Eleições nos tribunais

Administração da Justiça não pode ficar com despreparados

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

26 de novembro de 2007, 17h29

Em 15 de fevereiro deste ano, o Supremo Tribunal Federal, na ADI 3.566, declarou inconstitucionais os artigos 3º, caput, e 11, I, “a” do Regimento Interno do TRF da 3ª Região, que ampliou o universo de elegíveis para os cargos de direção do tribunal. Em abril, realizaram-se as eleições e os escolhidos tomaram posse. Todavia, um grupo de desembargadores ingressou com Reclamação na corte suprema, de número 5.158, alegando descumprimento do decidido na ADI 3.566.

Disto resultou a suspensão das atividades do corregedor eleito e a sua substituição pelo segundo mais votado. A conclusão da decisão colegiada foi no sentido de que a disputa deveria limitar-se aos três magistrados que ocupassem as posições de mais antigos na corte, nos termos do artigo 102 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC 35, de 14/3/79), cuja redação é a seguinte:

“Artigo 102 — Os tribunais, pela maioria dos seus membros efetivos, por votação secreta, elegerão dentre seus juízes mais antigos, em número correspondente ao dos cargos de direção, os titulares destes, com mandato por dois anos, proibida a reeleição. Quem tiver exercido quaisquer cargos de direção por quatro anos, ou o de Presidente, não figurará mais entre os elegíveis, até que se esgotem todos os nomes, na ordem de antigüidade. É obrigatória a aceitação do cargo, salvo recusa manifestada e aceita antes da eleição”.

Os efeitos da decisão do STF, sem que aqui se faça a mais remota análise do mérito dos eminentes desembargadores envolvidos, repercutirá em todos os tribunais brasileiros. E por coincidência, começou pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, com 360 desembargadores, o maior do Brasil e, quiçá, do mundo. É que a suprema corte estadual, por norma regimental, considerou elegíveis os 25 membros do seu órgão especial. Por provocação de alguns interessados, o procurador-geral da República ingressou com ADI junto ao STF e, em sessão realizada dia 14 de novembro passado, reiterou a corte que a Loman prevalece sobre os regimentos internos. Em outras palavras, somente os mais antigos podem concorrer.

A decisão judicial é de grande importância para os destinos do Judiciário brasileiro e por isso mesmo merece análise desapaixonada. Em outras palavras, o que interessa são os resultados que, dela, advirão, o que pode representar para a administração da Justiça brasileira e para a população. Esta afirmação nada tem a ver com o caso concreto ou com os dignos desembargadores que são candidatos aos cargos de direção. Portanto, as considerações são feitas com total abstração dos casos concretos (TRF-3 e TJ-SP), cujas peculiaridades não serão objeto de nenhuma referência.

Quem administra a Justiça no Brasil

No Brasil, a Justiça é administrada pelos 27 Tribunais de Justiça, pelos Tribunais Regionais Federais (cinco) e pelos Tribunais Regionais do Trabalho (24). Estes órgãos colegiados, os primeiros estaduais e do Distrito Federal e os seguintes da União, gozam de autonomia administrativa e financeira, nos termos do artigo 99 da Constituição Federal. Isto não é pouco. Significa que, entre outras coisas, podem realizar concursos públicos para admissão de servidores e magistrados, promover licitações, orientar construções de fóruns e tantas outras medidas de caráter administrativo.

Bem diferente é a situação nos demais países latino-americanos, para centrarmos o exemplo nos que nos são mais próximos. No Uruguai, a Suprema Corte, com apenas cinco juízes, dita toda a atividade da administração da Justiça. No Chile, idem. No Paraguai, a Suprema Corte e o Conselho Nacional de Justiça dividem tais atribuições. Na Argentina, cada província tem autonomia para dispor sobre o seu Poder Judiciário e a administração, regra geral, é exercida por uma Corte Superior Provincial (ou seja, estadual). No âmbito federal, o Conselho Nacional de Judicatura é que define toda a política judiciária, inclusive a admissão e punição dos juízes federais. Em suma, tribunais de apelação julgam recursos. Nada mais.

Na verdade, a situação brasileira é única. Aqui, evidentemente, o Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça, o Conselho da Justiça Federal que atua junto ao Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal Superior do Trabalho detêm papel relevante na condução da política judiciária. Mas, inegavelmente, são os TJs, TRFs e TRTs que as executam. Por isso mesmo, são os atores principais.

