julgamento.

Um último registro: como o julgamento da apelação cível comporta a sustentação oral, ao julgamento dos embargos de declaração que pleiteiam a nulidade do primeiro julgamento não pode se seguir o novo julgamento da apelação, devendo ser publicada nova pauta.4

Notas de rodapé

1- A propósito, veja-se o excerto extraído de julgado do TJ-GO: “a doutrina pátria, em consonância com abalizadíssimos precedentes jurisprudenciais, inclusive pela Excelsa Corte, em caráter excepcional, admite o manejo dos embargos de declaração como a via idônea para correção de erro material evidente ou de manifesta nulidade do acórdão” (Duplo Grau de Jurisdição n.º 13036-1/195 (200600795904) – 3.ª Câmara Cível – rel. Des. João Waldeck Félix de Sousa – DJ 14888, de 26/10/2006).

2- STJ – REsp 250106/DF, Rel. Ministra Eliana Calmon, Rel. p/ Acórdão Ministro Paulo Gallotti, 2ª Turma, julgado em 20.02.2001, DJ 13.08.2001 p. 95.

3- STJ – REsp 11035/SC, Rel. Ministro Athos Carneiro, 4ª Turma, julgado em 31.08.1992, DJ 21.09.1992 p. 15693 (cópia anexa).

4- Nota 10 ao art. 535 do CPC de Theotônio Negrão (ob. cit., pág. 624): Uma conseqüência da anulação do julgamento, geralmente olvidada nos tribunais, é a de que, se se tratar de caso que comporte sustentação oral, não é possível passar diretamente, após recebidos os embargos de declaração, ao julgamento do recurso não conhecido: há necessidade de publicação de nova pauta (v., a propósito, RTJ 123/527). “Recebidos os embargos, para anular o acórdão gerado em erro, efetua-se, desde logo, novo julgamento, se o julgamento anulado não depende de inclusão em pauta” (STJ-RT 702/196). Segue-se daí, “a contrario sensu”, que, se o julgamento anulado comportava sustentação oral, o feito deve ser reincluído em pauta. Neste sentido: STJ-3.ª Turma, REsp 528.348-PR, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 29.10.03, deram provimento, v.u., DJU 1.12.03, p. 355.

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