Consultor Jurídico

Juíza se retrata por ter dito que juiz é ser superior

24 de novembro de 2007, 19h05

Por Redação ConJur

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“Confesso que fui infeliz nos exórdios de algumas sentenças proferidas na Vara da Justiça do Trabalho de Santa Rita-PB, da qual sou titular.” A declaração é da juíza Adriana Sette da Rocha, que reconheceu ter emitido “conceitos errôneos, despropositados sobre a natureza da magistratura” e pediu desculpas publicamente em carta enviada à Associação dos Magistrados do Trabalho da 13ª (Amatra 13).

No dia 17 de novembro, a Consultor Jurídico publicou reportagem com uma das decisões da juíza, na qual ela escreveu: “A liberdade de decisão e a consciência interior situam o juiz dentro do mundo, em um lugar especial que o converte em um ser absoluto e incomparavelmente superior a qualquer outro ser material”.

Na sentença, ela negou o pedido de um trabalhador rural por entender que seus direitos trabalhistas já estavam prescritos. Ao explicar suas colocações, a juíza afirma que os homens, ao julgar, “não estão livres de limitações de saber e de entendimento” e nem “dos vícios de sentimentos inerentes à condição humana”. Daí teria nascido o seu erro.

Em nota, a Amatra 13 diz que a juíza usou expressões inadequadas, mas que o seu comportamento não foi pautado por um sentimento de superioridade, diante da carta de retratação enviada à entidade. A associação defende que a isonomia entre os cidadãos é um dos pilares para democracia e que “aos juízes cabe, tão-somente, exercer a atividade estatal de aplicação do Direito na solução dos litígios”.

O juiz Grijalbo Coutinho, presidente da Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho, diz que ficou surpreso quando leu a decisão proferida pela juíza. Ele conta que conhece pessoalmente Adriana e nunca teve a “impressão de estar em contato com uma pessoa arrogante ou investida de poder autocrático”.

Coutinho afirma que o ato da juíza foi um equívoco, mas que o seu pedido público de desculpas “é demonstração cabal de compromisso com uma magistratura democrática e transparente, capaz de reconhecer os seus equívocos, bem longe daquele triste cenário por ela descrito em decisão judicial”.

Leia a nota da Amatra 13, que traz o pedido de desculpas da juíza e a declaração do juiz Grijalbo Coutinho

NOTA PÚBLICA

A AMATRA 13 – Associação dos Magistrados do Trabalho da 13ª Região, entidade que congrega os magistrados do trabalho da Paraíba, vem a público expressar que a isonomia entre os cidadãos é um dos pilares fundamentais da democracia e que aos Juízes cabe, tão-somente, exercer a atividade estatal de aplicação do Direito na solução dos litígios.

A AMATRA 13, em face dos recentes fatos noticiados na imprensa, vem hipotecar solidariedade à Juíza Adriana Sette da Rocha Raposo reconhecendo que, na tentativa de reafirmar a independendência da magistratura, prerrogativa instituída em prol da sociedade, a magistrada utilizou expressões inadequadas ao proferir decisão, contudo, acredita que o seu comportamento não foi pautado pelo sentimento de superioridade, haja vista a sua retratação, conforme trecho abaixo, cuja divulgação foi solicitada a esta Associação:

“AOS MEUS COLEGAS, AMIGOS E AO PÚBLICO EM GERAL

A propósito de matérias sobre mim publicadas na semana em curso, em vários órgãos da imprensa nacional: confesso que fui infeliz nos exórdios de algumas sentenças proferidas na Vara da Justiça do Trabalho de Santa Rita-PB, da qual sou titular. Neles, repeti conceitos errôneos, despropositados sobre a natureza da magistratura, de que desejo aqui me retratar.

A missão entregue ao juiz é, de fato, sublime. Tanto que o próprio Mestre aconselhou: “não julgueis”, como se quisesse advertir que do julgar ninguém seria digno o bastante. No entanto, os homens precisam de Justiça e pedem por Justiça. E assim, a tarefa sublime acaba em mãos humanas, como as minhas, as dos meus pares. E homens, quando julgam homens, não estão livres das limitações de saber e de entendimento, dos defeitos de linguagem e dos vícios de sentimento inerentes à condição humana. Daí o risco sempre iminente do erro. Este é o drama do julgador (e o presente episódio constitui dentro dele um capítulo pessoal particularmente doloroso). E isso, o que eu decerto teria escrito, num momento de maior felicidade.

De coração, peço desculpas àqueles a quem eu ofendi com minhas palavras. Conforta-me apenas o fato de que, em nenhuma das matérias do meu conhecimento, tenha sido questionada a lisura das sentenças que dei.

Santa Rita-PB, 22 de novembro de 2007.

Adriana Sette da Rocha Raposo”

João Pessoa, 24 de novembro de 2007.

Associação dos Magistrados do Trabalho da 13ª Região

Leia a declaração do juiz Grijalbo Coutinho

Conheço pessoalmente a juíza Adriana Sette da Rocha Raposo. Ela foi aprovada na 10ª Região (DF e TO) e aqui permaneceu durante tempo muito curto. Na presidência da Anamatra, entre 2003 e 2005, voltei a encontrá-la em alguns eventos na Paraíba. Jamais tive a impressão de estar em contato com uma pessoa arrogante ou investida de poder autocrático, comportamento esse a ser repudiado sempre. Juiz não é diferente de nenhum outro cidadão. Cada profissional tem tarefas importantes a desempenhar numa sociedade democrática.

Por outro lado, ao ler a matéria no ConJur, também fiquei surpreso com a indicação de uma pretensa superioridade do juiz, não só porque essa premissa rompe com o conceito de Estado Democrático de Direito atribuído pela Constituição Federal, mas também porque a afirmação pareceu-me dissociada do perfil político da colega Adriana Sette da Rocha Raposo.

Ao pretender justificar a opção por um ou outro caminho nos autos, valendo-se do princípio da livre convicção motivada, algo inerente à necessária independência jurisidicional, como ela própria diz em sua nota, foi infeliz ao confundir tal princípio processual com superioridade do juiz.

O seu ato com pedido público de desculpas é demonstração cabal de compromisso com uma magistratura democrática e transparente, capaz de reconhecer os seus equívocos, bem longe daquele triste cenário por ela descrito em decisão judicial. Foi um equívoco, tenho certeza. Em maior ou menor intensidade, todos nós, juízes e demais cidadãos, estamos sujeitos a encarar fatos e situações de maneira errônea.

Grijalbo Fernandes Coutinho

Presidente da ALJT – ASSOCIAÇÃO LATINO-AMERICANA DE JUÍZES DO TRABALHO