Ascensão chavista

O melhor é o Congresso dizer não à Venezuela no Mercosul

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25 de novembro de 2007, 12h35

Editorial da Folha de S. Paulo, publicado na edição deste domingo (25/11)

O custo político e os riscos econômicos implícitos na admissão da Venezuela de Hugo Chávez como sócio pleno do Mercosul já pareciam altos no momento em que a proposta foi formulada, há dois anos. Tornaram-se impeditivos.

É preciso discernir o episódico — a passagem de Chávez pelo poder — do essencial — o Estado venezuelano —, diz o governo Lula. Aceitar a premissa é tapar os olhos diante da realidade. Desde sua ascensão, o chavismo atua, com sucesso, para subordinar as carcomidas instituições políticas, jurídicas e legislativas da Venezuela ao mando presidencial.

Não está em jogo a continuidade de transações comerciais e parcerias pontuais com o vizinho, que têm agenda própria, em parte governamental, em parte empresarial. Debate-se a conveniência de conceder ao regime chavista, e não a uma Venezuela abstrata, o status de parceiro estratégico do bloco.

A escalada autocrática de Chávez é notória, embora ocorra sem ruptura formal da democracia. Essa evidência já bastaria para recomendar o congelamento da admissão da Venezuela como sócio pleno. O Brasil deve fazer negócios com todas as nações do planeta, independentemente do seu regime político, mas não está obrigado a compartilhar aspectos da soberania com regimes hostis ao livre mercado e ao cânone democrático: a separação e o equilíbrio entre os Poderes, a alternância no governo, a ampla liberdade de imprensa.

Um Estado que vai se confundindo com seu presidente não oferece garantias institucionais de que as normas de livre comércio e de proteção a investimentos, essenciais ao bloco, serão respeitadas. Chávez manipula a seu bel-prazer as regras para o investimento estrangeiro.

A explosão das vendas brasileiras para a Venezuela, citada em apoio à aceitação do novo sócio, não tem conexão com o Mercosul. Foi deflagrada pelo surto de consumo naquele país, propiciado pela extraordinária alta dos preços do petróleo. Comprar de nações com indústria e agricultura desenvolvidas é indispensável para o abastecimento interno da Venezuela. Enquanto durar o ciclo da commodity, o Brasil continuará a se beneficiar do comércio bilateral.

Mas a justificativa para um pacto de livre comércio deve levar em conta também o que o Brasil ganha com as compras ao candidato a parceiro. Não há nada que se produza na Venezuela, cuja dependência histórica do subsolo vem sendo reforçada pelo chavismo, capaz de tornar a economia brasileira mais competitiva. As nossas importações daquele país são insignificantes.

A política externa brasileira deveria buscar mais autonomia para negociar acordos internacionais. No âmbito do Mercosul, o ideal seria postergar o projeto de união aduaneira (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai se comportam com uma nação para fins de negociação comercial e aplicação de tarifas de importação) e reforçar a associação como zona de livre comércio (imposto zero nas transações intrabloco).

Dar a Chávez o poder de veto no Mercosul seria caminhar no sentido contrário. O bloco, cujo manejo já é delicado, ficaria virtualmente ingovernável. A possibilidade de acordos amplos com os EUA e a própria União Européia diminuiria bastante.

Por tudo isso, o melhor é que o Congresso diga não à entrada da Venezuela no Mercosul.

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