Grampo no telefone

Ao juiz cabe obedecer a lei, e não ir além dela

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24 de novembro de 2007, 23h00

É necessário que todas as categorias que atuam no mundo jurídico tomem lanças para combater a conduta judicante de atuar como legislador. Esta função não cabe de modo algum ao Judiciário, mas tão somente dizer do Direito.

Vale observar um excelente artigo publicado na revista Redação Jurídica – A Palavra do Advogado, número 6/03, sob os auspícios da OAB-RJ, cujo título informa que “O juiz não é um legislador”. A matéria chama bem atenção de que há juízes que vão além do que expressa o conteúdo formal e semiótico do texto de uma lei. Há juízes que “criam” Direito, conduzindo sua interpretação para além do que conota e denota o conteúdo textual de uma norma.

Já o consagrado jurista italiano Mauro Capelletti, que lecionou na Itália e nos Estados Unidos, em seu livro Juízes legisladores?, nos faz duas oportunas e atuais colocações ao afirmar que “o verdadeiro problema não é o da clara oposição na realidade inexistente entre conceitos de interpretação e criação do Direito. O verdadeiro problema é outro, ou seja, o do grau de criatividade e dos modos, limites e aceitabilidade da criação do Direito por obra dos tribunais judiciários.”

E no outro ponto desta sua mesma obra Capelletti, constatando excesso e até abuso de magistrados que vão além da lei, diz que “embora a interpretação judiciária seja e tenha sido sempre e inevitavelmente em alguma medida criativa do Direito, é um dado de fato que a maior intensificação da criatividade da função jurisdicional constitui fenômeno do nosso século.”

Nos dias de hoje, o que se vê e se acompanha são magistrados conduzindo-se em deferir além do que estabelece a lei de interceptação telefônica (Lei 9296, de 24/7/96). Esta lei em seu artigo 5º determina que a concessão para escuta telefônica “não poderá exceder o prazo de 15 dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova”.

O que se tem visto é que as escutas telefônicas transcendem esse prazo e sua renovação de forma excessivamente multiplicada. Houve períodos de gravações que se repetiram por mais de 18 vezes, fato que não está na lei, que não é permitido porquanto esta lei fala no prazo de 15 dias e mais uma renovatória de igual período. Além disso, sabe-se que a autoridade investigadora não apresentava progresso no seu trabalho apuratório e tecia simplesmente pedido de renovação sem conteúdo qualitativo e o juiz apenas deferia.

Ora isto não seria percebido se não houvesse agora a divulgação na revista Época de que há no Brasil 300 mil pessoas sendo escutadas pela Polícia Federal. E na revista Consultor Jurídico, de 27/10/07, há uma análise bem detalhada sob o título “Invasão de privacidade — Trezentos mil brasileiros estão com telefone grampeado”. E ali é observado que “cerca de 300 mil brasileiros estão com o telefone grampeado. A estimativa é de Neri Kluwe, presidente da Associação de Servidores da Agência Brasileira de Inteligência (Asbin). Segundo ele, apenas 15 mil escutas funcionam dentro dos limites da lei. O resto é clandestino”.

Assim, embora a clandestinidade (leia-se sem autorização judicial) grasse sobremodo, parte de autorizações são fruto do fato de que alguns juízes vão sempre além do que consta na norma expressa. É oportuno observar que ao juiz de fato cabe interpretar o que existe e o que não existe, mas jamais lhe sendo permitido estabelecer enfoque pessoal, singular, pois a lei precisa ser interpretada no peso significativo de suas palavras. Nada além disso.

Em algumas dessas muitas operações policiais, houve excesso de períodos de gravação, mas excesso esse abonado por juízes que não se atentaram ao limite estabelecido na Lei 9.296/96.

Como é assustador o número de cidadãos grampeados, até de forma clandestina, é preciso que o Judiciário se atente para o cumprimento da lei evitando contribuir em legitimar prolongamentos que ferem o senso e a norma da lei.

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