Tribunal do Júri

Júri: entre a soberania e a falta de conhecimento dos jurados

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9 de novembro de 2007, 14h08

A temática deste trabalho surge como fruto de inúmeras observações feitas a partir de diversas decisões eivadas de nulidades provenientes dos juízes de fato do Tribunal do Júri, uma das instituições mais democráticas do país.

As decisões judiciais, inclusive as decisões soberanas do Tribunal do Júri, realçam o fato de que a essência do ato de decidir exige uma prévia cognição e compreensão da complexidade jurídica encontrada, sendo inadmissível o simples empirismo empregado pela maioria dos jurados, conforme se vê nos dias atuais na maioria de suas sessões. Ainda que os jurados só julguem fatos, indiscutivelmente se faz necessário a apreciação de provas, o que exige um mínimo de conhecimento técnico. A falibilidade dos jurados, ancora-se, portanto, na falta de conhecimento técnico-jurídico por parte dos juízes leigos, que em meio a erros ou enganos, para não dizer injustiça, chegam a pôr em risco a credibilidade e segurança dessa instituição.

Não se trata de levantar a bandeira pela extinção do Tribunal do Júri, posto que isso representaria um retrocesso à democracia, contudo, urge a imperiosa necessidade da modificação estrutural desse Tribunal Popular, de maneira a não silenciar, mas aprimorar o seu instituto, razão pela qual apresentamos algumas sugestões com vistas a prestigiar essa bela instituição democrática, de modo que os jurados julguem seus pares com uma melhor convicção, mais aptos a produzir uma decisão próxima daquilo que um Estado Democrático de Direito exige, que é a justiça.

Aspectos do Tribunal do Júri: Instituição Democrática

José Afonso da Silva preconiza que a Democracia é um processo de convivência social em que o poder emana do povo, há de ser exercido, direta ou indiretamente, pelo povo e em proveito do povo. (SILVA, 1999, p. 130).

É sem sombra de dúvida que é por causa da participação popular que as decisões governamentais alcançam um grau muito maior de legitimidade e, quanto mais arraigados forem os princípios democráticos no imaginário coletivo da sociedade, maior será o papel dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico e maior será o seu respeito. (AGRA, 2002, p. 109).

Observando-se as posições de diversos constitucionalistas, tem-se que a participação direta do povo no poder é um princípio da democracia, princípio este consubstanciado no Tribunal do Júri, quando se atribui aos jurados, pessoas do povo escolhidas dentre as diversas camadas da sociedade, a função de julgar num caso concreto. No instante em que se integra o Conselho de Sentença, o cidadão exerce, na condição de juiz leigo, a vontade do povo em relação ao fato criminoso, o que configura o exercício do poder democrático, pois se trata de uma instituição fundada no princípio de que o homem deve julgar seus pares, além de ser um excelente cenário de participação da sociedade na administração da justiça e um exemplo de prática de cidadania. (AGRA, 2002, p. 109).

Embora, para alguns autores historicamente, a sua fase embrionária tenha se dado em Roma, é na Inglaterra que encontramos o berço do Tribunal do Júri moderno — corrente à qual nos filiamos — o certo é que desde a sua origem o Tribunal do Júri carrega consigo o espírito democrático, o que fez permitir, com o passar do tempo, a certeza de que o homem deveria julgar seus pares. Vislumbra-se desta maneira, que desde os seus primórdios, a principal característica do Tribunal do Júri tem sido a sua conotação democrática, posto que a participação do povo ou a soberania leiga do Tribunal Popular demonstra em tese a vontade da sociedade (Tourinho Filho, 1999, p. 87). Aliás, a nossa Carta Magna, não apenas reafirmou essa prerrogativa democrática, como também o manteve o Tribunal do Júri no rol dos Direitos e Garantias Fundamentais, tornando-o intangível ao elevá-lo à condição de cláusula pétrea.

