Tribunal de Impostos

O maior inimigo da celeridade é o desprezo aos prazos

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11 de novembro de 2007, 23h00

Um dos alicerces do regime democrático é a observância do estado de Direito, o qual se caracteriza pela lisura da conduta dos órgãos dirigentes, pela transparência das ações, pelo debate das idéias.

Quando as atitudes desses órgãos de cúpula se apóiam no segredo, quando os atos são dissimulados, quando estudos são manipulados para não sofrerem críticas, há motivos para preocupações por parte dos administrados.

Essas ponderações vêm a propósito de anteprojetos concernentes ao processo administrativo tributário que são como certas criaturas que todos sabem que existem, mas que ninguém viu, ninguém leu, ninguém sabe seus conteúdos, aparentemente cambiantes e hauridos noutras plagas.

Há um projeto de lei na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, de nº 793/2006, que não chegou a ser votado, mas que foi alvo de seriíssimas críticas de advogados, juristas, órgãos representativos dos contribuintes, e da população em geral, por conter dispositivos contrários à índole paritária de tal tipo de processo e por remeter a autoridades administrativas resolução final de assuntos afetos à prestação jurisdicional, cabente a órgãos técnicos e, desejavelmente, imparciais.

Agora pululam notícias segundo as quais há estudos internos, no âmbito da Secretaria da Fazenda, geridos por funcionários e com colaboração externa, para construir projeto que implique celeridade no rito.

Ao lado do acesso de possível avanço na celeridade, não enunciado o modo de consegui-la e desvendadas as verdadeiras causas da morosidade, há o viés tributário do falso fiscalismo, tacanho, que preconiza que as Câmaras julgadoras do Tribunal de Impostos e Taxas passem a ter somente quatro juízes. Dois fazendários e dois indicados por entidades representativas dos contribuintes, cabendo aos fazendários a presidência e a vice-presidência.

Na realidade o que se conseguiria com tais disposições é o efeito meramente homologatório do Tribunal relativamente às pretensões fiscais.

A marcante parcialidade e incongruência, no que tange aos fins do processo administrativo tributário com a marca acima enunciada, consente imaginar que o que se fala sobre o assunto não espelha a verdade. Todavia o sigilo sobre a matéria alenta resistências. É melhor que não seja verdade.

Entretanto, fala-se também em novíssimo estudo, este erguido por alguns altos funcionários administrativos, que se contraporia aos outros aludidos, o qual seria guarnecido de melhor técnica.

Quase nada se propala. Ou melhor, nada se propala. Nem os dirigentes do TIT estão informados sobre o teor dessa panacéia jurídica que calcada nos mesmos paradigmas alcançaria resultados diferentes.

Da psicologia se colhe que aqueles que continuam a agir de certa maneira colherão, fatalmente, resultados idênticos.

Para alcançar resultados diferentes, deve o agente mudar os motores de sua conduta, ou seja: deve nutrir-se em paradigma diferente.

No que se atrela a processo administrativo tributário não é diferente. Com os mesmos paradigmas, ainda que maquiados, obtém-se mais do mesmo.

Tem-se dito que um dos modos de acelerar o procedimento de, e para, constituição do crédito tributário está no tratamento a ser dispensado às pretensões fiscais quando a contribuinte não maneja impugnação contra o lançamento de oficio.

Tem-se dito que em tal caso não haveria necessidade de julgamento porque não estaria estabelecida lide, ou litígio em que colidem pretensão e resistência.

O pensamento estaria certo noutro contexto. Porém, em cenário de Administração Pública, estou em que o exame necessário ao saneamento não pode ser dispensado em nome dos princípios que a norteiam, tomando relevo o da cura ou autotutela, pelo qual deve corrigir seus atos quando ilegais.

Como os atos jurídico-administrativos de autuação e sancionamento espelham o querer dos órgãos que os determinaram, a própria administração, por órgão técnico pressupostamente imparcial, deve julgar sua ordem formalizada de modo a superar eventuais idiossincrasias e pessoalidades.

O julgamento não é benesse outorgada pelo Poder Tributante nem somente direito dos acusados. É também imperativo ético advindo do Direito Administrativo indissoluvelmente ligado ao princípio da autotutela.

De se ver que o ganho aparente é muito pequeno, para não dizer insignificante. Por primeiro se o diga porque as ocorrências reais de revelia são praticamente inexistentes, não passam, ao que se sabe, de traços estatísticos. Por outro lado por não ocupar o julgamento senão tempo ínfimo.

Na verdade o que causa morosidade, que beira à amoralidade, é o desapego quanto ao cumprimento de prazos por parte dos órgãos administrativos. E não se diga que a Lei 10.941 de 25 de outubro de 2001, ora regente não previu prazos para os intervenientes internos. Não previu mesmo, e não precisava!

Disciplinando prazos para a prática de atos jurídico-administrativos, no caso, por lógica, englobando também os administrativos técnicos, já vigorava a Lei 10.177 de 30 de dezembro de 1998 que se aplica cogente e subsidiariamente aos processos administrativos em geral, ainda que regulados por lei específica.

O prazo máximo, se outro não for estipulado, é de 60 (sessenta) dias, confira-se o artigo 18, assim redigido:

“Artigo 18 — Será de 60 (sessenta) dias, se outra não for a determinação legal, o prazo máximo para a prática de atos administrativos isolados, que não exijam procedimento para sua prolação, ou para a adoção, pela autoridade pública, de outras providências necessárias à aplicação de lei ou decisão administrativa.

Parágrafo único — O prazo fluirá a partir do momento em que, à vista das circunstâncias, tornar-se logicamente possível a produção do ato ou a adoção da medida, permitida prorrogação, quando cabível, mediante proposta justificada.”

O perpassar de centenas e centenas de processos para exame revela que o maior inimigo da celeridade é o aceito costume de desprezar os prazos, e quem assim obra não são os advogados, não são as contribuintes…

Por trás dessas anomalias quanto à observância, por parte da administração, dos prazos, está uma sub-cultura voltada para chancelar as pretensões fiscais. Sua preocupação leva a práticas procrastinatórias quando estas não nascem da incúria e dos desvios de poder.

Há órgão com a incumbência específica de zelar pela fiel execução das leis, dos regulamentos, dos atos regradores do procedimento, portanto também dos prazos. Se a vigilância é deslocada para misteres não necessariamente adequados, e quando esse mesmo órgão não cumpre os que lhe cabem, fica difícil imaginar celeridade e razoabilidade no intercurso do procedimento.

A solução, pelo meu sentir, não está em remendos ou mudanças de formato, inspirados pelos mesmos paradigmas.

É essencial que haja mudança em alguns aspectos, a começar pela titularidade dos mandatos, que devem pertencer às entidades que indicam nomes, e não, de fato, à Administração Fazendária pela triagem que faz como suporte para nomeação, prestigiando juizes dóceis e não julgadores independentes e imparciais.

Há que se impedir a ingerência de outras diretorias da Secretaria da Fazenda, subordinadas à CAT, nas atividades e no livre convencimento dos juízes. E se há de prestigiar os princípios que norteiam a Administração Pública na condução do contencioso.

E nunca deve ser esquecido que o processo administrativo tributário é administrativo e tributário. O contencioso de que se fala não é um apêndice do Judiciário. Tem características próprias que devem ser preservadas. Só assim será equânime e justo.

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