Atestado de riqueza

Negada assistência gratuita a jogador com salário de R$ 150 mil

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10 de novembro de 2007, 23h02

Quando atuava no Santos Futebol Clube, nas temporadas de 2000 e 2001, o zagueiro argentino Carlos Alberto Galvan recebia em torno de R$ 150 mil de salário. Depois que o clube rescindiu seu contrato, o jogador entrou na Justiça do Trabalho para pedir o pagamento de R$ 5,5 milhões que não teria sido pago a ele. O caso seria comum se um detalhe pitoresco não chamasse atenção. Galvan, que hoje joga Club Universitario do Peru, queria ser beneficiado com a assistência jurídica gratuita. Alegou que estava em estado de hipossuficiência.

A 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho não teve dúvida. Em julgamento finalizado no dia 10 de outubro, a turma negou o recurso do atleta. Segundo o ministro Aloysio Corrêa da Veiga, relator do caso, a concessão da justiça gratuita precisa apenas de uma declaração de pobreza. No entanto, a presunção de veracidade da declaração permite prova em contrário.

O zagueiro foi contratado pelo Santos para jogar de 5 de janeiro de 2000 e 4 de janeiro de 2002. O clube se comprometeu a pagar US$ 1,87 milhão em 12 parcelas pelo passe. Ele também receberia salário de US$ 50 mil.

Em 2001, com a alta do dólar, as partes concordaram que o restante do contrato seria pago em seis vezes (uma parcela de R$ 72,5 mil e as outras de R$ 110 mil). O valor chegava a R$ 622,5 mil. Com o fim do contrato, Galvan entrou com uma reclamação trabalhista pedindo o pagamento de parcelas não quitadas.

Segundo o jogador, o clube pagava os salários em reais utilizando cotação do dólar inferior à oficial. Além disso, sonegava o pagamento de férias, FGTS e verbas do contrato de publicidade. Ele anexou diversos cheques sem fundo assinados pelo presidente do clube. Apresentou, ainda, notas promissórias não quitadas. Pediu liminar que declarasse o fim do contrato de trabalho e o pagamento de R$ 5,5 milhões.

O Santos alegou que o jogador assinou um recibo dando total quitação das parcelas. E pediu que ele fosse multado por litigância de má-fé. O clube apresentou reconvenção, requerendo o pagamento em dobro das verbas contratuais apontadas como devidas pelo atleta, além de perdas e danos e indenização por danos morais no valor de 500 salários mínimos. Mais modesto, o clube deu à causa o valor de R$ 10 mil.

O pedido de liminar para o fim do contrato foi aceito. Foi rejeitado o pleito do Santos para condenação de litigância de má-fé e danos morais. No mérito, o processo ainda foi considerado extinto. Motivo: a ação foi proposta dois anos depois, quando a reclamação estava prescrita. Com isso, Galvan ficou responsável pelo pagamento das custas processuais de R$ 110 mil.

Em Embargos de Declaração, o jogador pediu o benéfico da justiça gratuita, juntando declaração de pobreza assinada por ele. Na primeira instância, os embargos foram conhecidos e a assistência judiciária concedida. O Santos Futebol Clube entrou com Recurso Ordinário questionando a decisão. O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) aceitou o pedido do clube. Ao negar a gratuidade, a segunda instância destacou que o jogador não pode ser rebaixado à condição de hipossuficiente para se igualar aos trabalhadores de baixa renda.

Insatisfeito com o resultado, o jogador recorreu ao TST. Disse que houve prejulgamento, pois os documentos demonstravam a necessidade da justiça gratuita.

Ele pleiteou, ainda, o pagamento do contrato. Argumentou que estava desempregado. Galvan lembrou que não existe no ordenamento jurídico norma com imposições para a concessão do benefício. Argumentou que, para ter o benefício, basta o requerente declarar que não está em condições de pagar as custas.

Segundo o TST, o recurso do atleta não pode ser conhecido porque não é possível rever fatos e provas neste tipo de recurso (Súmula 126). Os ministros entenderam que, se o TRT afirmou que a declaração do atleta não atendia às exigências legais e fez alusão aos altos salários do atleta, os fatos não podem ser conferidos pelo TST. As custas processuais permaneceram, então, em R$ 110 mil.

RR 607/2004-446-02-00.0

Veja o acórdão:

ACÓRDÃO

6ª Turma

RECURSO DE REVISTA. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. DECLARAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA. PROVA DE PATRIMÔNIO PASSÍVEL DE ENFRENTAR CUSTAS JUDICIAIS. JOGADOR DE FUTEBOL. NÃO-CONHECIMENTO.