Inexistência de Motivação nas decisões dos Jurados

Uma das grandes críticas ao Tribunal do Júri, redunda no fato de que as decisões dos jurados são desprovidas de qualquer motivação, de qualquer fundamento, o que é exigido constitucionalmente, dos juizes togados, conforme dispõe o art. 93, IX da Constituição Federal.

Para os defensores dessa crítica, como Aury Lopes Júnior, o sistema de garantias adotado no processo penal contemporâneo não se harmoniza com essa não motivação, posto que os jurados julgam por livre convencimento imotivado, sem qualquer distinção entre atos de investigação e atos de prova. (Lopes Júnior, 2004, p. 142)

Concordamos com a mesma idéia, haja vista que apesar da mencionada previsão no Código de Processo Penal, sobre a desnecessidade de fundamentação das decisões emanadas pelo Tribunal Popular e, sendo o mesmo um órgão do Poder Judiciário, tem-se então uma afronta à inteligência do artigo 93, IX da Constituição Federal, que estabelece que todos os órgãos do Poder Judiciário terão suas decisões fundamentadas/motivadas, sob pena de nulidade. Portanto, inadmissível apresenta-se o fato de que uma norma infra-constitucional, a qual, saliente-se, é anterior à Constituição Federal, seja ainda acolhida, mesmo em explícita desconformidade com a nova ordem constitucional, já que a mesma não foi recepcionada pela atual Carta Magna.


Esse livre convencimento imotivado, por onde navega a falibilidade dos jurados, permite, graças a garantia da soberania dos veredictos, a imensa atrocidade jurídica de alguém ser julgado a partir de qualquer elemento, o que poderia ser evitado, caso as decisões fossem motivadas, pois a motivação serve para o controle da racionalidade da decisão judicial. Não se trata de gastar folhas e folhas para demonstrar erudição jurídica ou discutir obviedades.

O mais importante é explicar o porquê da decisão, o que levou a conclusão sobre a autoria e materialidade. A motivação sobre a matéria fática demonstra o saber que legitima o poder, pois a pena somente pode ser imposta a quem — racionalmente — pode ser considerado autor do fato criminoso imputado. Assim, a decisão imotivada dos jurados é puro arbítrio, o mais absoluto predomínio do poder sobre a razão. E poder sem razão é prepotência. Há, então, de se indagar o porque dos juízes togados se exigir a motivação/fundamentação de suas decisões, e o porque de não se exigir o mesmo dos juízes leigos?

A íntima convicção despida de qualquer fundamentação permite a incoerência de que alguém seja julgado a partir de qualquer elemento, o que violenta a segurança social e o respeito aos direitos humanos, haja vista que o objetivo é conciliar a tutela da segurança social com respeito à pessoa humana (Reale JR, 1983, p. 81). A não fundamentação significa um retrocesso ao Direito Penal, reforçando o julgamento pela “cara”, cor, opção sexual, religião, posição sócio-econômica, aparência física ou postura do réu antes ou durante o julgamento. Enfim, é imensurável o campo sobre o qual recai o juízo de valor ou de desvalor e, tudo isso, saliente-se mais uma vez, sem qualquer fundamentação, criando uma insegurança e descrédito, vez que fruto de motivações, caso exista, desconhecidas ou obscuras.

Falibilidade dos Jurados

Juízes Leigos

Os jurados, também chamados juízes de fato, em sua maioria cidadãos leigos, são escolhidos dentre os diversos segmentos sociais para exercerem a função de julgar seus pares pela prática de crime doloso contra a vida.

Segundo o artigo 436 do citado diploma legal, os membros do Conselho de Sentença, devem ser escolhidos entre cidadãos de “notória idoneidade”, não lhes exigindo o texto legal qualquer outra qualificação.