As atribuições da cúpula dos tribunais

Afastados do campo das abstrações jurídicas, vejamos como, onde e por que a realidade judiciária depende da cúpula dos tribunais de segunda instância. E, como cúpula, fixemos apenas o presidente, o vice-presidente e o corregedor, muito embora outros dirigentes tenham também papel relevante, como o diretor da Escola da Magistratura, o coordenador dos Juizados Especiais ou os juízes diretores dos foros (ou fóruns) na primeira instância.


O presidente do tribunal, sem a menor dúvida, é o personagem principal. É o grande condutor da política institucional do Poder Judiciário Estadual (TJ) ou da União (TRF ou TRT). Eleito por seus pares, define as prioridades do órgão, nomeia aqueles que ocuparão as diretorias administrativas (DRH, Informática, etc.), decide sobre o papel e o tamanho do setor de Comunicação Social, assume pessoalmente a responsabilidade pelos pagamentos do tribunal, preside as sessões, pratica os mais importantes atos administrativos (por exemplo, a nomeação e promoção de juízes), permite ou não o avanço da modernidade (por exemplo, admitindo o uso da internet para comunicados internos, com abolição de ofícios), decide pelo fortalecimento dos Juizados Especiais (posição moderna) ou deixa-os sem qualquer estrutura (posição superada) e outras tantas relevantes atividades. O vice-presidente limita-se, regra geral, a substituir o presidente e a despachar recursos às cortes superiores.

O corregedor é a segunda pessoa em termos de poder. Sua ação, todavia, não alcança o tribunal, mas apenas a primeira instância. A ele cabe a gestão das atividades jurisdicionais e administrativas de todas as varas. Dele depende, em grande parte, o bom andamento dos processos. Neste mister, orienta juízes e servidores nas suas dúvidas, promove encontros para discussões de problemas, baixa atos administrativos visando agilizar os serviços judiciários, promove correições ordinárias onde examina se os serviços vêm sendo desenvolvidos com eficiência, realiza audiências públicas para ouvir reclamações da população, desenvolve projetos visando facilitar o acesso à Justiça (por exemplo, juizado itinerante) ou a promoção da cidadania (por exemplo, regularização dos assentamentos civis da população carente), gestiona junto à presidência para a tomadas de medidas relevantes que não sejam da sua competência, e outras tantas.

O rol exemplificativo das atividades dos magistrados que ocupam a cúpula dos tribunais deixa claro que deles depende a efetividade da prestação jurisdicional. Mais deles — repito — do que dos tribunais superiores ou do próprio CNJ. Claro que estes são importantíssimos. O STF, por exemplo, pode, com a Súmula Vinculante, evitar a propositura de milhares de ações repetitivas. O CNJ pode influir em inúmeros aspectos (por exemplo, recomendando a especialização de varas). Mas nem um nem outro podem, por exemplo, instalar um sistema de tentativa de conciliação prévia para os milhares de casos que envolvam operadoras do sistema de telefonia.

Como se escolhem os dirigentes

Os dirigentes são escolhidos por eleição de seus pares, ou seja, seus colegas de tribunal. Associações de magistrados reivindicam que os juízes de primeiro grau participem das eleições. Mas esta proposta nunca avançou, pois se teme a politização da classe.

Os tribunais brasileiros são diferentes entre si. Há pequenos tribunais, com apenas sete desembargadores (por exemplo, Roraima) e tribunais enormes, com mais de 100 membros (vide artigo Abismos Regionais – Pesquisa mostra diferença de gestão em Tribunais ). Nos menores e mesmo nos médios (por exemplo, Rondônia), obedece-se à antigüidade nas eleições. E assim todos passam pelos cargos de direção. Não há, regra geral, conflitos.

Nos maiores, a situação é outra. Imagine-se o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, com 125 desembargadores. Se um magistrado idealista e preparado, nele ingressar com 50 anos, terá que esperar pelo menos 200 anos, supondo-se que 100 desembargadores tenham interesse em assumir chefias e que cada um ficará dois anos, nos termos do artigo 102 da Loman). Impossível, óbvio.

A importância dos dirigentes: passado e presente

Antes da Constituição de 1988, os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais do Trabalho eram pequenos. Tribunais Regionais Federais não existiam. Como os tribunais não tinham autonomia administrativa e financeira, a gestão era simples. Por outro lado, o número de processos era reduzido. Para que se tenha uma idéia daquela época, quando a Lei Complementar 20/74 determinou a fusão dos estados do Rio de Janeiro e Guanabara, o então estado do Rio de Janeiro tinha apenas 17 desembargadores (Décio Cretton, O Estatuto da Magistratura, Ed. Saraiva, p. 92). Evidentemente, a administração era menos complexa, até porque a sociedade era menos exigente.

