Fidelidade e Constituição

Constituição não prevê perda de mandato de infiel. Leia o voto

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5 de outubro de 2007, 14h26

“A Constituição não prevê a perda de mandato – ou qualquer outro nome que se lhe dê – pelo deputado que solicitar cancelamento de filiação partidária ou, eleito por uma legenda, transferir-se para outra”. Este foi o entendimento do ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal, ao negar o Mandado de Segurança do PPS, que pedia de volta os mandatos dos oito deputados que saíram do partido. O ministro foi voto vencido (Clique aqui para ler) na histórica decisão do STF que estabeleceu a fidelidade partidária para mandantes de cargos obtidos em eleições proporcionais.

Deste modo, para o ministro relator do MS do PPS, não existe direito líquido e certo que pudesse fundamentar o Mandado de Segurança proposto pelo partido contra a negativa do presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), de atender seu pedido e substituir os infiéis por suplentes.

O ministro lembrou que o Mandado de Segurança não admite dilação probatória, que é o prazo concedido para a produção de provas. Segundo Eros Grau, a decisão em favor do MS seria, sem eufemismos, a cassação dos mandatos. “A primeira razão pela qual nego a segurança está em que não se pode recusar aos deputados de que se trata o mais amplo direito de defesa”.

Eros Grau lembrou ainda que a Constituição não prevê a exigência de deputado pertencer a um partido para exercer o mandato. “A vinculação a um partido político não é condição para que o deputado permaneça no exercício do seu mandato. A Constituição estabelece que a vinculação a um partido político é condição de elegibilidade (artigo 14, § 3º); nada mais”, afirmou. Além disso, para perder o mandato a Constituição estabelece que o deputado tem o direito de ampla defesa.

Segundo o ministro, o entendimento de que ao sair do partido o deputado faz uma renuncia tácita é contraditório. “Onde está escrito, na Constituição ou em lei, que o cancelamento de filiação partidária ou a transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda consubstancia renúncia tácita?”, desafiou o ministro.

O ministro argumentou que os parlamentares alegam que deixaram o partido por motivo de mudança no ideário da legenda e de perseguições políticas internas. “Essas afirmações colocam em xeque a liquidez e certeza no direito do impetrante”, sustentou.

Além disso, como observou, não cabe ao presidente da Câmara declarar a perda de mandato. A prerrogativa é do Plenário ou da Mesa da Câmara. “Não encontro no texto da Constituição nenhum preceito ao qual se possa retirar a afirmação da competência do Presidente da Câmara dos Deputados para fazê-lo sem prévia manifestação do Plenário ou da Mesa da Câmara, após o pleno exercício, pelos deputados de que se cuida, de ampla defesa”, afirmou o ministro.

Eros Grau afirmou que o PPS fundamentou seu pedido não na Constituição, mas na resposta do Tribunal Superior Eleitoral de que o mandato pertence ao partido. Para o ministro, o pedido é impossível sem uma reforma constitucional. Se a Constituição de 1988 não contém previsão para a infidelidade, este foi um ato de vontade dos constituintes, pois eles poderiam ter inserido a questão no artigo 55.

“Essa ruptura da ordem constitucional, decorrente de inconcebível criação de hipótese de perda de mandato parlamentar pelo Judiciário, fere, no seu cerne, os valores fundamentais do Estado de direito”, finaliza Eros Grau. “Pois é certo que, a admitir-se inovação como tal no plano da Constituição, nada impediria que amanhã o Poder Judiciário, pela via da interpretação, viesse, por exemplo, a reescrever o texto constitucional, ao seu talante restringindo os direitos fundamentais”.

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