A aptidão, capacidade, podem ser moral e intelectual. Tem idoneidade moral, o cidadão que se conduz de maneira conforme a Lei, a Moral e aos bons costumes. Tem idoneidade intelectual o cidadão que possui conhecimento suficiente para exercer satisfatoriamente a função de jurado. (ROSA, 1999, p. 807)

Não nos parece clara a expressão “idoneidade” trazida pela norma, haja vista ser ela de uma certa subjetividade, posto que a idoneidade para uns pode estar num determinado campo e não noutro, ou seja, alguém em razão de seus princípios pode ser idôneo acerca de determinados aspectos comportamentais, mas em outros carecer de tal idoneidade, o que nos leva a refletir que essa característica exigida para o jurado dificilmente há de ser absoluta, posto que a idoneidade no seu mais alto grau exige do homem posturas elevadas em todo o segmento da vida.

O aspecto da idoneidade intelectual, como adiante explanado, diz respeito a necessidade do jurado ter o mínimo de conhecimento técnico-jurídico capaz de compreender o processo, os quesitos formulados pelo Juiz Presidente do Tribunal do Júri, com fim a proferir uma decisão mais próxima da veracidade dos fatos, ou seja, daquilo que os autos apontam.

Falta de Conhecimento Técnico-Jurídico dos jurados

Em sua grande maioria os jurados carecem de conhecimentos legal e dogmático mínimos para a realização dos diversos juízos axiológicos que envolvem a análise penal e processual aplicável ao caso sub judice, aliás, sequer conhecem os princípios constitucionais que regem à instituição a qual pertencem, tampouco tem razoável conhecimento da valoração da prova colhida em sua ausência, quando da primeira fase (fase da formação de culpa, perante o juiz singular, e que culmina com ato decisório correntemente denominado de pronúncia), embora em plenário possa se produzir alguma prova, o que a prática demonstra ser raríssimo.

Os jurados em sua grande maioria desconhecem o Direito e o próprio processo na medida em que se limitam apenas ao que é trazido em debate pelas partes, ainda que, em tese, tenham acesso a “todo” o processo no dia do julgamento (como se o “todo” fosse apreensível em um único momento), ademais ninguém consegue se improvisar em julgador do dia para noite.

A falta de profissionalismo, de estrutura psicológica, aliados ao mais completo desconhecimento do processo e de processo, são graves inconvenientes do Tribunal do Júri. Não se trata de idolatrar o juiz togado, muito longe disso, senão de compreender a questão a partir de um mínimo de seriedade científica, imprescindível para o desempenho do ato de julgar. (Lopes Júnior, 2004, p. 141)


A essência do ato de decidir exige uma prévia cognição e compreensão da complexidade jurídica, sendo inadmissível, a nosso ver, o simples empirismo empregado pelo júri, conforme se vê nos dias atuais na maioria das sessões. Numa era em que se reclama do próprio juiz togado especialização, confiar os julgamentos dos crimes mais graves a homens que em sua maioria, principalmente em cidades do interior, não possuem conhecimentos técnicos-jurídicos suficientes, é no mínimo incongruente. Tudo isso nos leva a questão da falibilidade, posto que a margem de erro ou engano, para não dizer injustiça é infinitamente maior no julgamento realizado por pessoas que em sua grande maioria ignoram o direito em debate e a própria prova da situação fática em torno do qual gira o julgamento. Não há dúvida que juízes e tribunais também erram, mas para isso existe todo um sistema de garantias e instrumentos limitadores do poder, que reduzem os espaços impróprios da discricionariedade judicial, embora não o eliminam, é claro.

Nesses quinze anos de Tribunal do Júri, na qualidade de servidor da justiça, tivemos a oportunidade de verificar verdadeiras “aberrações”, como a de jurados que diante da quesitação não compreendendo palavras como agravante, atenuantes, dentre outras, como homicídio simples ou qualificado, cuja pena no simples é de 6 a 20 anos, e na forma qualificada pode ir de 12 a 30 anos, caso o conselho de sentença acate alguma qualificadora, começarem a chorar e dizer que não tinham condições de julgar porque não haviam entendido a quesitação e, somente após horas de exaustiva explicação por parte do Juiz Presidente, termos o fim da sessão com o seu respectivo julgamento, contudo, sem sabermos até hoje se realmente os jurados compreenderam a quesitação ou para se livrar daquela situação, “simplesmente votaram”.

