Combinação preocupante

Brasil, país da despesa permanente e receita provisória

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27 de novembro de 2007, 18h31

O principal desafio do governo do presidente Lula neste segundo mandato é aprovar, no Congresso Nacional, a prorrogação da CPMF e da DRU (Desvinculação de Receitas da União), dois instrumentos sem os quais, ou algo que os substitua, a governabilidade fica comprometida. É que o Brasil possui despesas permanentes e receitas provisórias, numa combinação extremamente preocupante.

O debate sobre o tema, portanto, requer muita seriedade e responsabilidade de todos já que a eventual rejeição da PEC que cuida desses instrumentos fiscais terá conseqüências imprevisíveis, tanto na regularidade dos investimentos e dos programas sociais, quanto na fiscalização do crime organizado, a partir da movimentação bancária.

O Brasil é um dos poucos países do mundo cuja transferência direta para pessoas, sem intermediários, ultrapassa 60% da receita da União, montante destinado ao pagamento de pensionistas e servidores, ativos e inativos, de benefícios de prestação continuada, como previdência e assistência, de seguro-desemprego, bolsa-família, entre outros. Sem a receita proporcionada pela CPMF, a paz social corre risco, por eventuais atrasos ou suspensão de alguns desses programas de transferências de renda.

Além disto, o programa de investimento, cuja formulação levou em consideração essa previsão de receita e a flexibilização de gasto, também ficaria comprometido, com prejuízo para o crescimento econômico e para a geração de emprego e renda. O PAC da Infra-Estrutura, da Ciência e Tecnologia e da Saúde correria o risco de perder o ritmo ou até de interrupção pela falta de recursos.

A CPMF, além de uma importante fonte de recursos, também é um instrumento fundamental para o combate à sonegação e, principalmente, ao crime organizado, a lavagem de dinheiro e ao tráfico de drogas. A simples eliminação desse mecanismo de fiscalização e arrecadação, sem garantia da continuidade da receita e dos meios para combate ao crime organizado, é uma atitude que ameaça a governabilidade.

Alega-se que a CPMF é um tributo de má qualidade porque possui efeito cascata e penaliza os pobres, mas as forças que apresentam esse tipo de argumento resistem a uma reforma tributária e fiscal para valer, haja vista a postura refratária dos governadores em relação à criação do IVA (Imposto Sobre Valor Agregado ou Imposto Sobre o Valor Acrescentado).

A base de sustentação do governo e a própria oposição, no primeiro governo do presidente Lula, se pautaram pela ética da responsabilidade, preferindo o aperfeiçoamento das políticas públicas em lugar de simplesmente rejeitá-las, como ocorreu nas reformas da Previdência e Tributária, na Lei da Parceria Público-Privada e na Lei de Falência. Nessa fase, a oposição teve participação efetiva em matérias aprovadas, como a emenda constitucional da reforma do Judiciário, do Sistema Financeiro e do Fundeb, além das políticas públicas antes mencionadas.

A mudança de postura, especialmente dos senadores do PSDB e do DEM, com a substituição da ética da responsabilidade pela ética da convicção, pelo menos nessa PEC da CPFM e da DRU, não parece coerente, seja porque foram os criadores desses dois instrumentos, seja porque já votaram pela sua prorrogação no primeiro mandato do presidente Lula.

Uma matéria com esse grau de importância e complexidade não pode ser analisada em termos de situação e oposição, mas sob a ótica do interesse do país. Os partidos de oposição na Câmara, por serem numericamente insuficientes para impedir a aprovação, votaram contra sem maiores problemas. Porém, no Senado, a base do governo não é tão ampla quanto na Câmara, daí a responsabilidade dos senadores de oposição pelas conseqüências de uma eventual rejeição da matéria.

A negociação, diante da importância da matéria para o país, parece ser a atitude mais prudente. Aprova-se o texto, porém fixa-se um compromisso de redução gradual das alíquotas e de sua substituição numa reforma tributária para valer, que garanta outras fontes de receita e permita o combate ao crime organizado. A rejeição, em minha avaliação — e aqui falo exclusivamente em meu nome — é a pior escolha porque pode não apenas comprometer o bom momento que vive a economia, como poderá resultar em graves conseqüências sociais, com o comprometimento dos programas de investimento e de transferência de renda.

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