Atualmente, há tribunais que possuem uma enorme estrutura. No TRF da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, entre magistrados, servidores, estagiários, voluntários e pessoal contratado das empresas (terceirizados), aproximadamente 1,2 mil pessoas ocupam diariamente o edifício. Na primeira instância são, aproximadamente, mais cinco mil. Mais pessoas, com certeza, devem atuar nos grandes TJs e nos TRTs. Pois bem, a gestão administrativa desses tribunais, junto com a primeira instância, que sempre é muito maior, não pode ser algo amador, exercido por quem tenha experiência em julgar e não em administrar. Essas são coisas absolutamente distintas e um grande juiz pode ser um péssimo gestor.


Disto se segue que, atualmente, os dirigentes de um tribunal devem estar preparados para tanto. Devem estar conscientes das mais modernas práticas administrativas, das tendências da sociedade moderna, da responsabilidade social e ambiental, da necessidade de estimular relações humanas sadias, dos problemas orçamentários, das exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal, das reivindicações do sindicato, e por aí vão outras tantas exigências. E mais. Além desses conhecimentos específicos, têm, ainda, que ter força física, disposição para comparecer a uma seqüência de solenidades que o cargo impõe e de empreender constantes viagens na área de jurisdição do tribunal, a fim de atender a compromissos e reivindicações. Fácil é ver que tais funções administrativas são um ônus pesado aos seus ocupantes e que, por isso mesmo, exercê-las exige vontade férrea, disposição física e conhecimentos técnicos.

Um presidente ou outro dirigente do Judiciário, cansado, que desconheça os avanços da técnica (por exemplo, assinatura digital ou o processo eletrônico), que proceda com os olhos voltados para os tempos em que ingressou na magistratura (são clássicas as frases como: “no meu tempo, para chegar à comarca demorava…”) e que desconhece ou ignora a complexidade da vida moderna (por exemplo, a criminalidade organizada, inclusive entranhada nos órgãos do Estado), certamente fará uma má gestão.

Imagine-se se alguém com tal perfil seria convidado para exercer as funções de CEO em uma empresa de grande porte. Jamais. Ninguém se sensibilizaria pelo fato desse alguém ter sido um bom funcionário por anos. A indagação seria em que ele contribuiria para o sucesso da corporação. E se nada tivesse a dar, simplesmente não seria escolhido. O serviço público não é o local próprio para tal tipo de homenagem.

A gestão moderna dos tribunais

Vejamos alguns requisitos de um bom presidente ou outro administrador da cúpula dos tribunais. Não será, por certo, aquela figura antiga de magistrado, discreto, silencioso, distante. Na verdade, simbolicamente, deverá tirar a toga e compenetrar-se de que não é juiz, mas sim um administrador público. E nestas condições decidirá com base na lei e não na jurisprudência, sob pena de arriscar-se a ter que justificar-se perante o Tribunal de Contas.

A liderança será conquistada e não imposta e, caso não a conquiste, sua gestão fracassará. Isto significa que deverá convencer seus colegas de tribunal, os juízes de primeiro grau e os servidores, de seus bons propósitos. Incentivá-los a trabalhar juntos, convencê-los de seus projetos. Menos hierárquica que no passado, a liderança hoje é mais para servir. A leitura da obra O Monge e o Executivo, de James Hunter, Ed. Sextante, poderá ser-lhe de grande utilidade.

A atenção às mudanças sociais é uma exigência. Será inadmissível, por exemplo, que um presidente não zele pela proteção do meio ambiente (por exemplo, economizando água ou utilizando papel não-clorado), quando esta é uma obrigação do poder público (CF, artigo 225, “caput”). A convivência com os sindicatos exige-lhe comportamento adequado aos tempos em que se vive. Receber as lideranças e examinar as solicitações faz parte da gestão administrativa, devendo tais relações pautar-se pelo respeito recíproco.

Assumir riscos faz parte da condução do tribunal. Sabidamente, no Brasil há uma tendência do administrador público evitar inovações, para não correr o risco de envolver-se em eventual acusação de improbidade ou algo semelhante. Isto pode traduzir-se em uma gestão conservadora e sem qualquer benefício à sociedade. Os riscos fazem parte do administrar e quem não quiser assumi-los basta recusar concorrer na eleição. Um exemplo.