No terreno operacional do Júri, devido do falta de conhecimento, há vastíssimas nulidades, que se concentram no setor de formulação do questionário e em suas respostas. São inúmeros os precedentes dos Tribunais de Justiça estaduais e superiores cassando decisões do Júri. Assim, conforme informa Rogério Lauria Tucci, já se declarou a nulidade de julgamento, pelos seguintes vícios:

a) proposição confusa e complexa (RT 732/685); b) incongruência nas respostas que demonstrou a perplexidade dos jurados (RT 721/507); c) conflitantes manifestações dos jurados (RT 716/429); d) induzimento dos jurados a equívoco em conseqüência da falta de técnica de redação (RT 726/726). (TUCCI, 1999, p. 313)

É por razões como a ignorância técnica, além de outras, que são enormes o pedido de dispensa de jurados com o fim de evitar serem sorteados a compor o Conselho de Sentença, seja para se livrar do sentimento de incapacidade, seja por medo. Todavia, quando sorteados, mesmo diante de sua ignorância, alguns preferem condenar, ante o juízo de valor de que todos aqueles que se sentam no banco dos réus são culpados, prejulgando sem sequer analisar as provas constantes do caderno probante; ou, por outro, lado preferem absolver, com medo de tornarem-se mais uma vítima.

O funcionamento do júri é complexo e requer bom conhecimento de sua técnica procedimental. Os trabalhos nele realizados são sempre dificultosos, freqüentemente cansativos e não devem se repetir por motivo de nulidades, frutos de ignorância. (MARREY, 2000, p. 31)

A prévia preparação dos juízes leigos é de máxima e fundamental importância, não que isso irá afastar possíveis erros ou injustiças, mas, assim como acontece com o juiz togado, tornarão os juízes de fato infinitamente mais aptos a produzir uma decisão mais próxima da justiça.

Teatralidade do Tribunal do Júri e Vulnerabilidade dos Jurados

No plenário do Tribunal do Júri, principalmente nas pequenas cidades, a maioria dos Jurados se vê perplexos e envoltos pela complexidade das questões, argumentos que de forma teatral são apresentadas pela acusação e defesa, numa “disputa”, através de suas retóricas, pelo convencimento, com vistas a induzir os jurados acerca dos seus discursos inflamados, de modo a demandar-lhes sua credibilidade ou a sensibilizar o Conselho de Sentença.

Diante de uma rebuscada linguagem, da teatralização dos gestos, do apelo à emoção, do jogo de provocações, ironias, estratagemas, reina a falácia e, consequentemente o jurado quase sempre se vê “perdido”, vulnerável. Ademais, antes do julgamento, o jurado, enquanto cidadão, sofre influências do meio em que vive, seja pelo sexo, idade, amizade ou nível sócio econômico do acusado, como também sofre pressão da família da vítima e do próprio acusado, sendo, portanto, objeto de ações passíveis de comprometer suas deliberações nas sessões do júri, sem falar da longa duração teatral, que por vezes leva muitos jurados à exaustão, o que gera, conforme asseverou determinado jurado “a esquecer ou até confundir o que as testemunhas disseram, pela cansaço físico e mental”. (VAINSENCHER, 1997, p. 136)


Sugestões para uma melhor instrumentalidade do Tribunal do Júri

É bem verdade que o Tribunal do Júri é cláusula pétrea da Constituição Federal, ante o que preceitua o art. 5º, XXXVIII, porém, a Carta Magna permite a organização que a lei lhe der, ou seja, remete a disciplina de sua estrutura à lei ordinária, permitindo uma ampla e substancial reforma, desde que assegurados o sigilo das votações, a plenitude da defesa, a soberania dos veredictos e a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Abre-se, assim, um amplo espaço para reestruturá-lo, com vistas a sua melhor instrumentalidade.

