Vista liberada

Aval de juiz é preciso apenas para acesso a auto online, diz OAB

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29 de novembro de 2007, 23h01

O Conselho Federal de Justiça revogou o dispositivo da Resolução 507/06, que condicionava o acesso do advogado aos autos de inquérito sob segredo de Justiça à autorização de um juiz. Na quarta-feira (28/11), ao explicar o entendimento do CJF, o ministro Gilson Dipp declarou que o segredo de Justiça e o acesso aos autos sigilosos são prerrogativas exclusivas do juiz e que as mudanças na resolução dizem respeito apenas à legislação penal e processual.

Em nota, a OAB agradece o esforço dos integrantes do CJF para alterar o dispositivo que ia contra a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. No entanto, a Ordem explicou que a revogação do dispositivo diz sim que cabe ao delegado permitir que o advogado tenha acesso ao inquérito sigilo, independente de autorização do juiz.

Para a OAB, fica claro na leitura da minuta da nova resolução que a consulta aos autos do inquérito sigiloso pelo advogado constituído pelo investigado está permitida. Apenas a consulta ao sistema informatizado, e não aos autos, fica a critério da autoridade judicial.

A exceção está contida no parágrafo 1º do artigo 2º da minuta, que dispõe: “O caráter sigiloso poderá ser atribuído ao processo ou às partes. Quando atribuído ao processo, a consulta ao sistema informatizado será restrita a pessoas autorizadas, a critério da autoridade judicial”.

A OAB diz que a restrição no sistema eletrônico faz sentido porque ele pode ser acessado por qualquer um, por meio da internet. No entanto, ressalta que, nos termos do artigo 20 do Código de Processo Penal, o acesso aos autos de inquérito sigiloso, quando em papel, “pode e deve” ser deferido pelo delegado. “Outra intelecção esvaziaria o conteúdo e, de certa forma, o próprio sentido do pleito da OAB”, diz a carta da Ordem.

Mesmo assim, a entidade reconhece que nada exclui a possibilidade de o juiz, “pontualmente, caso a caso, no âmbito do seu poder geral de cautela, determinar que só será dada vista aos autos mediante autorização judicial”.

Leia a nota da OAB

A Resolução do CJF e o acesso aos autos por parte dos advogados

A revogada Resolução n.º 507/2006 estabelecia no seu artigo 5º, §3º, o seguinte:

§ 3º A vista dos autos nos feitos declarados sigilosos dependerá sempre de autorização expressa do juiz competente e restringir-se-á apenas aos elementos processuais essenciais à ampla defesa do interessado.

A regra em apreço, não foi mais reproduzida no texto da nova Resolução aprovada pelo CJF na sessão do último dia 26, como se pode ver da Minuta distribuída na ocasião. Esta, tal como aprovada, no caput do seu artigo 2º, demarca o que se considera em segredo de justiça da seguinte maneira:

“Considera-se em segredo de justiça a investigação, o processo, os dados e as informações determinadas pela autoridade judicial competente para o feito, em 1º e 2º graus, nos termos da legislação aplicável à matéria”.

No §1º do referido artigo vem disciplinada a extensão do que pode ser considerado sigiloso:

“O caráter sigiloso poderá ser atribuído ao processo ou às partes. Quando atribuído ao processo, a consulta ao sistema informatizado será restrita a pessoas autorizadas, a critério da autoridade judicial”.

Como é fácil perceber, aliás, sem qualquer esforço exegético, é “a consulta ao sistema informatizado” (e não aos autos) que, “a critério da autoridade judicial”, será “restrita a pessoas autorizadas”. A consulta aos autos do inquérito sigiloso, no que concerne ao advogado constituído pelo investigado, fica, nos termos da lei, permitida. A nova Resolução não disciplina, como o fazia a regra revogada da Resolução 507/2006, que somente o juiz deva deferir a vista dos autos.