No Brasil, pratica-se o serviço voluntário, através de estágios não remunerados, desde os anos 60. Entretanto, isto não é assumido pelos tribunais. O TRF da 4ª Região criou um programa próprio, com absoluto sucesso, para esses estágios e, há anos, admite centenas de pessoas para trabalhar graciosamente, na Justiça Federal da Região Sul (RS, SC e PR). Dados mais específicos podem ser localizados em artigo de Rosana Meyer dos Santos (a href=””> Serviço voluntário no Poder Judiciário ).

Visitas internas serão sempre oportunas. O dirigente deve conhecer os setores do tribunal e seus servidores. Visitar a biblioteca, setor de informática e outros, ouvindo os servidores, é imprescindível. E não menos importantes são a portaria e o setor de telefonia, portas de entrada do tribunal, contato direto entre o órgão público e o cidadão. Absolutamente imprescindível é que seus operadores sejam educados, preparados e firmes.

Ouvir as idéias de magistrados e servidores também é importante. A prática dá-lhes noção das necessidades. Muitas inovações boas partem deles. E, quando adotadas, devem sempre ter a paternidade reconhecida e lembrada. Caso contrário, eles jamais voltarão a colaborar.


A motivação dos servidores é essencial. A abertura de concursos internos (por exemplo, “Minha história de vida”) pode significar mais adesão ao esforço da equipe. Programas de ergonometria, planejamento familiar, planejamento financeiro, tudo isto pode estimular a colaboração. A revista Exame, periodicamente, fornece a relação das 100 melhores empresas do Brasil para trabalhar. Ali estão práticas inteligentes de gestão, muitas delas perfeitamente aplicáveis ao setor público. O administrador deve conhecê-las e adotar as que sejam viáveis no Poder Judiciário.

Um dirigente deve manter a união de sua equipe. Por isso mesmo, não se envolve em intrigas e não faz críticas a colegas nem a juízes de primeiro grau. Suas palavras, mesmo ditas na informalidade de uma reunião festiva, repercutem. São repetidas e, muitas vezes, servem de exemplo. De bom ou de mau exemplo. Assim, cabe ao gestor, principalmente ao presidente, manter um ambiente de respeito e de auto-estima pela instituição. Imaginem-se os efeitos de uma frase do tipo: “Não adianta, é muito serviço, não há mesmo como funcionar bem!” Com certeza, para alguns que a ouçam, ela servirá de justificativa para não fazer mais nada.

A eleição do mais antigo e as exigências da modernidade

Por tudo o que aqui se comentou, fácil é concluir que administrar hoje um tribunal é tarefa árdua e complexa, que não pode mais ficar a cargo de pessoas despreparadas. O magistrado mais antigo poderá, sem sombra de dúvida, estar preparado para enfrentar todos esses desafios e ter disposição física aos 69 anos de idade. Sem dúvida, se preencher tais requisitos, será um grande presidente, pois unirá todos os requisitos e terá a vantagem da experiência acumulada.

Mas se a sua eleição for apenas porque é o mais antigo, o risco de uma administração protocolar, pouco inovadora, é enorme. E o prejuízo para a sociedade, hoje tão necessitada de um Judiciário ágil e eficiente, incalculável. Dois anos de política institucional retrógrada ou ineficiente podem causar um dano enorme. Por exemplo, implantando-se varas em lugares pequenos, por razões políticas ou sentimentais, ao invés de instalá-las nas periferias das grandes cidades, hoje tão necessitadas do Estado-Judiciário.

Na verdade, o ideal seria que todo candidato aos cargos de direção expusesse publicamente sua posição sobre a sua administração, relatando seus estudos na área, sua experiência administrativa e suas metas. Isto traria um compromisso maior com a sociedade.

Conclusão

As decisões do STF sobre as eleições nos tribunais são respeitáveis como tantas outras da nossa corte maior. No entanto, para que o Judiciário brasileiro torne-se mais ágil e moderno, é preciso discutir o assunto com profundidade, de modo a possibilitar que, no futuro, as disputas possam incluir aqueles que, mais jovens e atualizados, estejam animados pelo desejo de transformações significativas e que, já tendo experiência conquistada no exercício de funções administrativas ou cursos de formação específicos, possam dar a sua parcela de contribuição à sociedade.

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