Alguns autores como Aury Lopes Júnior, apresentam no que discordamos, como alternativa interdisciplinar ao Tribunal do Júri, o Escabinato, uma espécie de instituição superior ao júri, pois juízes leigos e técnicos (togados) atuam e decidem em colegiado. Trata-se de uma modificação na estrutura do Tribunal do Júri, que passa a ser composto por juízes de carreira e leigos decidindo conjuntamente.

Em verdade, o Escabinato significa uma substancial transformação do Tribunal Popular, que perpassa a questão da composição, para influir também na própria forma de funcionamento da instituição, na medida em que afeta a incomunicabilidade, a quesitação.

Ao nosso ver, o Escabinato é uma pseudo participação popular na administração da justiça, pois é inegável o poder dos juízes togados e o respeito que inspira sua função, o que faz com que a participação dos leigos seja meramente simbólica. Ao contrário do almejado, a possibilidade do juiz togado exercer uma grande influência informativa sobre o juiz leigo é enorme, devido a sua posição de superioridade técnica, levando-os a inibição e diminuição diante dessa realidade. Como conseqüência, a superioridade técnica conduziria a uma superioridade hierárquica do juiz profissional em relação ao leigo, bem como a um predomínio de sua opinião.

Acreditamos que o principal óbice a uma melhor instrumentalidade do Tribunal do Júri, é exatamente a falta de conhecimento técnico-jurídico dos jurados, como anteriormente explicado. É evidente a grande problemática que as decisões do Tribunal do Júri possam vir causar ou causam em razão da falta desses mínimos conhecimentos, em áreas como: Penal, Processo Penal, Medicina Legal, dentre outras, além do desconhecimento quanto à importância de sua função e o alcance de suas decisões, sendo, portanto, inaceitável que o simples conhecer dos fatos ponham em risco um direito constitucional que é a liberdade ou apontem para a impunidade.

Destarte, ante experiência prática e observacional, alcançada ao longo de mais uma década no Tribunal do Júri, tomamos a liberdade de discorrer sobre algumas possíveis modificações que entendemos pertinentes e fundamentais para melhoria procedimental do Tribunal do Júri, quais sejam:

a) Criação permanente do Núcleo de Estudos e Orientação Psicológica do Tribunal do Júri, coordenado pelo Tribunal de Justiça do Estado, em cada comarca e durante determinado período no ano, para todos os jurados da lista geral, com vistas a possibilitá-los ou capacitá-los de conhecimentos mínimos, mas necessários para uma melhor compreensão das normas, dos debates, das provas e da quesitação apresentada, fornecendo-lhes então melhores recursos e base para suas decisões. Nesse núcleo, além da capacitação técnica, deverá ser oferecido também apoio psicológico no afã de afastar o medo e conscientizá-los do dever que lhe são atribuídos, de modo a sentirem-se incentivados a contribuir com a administração da justiça, corrigindo abusos ou combatendo a impunidade, garantindo desta forma a democracia no seu mais alto grau. A esse respeito destaque-se a entrevista realizada por Semira Adler Vainsencher, quando da colheita de depoimento de certo jurado:

O desconhecimento da terminologia jurídica dificulta o entendimento dos jurados. Acho que deveria haver um curso para ensinar a terminologia jurídica; como funciona um processo do início ao fim, para eles terem as condições mínimas de julgar. (VAINSENCHER, 1997, p. 135)

a) Fornecimento de cópias do autos a todos os 21 jurados, a partir do momento em que a ação penal vier a fazer parte da pauta de julgamento, a fim de que os mesmos possam previamente conhecer os fatos e os direitos argumentados pelas partes, bem como as provas constantes do caderno probante. Acerca do exposto, aduziu determinado jurado:

