Sociedade justa

Direitos dos trabalhadores devem ser garantidos pelo Estado

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13 de novembro de 2007, 11h49

No mundo das relações de trabalho, um dos principais temas em debate é saber se as leis trabalhistas, criadas pelo Estado, devem ceder espaço para a atuação dos sindicatos, com vistas a se fomentar o emprego para os desempregados e, ao mesmo tempo, evitar o desemprego para os empregados.

A Consolidação das Leis do Trabalho, existente desde 1943, segundo alguns, já não mais se coadunaria com o mundo globalizado em que vivemos. A “rigidez” das normas postas pelo Estado, ainda na visão desses estudiosos, ao invés de proteger o trabalhador, acabaria acarretando, contraditoriamente, dispensas em massa em certas ocasiões.

Argumenta-se que as empresas e demais entes aptos a absorver a mão-de-obra estão expostos às incontáveis e conhecidas adversidades econômico-financeiras, alastradas por este mundo globalizado. É fato corrente que crises, a princípio exclusivas de certos países, contagiam em curto espaço de tempo o território nacional.

A tudo isso, soma-se a própria crise brasileira, que nos acompanha de longa data. Eis o cenário que alimenta as críticas ao modelo trabalhista previsto na CLT: como esta não possibilita aos empresários “flexibilizar”, de modo mais abrangente, as regras entre empregadores e empregados, as dificuldades por que passam as empresas desencadeiam, no entender de alguns, o fim do próprio emprego. Nessa visão, a lei criada pelo Estado, para proteger o trabalhador, acabaria por ter o efeito perverso de, por vezes, arrancar-lhe a sua própria fonte de renda, que é a garantia de poder trabalhar para obter o seu sustento.

A solução, segundo certos especialistas, seria relativamente simples: flexibilizar as normas que regem as relações de trabalho, possibilitando ao empregador, ao invés de dispensar seus empregados, reduzir determinados direitos. Afinal — dizem alguns —, é melhor ganhar menos do que não ganhar, ou, como diz um ditado popular, “é melhor pingar do que secar”.

Mesmo assim, para que os trabalhadores não fiquem desprotegidos nessa “quebra de braço” com o empregador, somente com a participação dos sindicatos é que se admitiria a flexibilização dos direitos trabalhistas. Os sindicatos de cada categoria profissional, representando os trabalhadores nela englobados, em defesa do bem maior que é o emprego, teriam legitimidade para negociar com empresas e sindicatos patronais, reduzindo não só salários como outras garantias.

Nessa mesma linha, muitos assuntos relativos ao contrato de trabalho, ao invés de serem rigidamente previstos em leis, passariam a ter previsão preponderante nas normas estabelecidas pelos sindicatos (convenções e acordos coletivos): trata-se, aqui, da “desregulamentação” do Direito do Trabalho.

Sempre é realçado, ainda, o tempo gasto para qualquer mudança na lei, quase sempre impossível de atender às urgências surgidas no mundo do trabalho, cuja dinâmica atropela, muitas vezes, todas as previsões. Como se não bastasse, os sindicatos, sem as amarras de um burocrático processo legislativo, estariam mais aptos a criar normas específicas para cada circunstância, sempre por meio da negociação coletiva. Diferente da lei, genérica e abstrata por natureza, a norma privada poderia ser constituída para abranger trabalhadores e empresas particularizadas.

Algumas dessas idéias são, no dia-a-dia, postas em prática. O que se debate é se devem ser aprofundadas e expandidas.

Vejamos, no entanto, uma outra visão do problema. A posição contrária ao movimento de flexibilização adverte que os direitos previstos na legislação trabalhista são uma conquista histórica de toda a sociedade. Possibilitar aos empregadores que deixem de observá-los é, nesta visão, um verdadeiro retrocesso social, o que seria inadmissível. Unidos, os trabalhadores conseguiram do Estado, com muito esforço e lutas, a edificação de leis protetoras contra a “espoliação do capitalismo selvagem”, cujo fim principal é o lucro, ainda que a custo da miséria de muitos.

