Direito de defesa

Prisões em Guantánamo voltam à Suprema Corte dos EUA

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25 de novembro de 2007, 16h24

A Suprema Corte dos Estados Unidos vai pôr à prova, no próximo mês, a política do governo de manter prisioneiros, sem acusação judicial, na base de Guantánamo, em Cuba. No dia 5 de dezembro, os nove membros da corte vão analisar o processo de dois argelianos detidos desde 2002 na base montada para conter supostos terroristas.

Os dois cidadãos nascidos na Argélia foram presos em 2001 na Bósnia, país do qual são cidadãos, a pedido da embaixada dos Estados Unidos nesse país. De acordo com informações do site Esquerda.net, o pedido não apresentava nenhuma prova, mas mencionava a possível participação de ambos num plano para atacar a sede diplomática.

Após uma investigação que não encontrou nenhuma justificação para as detenções, o Supremo Tribunal da Bósnia ordenou a libertação de ambos, que foram detidos novamente, de forma imediata, e enviados a Guantánamo.

O processo apresentado pelos argelinos passou por diversos tribunais norte-americanos. Depois de algumas sentenças que se contradiziam, eles conseguiram apelas para Suprema Corte. Em abril deste ano, o tribunal negou-se a considerar o caso, mas dois meses depois — numa ação incomum, vista apenas três vezes em toda a história dos EUA — o tribunal revogou a própria decisão e aceitou rever os dois casos. Esta será a terceira ocasião em que os juízes vão se pronunciar sobre os direitos dos detidos em Guantánamo.

O que será analisado é se a Lei de Comissões Militares, aprovada apressadamente pelo Congresso e assinada por George W. Bush em 2006, viola a Constituição ao negar aos tribunais civis a competência de se pronunciar sobre pedidos de Habeas Corpus para prisioneiros de Guantánamo.

O Habeas Corpus é uma das principais garantias da liberdade individual contempladas pela Constituição norte-americana, e remonta à Carta Magna inglesa de 1215. Este instituto jurídico resguarda direitos humanos fundamentais, como a proteção contra o desaparecimento forçado, detenção secreta ou arbitrária, tortura e tratamento desumano. Também consagra o direito a um julgamento por tribunal independente estabelecido por lei.

Também está em discussão a legalidade dos chamados Tribunais de Revisão de Estatuto de Combatente (CSRT), criados para determinar se os prisioneiros de Guantánamo foram “corretamente detidos” como “combatentes inimigos”.

Esses tribunais foram criados em 2004 pelo então secretário de Defesa, Paul Wolfowitz, cerca de dois anos e meio depois de os primeiros prisioneiros chegarem a Guantánamo. Eles são integrados por três oficiais militares, que, para chegar a uma conclusão, podem considerar qualquer tipo de informação: secreta, boatos ou confissões obtidas com emprego da tortura. O preso não tem acesso a um advogado ou às provas apresentada pela acusação.

Os CSRT foram criados após uma das maiores derrotas legais deste governo. Em 2004, no caso conhecido como Rasul vs. Bush, a Corte Suprema determinou que os tribunais norte-americanos tinham jurisdição para considerar pedidos de Habeas Corpus a favor de prisioneiros de Guantánamo.

A política de detenções do governo já sofreu outros reveses legais. O mais importante foi o caso Hamdan. Em 2004, Salim Ahmed Hamdan, ex-motorista do líder da organização terrorista Al Qaeda, Osama bin Laden, apresentou um pedido de HC em um tribunal norte-americano. Em 2005, a Suprema Corte pronunciou-se a seu favor. Como conseqüência destes reveses judiciais do governo, nenhum dos mais de 300 prisioneiros que ainda permanecem em Guantánamo teve acesso a um tribunal civil para a revisão de seu caso.

Além disso, nenhum dos mais de 400 libertados ou enviados a uma prisão nos seus países de origem foi transferido por ordem judicial. Tampouco houve julgamentos. Houve apenas uma “condenação”, baseada na admissão de culpabilidade de um prisioneiro australiano que foi rapidamente enviado de volta ao seu país.

A atuação dos CSRT também foi severamente criticada por um oficial da reserva do exército que integrou um desses tribunais. O tenente-coronel Stephen Abraham afirmou que os procedimentos são muito defeituosos, que se utilizam provas imprecisas preparadas por pessoal pouco treinado e que se atua sob pressão da cadeia de comando militar.

Muitos advogados e activistas dos direitos humanos consideram que a próxima decisão do Suprema Corte pode ser o primeiro passo para restaurar um dos princípios fundamentais da nação: a vigência da lei e a igualdade perante ela, inclusive para os que poderiam buscar a destruição dos Estados Unidos.

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