O jurado deveria acompanhar o processo desde o início. Pelo menos, que se fizesse isso em um processo, para poder ter a vivência: desde o depoimento na polícia até a fase final. Muitos jurados chegam ali pensando que tudo aquilo pode ser um conto de fadas. Inclusive ter um mínimo conhecimento de medicina legal. Como é que um jurado pode entender que um tiro dado a seis metros de distância provoca chumascamento no corpo da vítima , se ele nunca teve revólver, nem tem conhecimento de nada? Não é preciso ser um técnico, mas é preciso ter uma noção. (VAINSENCHER, 1997, p. 135-136)


a) Redação dos quesitos em proposição simples, de modo que cada um deles possa ser respondido com suficiente clareza e necessária precisão. A simplicidade na redação dos quesitos é uma exigência elementar, posto que a mencionada quesitação a ser respondido pelos jurados constitui um ato processual do maior relevo;

b) Utilização de um vocabulário mais adequado em plenário, de modo a ser de maior compreensão aos jurados e até mesmo ao público presente;

c) Comunicabilidade, apenas entre si, desde que em sala secreta, dos membros do Conselho de Sentença, a fim de que de posse dos conhecimentos já adquiridos no Núcleo de Estudos e Orientação Psicológica do Tribunal do Júri, possam entre eles discorrer sobre o julgamento, sem que sejam deles exigido a unanimidade dos votos. Após os debates entre si, durante determinado período de tempo a ser fixado em lei, os jurados diante do Juiz Presidente, da acusação e defesa, votariam na forma tradicional dos dias de hoje, apresentando cada um a sua convicção.

Essa proposta se fundamenta no fato de que muitas vezes esse ou aquele jurado se apercebe de elementos, enquanto que outro não. Assim, teríamos entre eles uma troca de informações e conhecimentos úteis recepcionados por um e não por outros, de modo a contribuir com o veredicto entre eles, sem que seja exigido por parte daquele que não teve tal ou qual conhecimento ou percepção, o acompanhamento da convicção ou voto de determinado jurado.

Aliás, vale relembrar que o cinema norte-americano no filme “Doze homens e uma sentença” (Direção: Sidney Lumet. Produção: Henry Fonda Reginald Rose. USA: Home Intertainment, 1957) retrata fielmente o que acabamos de dizer, pois no referido filme todos os jurados, exceto um que se encontrava no toalete, opinam pela condenação do acusado. Porém, quando o jurado ausente volta a sala secreta, não coadunando com a decisão dos demais, faz ver a eles que o acusado era inocente, apresentado em seu argumento, seu conhecimento e percepção que teve dos fatos e dos autos, o que fez mudar a idéia e a então convicção dos demais jurados, terminando por julgar o acusado inocente.

Alguns opositores a tal sugestão por certo alegarão que dessa forma haveria a quebra do sigilo de votações entre os jurados, o que não é verdade, pois o jurado continuaria a votar, conforme já dito, na forma tradicional, ou seja, com total segredo quanto a seu “voto”. Embora, ressalte-se que a quebra de sigilo é exatamente o que ocorre todos os dias, quando no término de julgamento os jurados, em razão do grau de amizade, confidenciam-se seus votos. Ademais, há de se perguntar se temos ou não a quebra do mencionado sigilo quando o Conselho de Sentença decide de forma unânime?

A título de exemplo destacamos um fato amplamente noticiado pela imprensa: o Massacre de Carajás, ocorrido no dia 17 de abril de 1996, quando policiais militares do Estado do Pará foram acusados de matar 19 trabalhadores rurais “Sem Terra”. No dia 16 de agosto de 1999, foi realizada a primeira sessão do julgamento, tendo como um dos réus o Cel. Mário Colares Pantoja, comandante da operação. Nessa sessão, o mencionado réu foi absolvido por 4 votos a 3. Por sua vez o Ministério Público, inconformado com decisão dos jurados, interpôs recurso de apelação, requerendo a anulação do julgamento baseando-se em nulidades, dentre elas a manifestação pública (quebra da incomunicabilidade e do sigilo das votações) de um dos jurados, Silvio Queiroz de Mendonça, que manifestou seu convencimento de forma pública após os debates orais do julgamento, quando ao solicitar que fosse mostrada várias vezes a filmagem do início do massacre, fez a referência de que um “sem-terra” havia atirado antes dos policiais militares, o que colocou em dúvida a tese da acusação, vez que demonstrou uma nova posição sobre a causa ou o motivo do crime, influenciando assim os demais jurados.