Para esses críticos, o que se deve buscar é o incremento das garantias aos trabalhadores, jamais se podendo aceitar a sua exclusão ou redução. Se crises existem, devem ser solucionadas pelo Estado e pelos diversos organismos sociais, mas não à custa do retorno, ainda que “camuflado”, do trabalho em condições precárias.

A realidade nacional — alertam ainda os defensores do Direito do Trabalho mais rigidamente garantido pelo Estado — revela que nem todos os sindicatos profissionais teriam força suficiente para lutar por melhores condições de trabalho. Teme-se o risco de sempre sair ganhando o lado economicamente mais forte, com a “precarização” cada vez maior do labor, sob a justificativa, nem sempre verdadeira, de ser um imperativo para a manutenção do emprego.

Uma outra pergunta também é freqüentemente lançada: teriam todos os sindicatos representatividade para negociar em nome dos trabalhadores, sabendo-se que muitos destes nem mesmo ouviram dizer que aqueles existem? Em vista disso, seria legítima, sempre, a redução de direitos trabalhistas pela via sindical? Afinal, tendo em vista os elevados índices de desemprego, os sindicatos de trabalhadores podem não ter meios aptos a negociar, em pé de igualdade, com os empregadores.

Até aqui vimos, de forma sucinta, cada um dos posicionamentos conflitantes a respeito do tema. Pode-se defender, ainda, que a solução está no meio termo.

Não se nega que se deva fomentar a criação, por meio da negociação coletiva, de normas mais benéficas aos trabalhadores do que a própria lei estatal.

Por outro lado, os direitos e garantias mínimas e essenciais, ou seja, fundamentais aos trabalhadores, devem, sim, ser expressamente garantidos pelo Estado, não podendo ser alterados nem mesmo com a participação de sindicatos. A delimitação do que seja esse patamar, por sua vez, requer amplo debate perante toda a sociedade, para que se cumpra o mandamento constitucional da Democracia. Por exemplo, parece consenso que normas estatais ligadas à medicina, à saúde e à segurança do trabalhador não podem ser revogadas pelos particulares, por garantirem o próprio direito à vida.

Cabe lembrar, ainda, que nem sempre o “mínimo” de um país rico coincide com a realidade nacional, o que nos leva a alertar quanto ao perigo de soluções simplesmente “importadas”, sem qualquer compatibilização ou análise mais atenta das condições brasileiras.

Além disso, a redução pontual e temporária de alguns direitos somente seria possível se efetivamente existentes circunstâncias que justificassem a medida, a ser vista como exceção. De qualquer modo, não se pode negar que a crise existe e se reflete nas relações de trabalho; há situações que realmente demandam medidas para que se possa preservar o emprego. Tudo isso deve ser observado conforme o caso em concreto.

Primeiramente, deve-se fortalecer o sistema sindical, de modo a conferir maior legitimidade aos que representam os grupos de trabalhadores e empregadores, bem como concretizando o princípio da liberdade sindical. Isso sem falar na necessidade de “paridade de armas” na negociação coletiva, viabilizando-se a equivalência de forças entre os lados patronal e profissional. Apenas se presentes esses pré-requisitos é que se pode discutir a possibilidade de ampliação da regulamentação das condições de trabalho pelos próprios atores sociais, que são os diretamente interessados.

Digno de realce, ainda, que o fomento ao emprego não depende, por si só, de alterações na legislação trabalhista. O número de postos de trabalho é reflexo da situação econômico-social do país, com o que medidas voltadas para o crescimento e o desenvolvimento nacional também são necessárias.

Acima de tudo, em qualquer passo a ser dado, deve-se assegurar a dignidade da pessoa humana, por meio da construção de uma sociedade livre, justa e solidária (Constituição Federal de 1988, artigos. 1º, III, e 3º, I).

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