A delimitação contida na v. decisão não possibilita a reforma do julgado que deu provimento ao recurso do Clube, por entender que não poderia a MM. Vara deferir, em embargos de declaração, assistência judiciária gratuita, remetendo à situação financeira do autor, “jogador de futebol cujos ganhos superam de longe os conceitos da pobreza, da necessidade econômica e da hipossuficiência nos termos do artigo 4º da Lei nº 1.060/50”, indicando os valores de salários e publicidade por ele percebidos durante o ano. A indicação de ofensa ao art. 2º da Lei 1.060/50 e ao art. 789-b, não alcança o tema a conhecimento desta Corte.


A jurisprudência trazida não permite a verificação de dissenso, diante das diversas premissas fixadas na v. decisão, não alcançados pelos arestos paradigmas. Não cumpridos os requisitos do art. 896 da CLT, não merece reforma a decisão do Eg. Tribunal Regional. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-607/2004-446-02-00.0, em que é Recorrente CARLOS ALBERTO GALVAN e Recorrido SANTOS FUTEBOL CLUBE.

O Eg. Tribunal Regional, mediante o acórdão de fls. 235-239, complementado às fls. 252-253, deu provimento ao recurso do reclamado para declarar nula a decisão proferida nos embargos de declaração que concedeu o benefício da justiça gratuita ao autor. Em conseqüência, o recurso do autor não foi conhecido, por deserção.

Inconformado, recorre de revista o reclamante, fls. 255-260, alegando ofensa aos artigos 789-B da CLT e 2º da Lei 1.060/50, bem como dissenso jurisprudencial, pois entende ser devido o benefício, já que requerido dentro do prazo previsto na Orientação Jurisprudencial 269 da SBDI-1 do C. TST. Aduz que houve prejulgamento do juízo ao entender que o reclamante não estava habilitado para receber o benefício da justiça gratuita, pois os próprios documentos demonstram a necessidade da isenção de custas, já que o autor pleiteia o pagamento do contrato que não foi quitado, além de encontrar-se desempregado. Sustenta que não existe no ordenamento jurídico norma com imposições para a concessão do benefício, bastando que o requerente declare que no momento está impedido ao recolhimento das custas.

O recurso foi admitido por divergência jurisprudencial, conforme decisão

de fls. 281-285. Apresentadas as contra-razões, fls. 289-320. Sem remessa dos autos à douta Procuradoria-Geral do Ministério Público do Trabalho, nos termos do artigo 82 do Regimento Interno deste Tribunal Superior do Trabalho.

É o relatório.

VOTO

GRATUIDADE DA JUSTIÇA. PEDIDO DEFERIDO PELA MM VARA EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DESERÇÃO DO RECURSO ORDINÁRIO DECLARADA PELO TRT. RAZÕES DE NÃO-CONHECIMENTO

O eg. TRT da 2ª Região deu provimento ao recurso do reclamado para declarar nula a decisão proferida nos embargos de declaração que concedeu o benefício da justiça gratuita ao autor. Assim fez consignar, in verbis: É necessário que todos os requisitos legais e sociais para a concessão da justiça gratuita estejam presentes na declaração de pobreza para que o juiz delibere deferindo ou indeferindo o benefício, de acordo com suas fundadas razões.

No presente caso, o reclamante não pode ser rebaixado à condição de pobre, ou hipossuficiente, ou necessitado, para igualar-se aos trabalhadores de baixa renda. O reclamante é um jogador de futebol cujos ganhos superam de longe os conceitos da pobreza, da necessidade econômica e da hipossuficiência. Os recibos juntados no volume de documentos indicam que no ano de 2000 o reclamante ganhava salário fixo mensal de R$ 30 mil (fls. 7), gratificações de R$ 59 mil (fls. 12), bonificações de R$ 65 mil a título de publicidade etc., o que leva à conclusão inafastável de que o reclamante é possuidor de patrimônio suficiente para se responsabilizar pelo risco de uma demanda judicial, cujo valor milionário (mais de R$ 5,5 milhões) foi por ele mesmo atribuído. Impossível nivelar um jogador de futebol, com tais ganhos salariais, a um trabalhador que ganha dois ou mais salários mínimos por mês. A justiça gratuita é uma obrigação social do Estado, que tem o dever de dar assistência aos necessitados, mas não pode ser banalizada ou desmoralizada com requerimentos absurdos. Além disso, a declaração de fls. 190 não está de acordo com a lei.

(…)

São estas as fundadas razões pelas quais entendo que a decisão recorrida é nula: a) acolheu os embargos de declaração para dar efeito modificativo à sentença, após declarar que não havia omissão, contradição ou obscuridade na decisão; b) deu aos embargos a natureza de requerimento para deferir isenção de custas; c) deu efeito modificativo à decisão sem notificar a parte contrária para impugnar o pedido de justiça gratuita; e) nem atentou que a declaração de pobreza fornecida pelo reclamante não está de acordo com os requisitos mínimos exigidos pela lei 1.060/50 e 7.115/83.