Diante dessas propostas, por certo não teremos a eliminação da falibilidade dos jurados quando de suas decisões, muito menos nos arvoramos nesse propósito, todavia, chegaremos a um nível aceitável, posto que o presente trabalho tem em vista contribuir para um aprimoramento dos julgamentos dos Conselhos de Sentença e, por via de conseqüência, também da maior instituição democrática do país, o Tribunal do Júri.

O Júri a de ser modificado a bem de uma simplificação de maneira a aprimorar o instituto, conferindo-lhe a sensação de uma justiça democratizada e soberana, prestigiando assim os postulados constitucionais. (Vale Filho, 2004, pp. 341-342)

O Tribunal do Júri representa um foco de democracia, uma tribuna livre onde as causas são debatidas e apreciadas pelos juízes de fato, quando permite a participação e promoção da própria justiça, o que representa, mais do que nunca, o poder do povo nas mãos do povo, exercido pelo povo.


As inúmeras decisões eivadas de nulidades do Júri Popular, causadas em sua grande maioria pela falibilidade dos jurados, a qual navega pelas águas da soberania e das decisões imotivadas, que se ancora na falta de conhecimento técnico-juridicos (ápice da falibilidade), vem demonstrar que essa falibilidade é uma grave ameaça a mencionada instituição. Não se trata, como defendem alguns, dentre eles Aury Lopes Júnior, de levantar a bandeira pela extinção do Tribunal do Júri, posto que isso representaria um retrocesso à marcha da democracia, posto que subtrair da sociedade o poder de julgar aqueles que retiraram ou pelo menos tentaram retirar de alguém o seu bem primeiro — a vida — é no mínimo uma ofensa às garantias constitucionais já adquiridas.

Sendo os jurados em sua maioria cidadãos leigos, escolhidos entre os diversos segmentos sociais para exercerem a função de julgar, incumbidos de decidir sobre a existência da imputação, para concluir se houve fato punível, o que de plano, por si só demonstra o alto grau de sua importância, faz exigir um mínimo de conhecimento técnico-jurídico capaz de compreender o processo, os quesitos formulados pelo Juiz Presidente do Tribunal do Júri e proferir uma decisão mais próxima da veracidade dos fatos, ou seja, daquilo que os autos exigem.

A inexistência desses mínimos conhecimentos para a realização dos diversos juízos axiológicos que envolvem a análise penal e processual aplicável ao caso, onde os jurados em sua maioria sequer conhecem as garantias constitucionais que regem à instituição a qual pertencem, apresenta-se como graves inconvenientes ao Tribunal do Júri, sem falar, como já dito anteriormente, do livre convencimento imotivado por onde navega a falibilidade dos jurados, que chega a permitir, graças a soberania que possui, a imensa atrocidade jurídica de alguém ser julgado a partir de qualquer elemento, o que é puro arbítrio, o mais absoluto predomínio do poder sobre a razão. E poder sem razão é prepotência.

A cognição e compreensão da complexidade jurídica são essências para o ato de decidir, sendo, pois, inadmissível o simples empirismo empregado pelo júri, conforme se vê nos dias atuais na maioria de suas sessões. Daí porque aportamos na falibilidade dos jurados, cuja margem de erro e engano, para não dizermos injustiça, é infinitamente maior no julgamento realizado por pessoas que em sua grande maioria ignoram o direito em debate e a própria prova da situação fática em torno do qual gira o julgamento.

Embora sedutor o discurso manipulado em torno do “saber do homem simples” que só julga fatos e de acordo com a sua íntima convicção, e por tal não carece de maiores conhecimentos, é no mínimo demagogo e busca apenas desviar o eixo da discussão, posto que esse “saber”, embora útil, não pode sobrepujar ou menosprezar o conceito de justiça, muito menos ultrapassar a fronteira da legalidade ou valorizar a impunidade. Ademais, os jurados se deparam e são obrigados a apreciar as provas, que tenham sidas produzidas em suas presenças ou não, o que para tanto, se exige certo conhecimento técnico-jurídico.