Bem por isso, a colocação constante da nota do CJF no sentido de que “o § 1º desse artigo [artigo 5º], segundo o qual somente a critério da autoridade judicial será permitida a consulta ao processo sigiloso em sistema informatizado” deve ser bem compreendida: a referida “consulta” não se confunde com o acesso aos autos, mas, sim, como o próprio texto diz, aos dados constantes do sistema informatizado da Justiça Federal. A restrição faz sentido já que o sistema é acessível a qualquer um, por terminal computacional ou pela internet.

Mesmo porque, se nos termos do artigo 20 do Código de Processo Penal “a autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário a elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”, é evidente que a esta, ao menos num primeiro momento, caberá, como sempre se deu nos marcos do poder de polícia do presidente do inquérito, deferir a vista dos autos para o advogado do indiciado. Essa, historicamente, sempre foi a sistemática adotada e assim ocorre no âmbito da Justiça estadual.

Não se exclui, por óbvio, a possibilidade de o magistrado, pontualmente, caso-a-caso, no âmbito do seu poder geral de cautela, determinar que só será dada vista aos autos mediante autorização judicial. Mas tal situação é completamente diferente da regra constante do art. 5º, §3º, da Resolução n.º 507/2006 que impunha, sempre e previamente, o deferimento por parte do juiz quanto à vista dos autos e, ainda assim, restrita “aos elementos processuais essenciais à ampla defesa do interessado”.

Independentemente de se saber quem definiria o que é “essencial à ampla defesa do investigado” — parecendo-nos óbvio que isso é matéria concernente ao advogado –, o fato é que tal regra não foi repetida na nova Resolução.

De tudo é possível extrair que o Delegado, nos limites das suas atribuições, salvo determinação do juiz em contrário, pode e deve, mesmo nos inquéritos gravados pelo sigilo, deferir vista dos autos ao advogado do investigado quando este se apresente munido do competente instrumento de mandato.

Outra intelecção esvaziaria o conteúdo e, de certa forma, o próprio sentido do pleito da OAB. É que neste se apontava a dificuldade de acesso aos autos por parte dos advogados na Polícia Federal, pois, quando sequer distribuído o inquérito, o investigado era chamado para depor sem que o procedimento investigatório tivesse sido distribuído e, portanto, o profissional ficava sem ter com quem despachar o pedido de vista dos autos no próprio cartório policial. Ou, por outra, ao aguardar a distribuição da petição, já deveria apresentar o cliente para depor. Também não se pode perder de vista o nítido caráter processual da regra revogada, como, aliás, ressalta a nota do CJF, uma vez que ali se disciplinava o limite do que poderia ser examinado pelo advogado.

Por fim, não é ocioso remarcar que o CJF, como noticiado, deu um grande passo na reafirmação dos direitos e garantias individuais, uma vez que o STF, em reiteradas manifestações, advertiu para o fato de que a negativa de vista dos autos “põe em evidência uma situação que não pode ocorrer, nem continuar ocorrendo, pois a tramitação de procedimento investigatório em regime de sigilo, ainda que se cuide de hipótese de repressão à criminalidade organizada (Lei nº 9.034/95, art. 3º, § 3º), não constitui situação legitimamente oponível ao direito de acesso aos autos do inquérito policial, pelo indiciado, por meio do Advogado que haja constituído, sob pena de inqualificável transgressão aos direitos do próprio indiciado e às prerrogativas profissionais de seu defensor técnico, especialmente se se considerar o que dispõe o Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94), em seu art. 7º, incisos XIII e XIV” (HC 86059, rel. Min. CELSO DE MELLO).

Enfim, como realçou o Ministro Pertence no leading case do STF, excetuadas as diligências em andamento, o advogado “tem o direito de conhecer as informações já introduzidas nos autos do inquérito, não as relativas à decretação e às vicissitudes da execução das diligências em curso (…)” (HC 82.354/PR, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei)”.

Para finalizar, não pode ficar sem registro que a OAB tem um preito de gratidão para com todos os integrantes do CJF e, muito especialmente, para com o Ministro GILSON DIPP, Coordenador da Justiça Federal. A interpretação que se deu para a nova Resolução não pode esvaziar o importante avanço que se estabelece ao confinar o texto normativo a limites que não atentem contra disposições legais e constitucionais.

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