Portanto, o recurso deve ser acolhido, mas não para retornar à origem para novo julgamento, como foi requerido na preliminar, e sim para restaurar a sentença nos termos em que foi proferida, com o indeferimento da justiça gratuita. (fls. 238-239)

Inconformado, recorre de revista o reclamante, fls. 255-260, alegando ofensa aos artigos 789-B da CLT e 2º da Lei 1.060/50, bem como dissenso jurisprudencial, pois entende ser devido o benefício, já que requerido dentro do prazo previsto na Orientação Jurisprudencial 269 da SBDI-1 do C. TST.


Aduz que houve prejulgamento do juízo ao entender que o reclamante não estava habilitado para receber o benefício da justiça gratuita, pois os próprios documentos demonstram a necessidade da isenção de custas, já que o autor pleiteia o pagamento do contrato que não foi quitado, além de encontrar-se desempregado. Sustenta que não existe no ordenamento jurídico norma com imposições para a concessão do benefício, bastando que o requerente declare que no momento está impedido do recolhimento das custas.

Dispõe o artigo 2º da Lei nº 1.060/50, conforme redação atualizada da Lei

nº 7.510/86, in verbis:

“Art. 2º – Gozarão dos benefícios desta Lei os nacionais ou estrangeiros residentes no País, que necessitarem recorrer à justiça penal, civil, militar ou do trabalho.

Parágrafo único. Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.

O art. 789-B da CLT, dispõe:

“Art. 789-B. Os emolumentos serão suportados pelo Requerente, nos valores fixados na seguinte tabela”

Desse modo, diante da redação dos dispositivos legais indicados, não é possível conhecer do recurso de revista. Os parâmetros fixados na v. decisão recorrida limitaram-se a anular a decisão da MM. Vara, em embargos de declaração, dando provimento ao recurso do Clube, e fazendo prevalecer a decisão da MM Vara que indeferiu.

Por sua vez, segundo o disposto nos arts. 790, § 3°, e 790-B da CLT, é facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita àqueles que perceberem salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou declararem, sob as penas da lei, que não estão em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família.

A delimitação contida na v. decisão torna inexeqüível a reforma nesta C. Corte, diante do teor da Súmula 126 do C. TST, pois ao se reportar à declaração, reforça que ela não está de acordo com a lei.

Ademais, esse é o entendimento pacificado desta Corte Superior, consubstanciado na Orientação Jurisprudencial 304 da SBDI-1, segundo a qual, atendidos os requisitos da Lei 5.584/70, para a concessão da assistência judiciária, basta a simples afirmação do declarante ou de seu advogado, na petição inicial, para se considerar configurada a sua situação econômica.

Entendeu a Eg. Corte a quo que não é passível de assistência judiciária gratuita ao reclamante que percebeu remuneração, em 2000, no importe de R$ 30.000,00 mensais, além de gratificações e bonificações, cujos valores chegaram a R$ 59.000,00 e R$ 65.000,00, respectivamente.

A matéria, portanto, assume contornos fáticos que não podem ser reexaminados nesta instância recursal, inclusive porque não consta na decisão recorrida que o autor estivesse desempregado, como ele alega nas razões recursais.

Dentro desse contexto, não se vislumbra a alegada ofensa aos dispositivos legais, uma vez que, embora facultem o deferimento da gratuidade da justiça ante a simples declaração de hipossuficiência, sem que o postulante precise provar tal condição, presumindo-se verdadeira a declaração, é certo que esta presunção permite prova em contrário, situação condizente com a dos autos.

Quanto à alegada divergência jurisprudencial, é de se ressaltar que o primeiro aresto à fl. 266, oriundo de Turma do c. TST, não serve para comprovação de dissenso jurisprudencial, ante o comando inserto no artigo 896, a, da CLT.

O segundo trata de situação em que o benefício foi deferido porque requerido no moldes da Lei 1.060/50, sendo que, in casu, o Eg. TRT da 2ª Região consignou que a declaração de pobreza não está de acordo com os requisitos exigidos pela referida lei.

Já o último (fl. 267) aborda tão-somente a questão da miserabilidade, sem, entretanto, abordar as demais questões tratadas pelo Colegiado Regional como fundamento para anular a decisão que deferiu o benefício ao autor, quais sejam, aos embargos foi dado natureza de requerimento para deferir isenção de custas; mesmo não configuradas as hipóteses de cabimento dos embargos de declaração, estes foram acolhidos para dar efeito modificativo à sentença; a parte não foi notificada do efeito modificativo dado à decisão, além do fato de a declaração não ter atendido aos requisitos exigidos nas Leis 1.060/50 e 7.115/83. Incidem, na espécie, as Súmulas 23 e 296/TST.

Por todo o exposto, não conheço do recurso de revista.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, não conhecer do recurso de revista.

Brasília, 10 de outubro de 2007.

ALOYSIO CORRÊA DA VEIGA

Ministro Relator

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