Conceitos como excludente de ilicitude, antijuridicidade, imputabilidade, violenta emoção, provocação injusta, torpeza, motivo fútil, traição, dentre outros tantos, necessitam de apreciação acurada e serena dentro de cada caso, pois o despreparo técnico dos jurados, diante de uma situação fática, pode levar a um veredicto diferente daquele almejado. Como explicar a um jurado leigo, em poucas horas de debate, conceitos de direito penal e processual penal, que operadores do Direito levaram anos para absorver?

Diante dessa realidade, são inúmeras as nulidades advindas das decisões dos Tribunais do Júri, tão somente porque frente a quesitações não compreendidas, por envolver palavras como agravante, atenuantes, homicídio simples e qualificado, dentre outras, jurados deram outra interpretação daquilo que lhe fora exigido, levando a um decisum contrário à prova dos autos, só porque não conheciam tais vocábulos jurídicos.

Não bastasse a falta de conhecimento, os jurados no plenário do Tribunal do Júri se vêem perplexos e envoltos pela complexidade das questões, argumentos que de forma teatral são apresentados pela acusação e defesa, com vistas a induzir, muitas vezes apelativamente, o Conselho de Sentença acerca de seus argumentos.

Existe maneira mais eficaz de alcançar a sensibilidade do jurado despreparado do que a linguagem rebuscada, cheia da teatralização de gestos, de provocações, de emoção levada ao extremo, num verdadeiro drama, o que leva a estratagemas de “julgamentos apaixonados”? Tudo isso faz com que muitas vezes o jurado se sinta “perdido”, vulnerável, sem contar os problemas de ordens pessoais, tais como as suas convicções filosóficas ou religiosas, bem como a pressão, influências que, mesmo antes do julgamento, o juiz leigo sofre, o que o torna objeto de ações passíveis de comprometer suas deliberações nas sessões do júri.


Por acreditar que o principal óbice a uma melhor instrumentalidade do Tribunal do Júri seja exatamente a falta de mínimos conhecimentos técnicos-jurídicos dos jurados, em áreas como: Penal, Processo Penal, Medicina Legal, dentre outras, além do desconhecimento quanto a importância de sua funções e o alcance de suas decisões, sendo inaceitável que o simples conhecer dos fatos possam vir a pôr em risco o direito constitucional à liberdade ou apontem para a impunidade, faz-se imperiosa a necessidade da modificação estrutural do Tribunal do Júri de maneira a não silenciar, mas aprimorar o referido instituto, com vistas a prestigiar essa bela instituição democrática.

Embora o Tribunal do Júri seja uma cláusula pétrea assegurada pela Constituição Federal em seu art. 5º, XXXVIII, a sua organização é possível mediante simples lei ordinária, o que permite uma ampla e substancial reforma, desde que assegurados o sigilo das votações, a plenitude da defesa, a soberania dos veredictos e a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

Abre-se, assim, um amplo espaço para reestruturá-lo, com vista a uma melhor instrumentalidade. Daí porque, não nos arvorando em solucionar a problemática apontada, apresentamos sugestões, acompanhadas de suas respectivas fundamentações, de modo a contribuir para um melhor aprimoramento dos julgamentos dos Conselhos de Sentença do Tribunal do Júri, a fim de que deliberem não apenas com base no conhecimento de mundo que possuem, mas também se utilizem de um mínimo de conhecimento técnico-jurídico suficiente que dê suporte às suas decisões, não que isso venha afastar possíveis erros ou injustiças, mas, assim como acontece com o juiz togado, tornarão os jurados mais aptos a produzir uma decisão mais próxima daquilo que a estrutura probatória processual reclama, julgando seus pares com uma melhor convicção.

Referências

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